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Opinião

Crônica de um carrapato

Era uma vez um carrapato. Vivia sossegado em seu cachorro, perto da floresta. Fazia suas atividades, tocava sua vida. Sempre como um carrapato.
 
Até que, um dia, soube da notícia de um carrapato vindo de um cachorro lá da terra dos Andes. O carrapato andino fazia chover, fazia trovejar, aumentava exponencialmente a quantidade de carrapatos a lhe servirem no cachorro. Dizia-se que o carrapato andino tinha uma comunicação toda especial com o Dono da matilha, que é o mesmo Dono da matilha brasileira. O carrapato andino até mesmo andou dizendo que ele tinha que mudar de cachorro. Nada de chiuaua, tinha que ser são-bernardo pra cima.
 
Daí nosso carrapato ficou animado. Estava cansado daquele cachorro que ficava na floresta. Decidiu que ele seria uma espécie de pai de todos os carrapatos do Brasil, e que merecia um cachorro maior, bem maior. Ele decretou que era, a partir dali, um carrapato nobre, e que todos os que se curvassem a ele também seriam coroados com a nobreza carrapatal. Como ele sempre sugava na parte de trás do cachorro, tratou logo de se mudar para a cabeça do bicho, já que, como ele mesmo dizia, os carrapatos nasceram para a cabeça, e não para a cauda. Essa virou seu lema, sua visão, sua missão. Aliás, para manter-se no topo da cabeça do cachorro, nosso carrapato sempre tinha visões e alucinações. Afinal, como dizem, camarão que dorme a onda leva, e ele queria mesmo era produzir as ondas para tragar tudo para si.
 
Nessa ilusão, recebeu o apoio de uma carrapata que tinha a curiosa habilidade das pulgas, pois pulava de cão em cão, e que até mesmo havia profetizado a volta do Dono da matilha toda para uma data bem próxima. Quando o Dono não voltou, a carrapata-pulga deu um pulo altíssimo para os States, afirmando ser essa uma direção vinda de uma mensagem do Dono da matilha.
 
Quando todos os carrapatos se esqueceram dessa bobagem (carrapato tem memória curta, ainda mais carrapato brasileiro, que engole tudo), a carrapata-pulga deu total e irrestrito ao agora chamado “pairrapato”.
 
Mas o carrapato, ops, pairrapato, não estava satisfeito. Achando-se grande, mesmo sendo um carrapato, determinou, desafiando o Dono da matilha, que agora seria o pai espiritual brasileiro. Não só dos carrapatos, mas também de todos os cachorros.
 
O que o pairrapato não sabe é que ele continua sendo carrapato. Sugando o sangue do cachorro e transmitindo-lhe doenças. O carrapato também não sabe, mas é que o Dono da matilha também está de olho. O Dono está vendo como seus cachorros estão anêmicos e doentes. Como já comprou um remédio contra carrapatos, pulgas e carrapatos-pulgas, logo, logo ele fará uma boa limpeza nos seus cachorros, com direito a tosa.
 
E o pairrapato, continuando carrapato, será jogado na lixeira, junto com a carrapata-pulga e todos os carrapatos que se associaram a essa sandice de matar o cachorro de inanição. E, juntos, serão incinerados, por quase terem matado o cachorro de doenças.
 
Pois nasceram carrapatos, mas não quiseram deixar de ser carrapatos. E serão descartados para sempre como carrapatos.
Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA,  é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks).
  • Textos publicados: 38 [ver]

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