Opinião
- 05 de agosto de 2022
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Conversas pastorais. Quem quer ouvi-las?
É mais ou menos assim que podemos apresentar a primeira edição do Congresso Anual do Conversas Pastorais, que vai acontecer nos dias 1 e 2 de novembro de 2022, na Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, SP.
O “movimento de conversas” acontece em encontros menores e mensais desde 2015, e vai reunir a liderança da igreja brasileira em dois dias intensos de painéis, plenárias, convidados, arte e celebração. E, como um dos objetivos do Congresso, que, é “deixar o lugar de fala e passar ao lugar da escuta”, Ultimato ouviu o pastor Ed René Kivitz, colunista da revista Ultimato e pastor da IBAB, que hospeda o movimento.
O encontro é um movimento de várias lideranças que se reúnem desde 2015. Que propostas ou temas mais significativos vocês conversaram no decorrer destes anos?
O movimento não propõe apenas um encontro para conversas entre lideranças pastorais, mas também para inspirar, informar e subsidiar pastores e pastoras para as diferentes conversas que desenvolvem e articulam em sua vida diária. Conversas internas no dia-a-dia da vida das igrejas na forma de aconselhamento, ensino e pregação, e também no discipulado e mentoria, e ainda as conversas com os saberes interdisciplinares à práxis pastoral, não apenas a teologia, mas a filosofia, as ciências sociais e políticas, a arte e a cultura, e tantas outras em sua maior abrangência possível. Em todas as conversas, entretanto, o foco é sempre a igreja local e a práxis pastoral.
O Conversas Pastorais é ou pretende ser um espaço de “terapia” para pastores? Como anda a saúde dos líderes e pastores com quem vocês têm conversado?
A saúde mental e emocional é um dos maiores desafios do mundo contemporâneo. A pergunta “quem cuida de quem cuida?” ganha especial relevância nos nossos dias marcados por conflitos e hostilidades próprios das polarizações políticas e ideológicas, competitividade e cobranças de desempenho, que gera o que o Byung-Chul Han chamou de sociedade do cansaço. Além disso, a convivência sem tréguas com os dilemas existenciais e espirituais de quem sofre, faz com que os cuidadores se tornem eles mesmos necessitados de cuidado e acompanhamento pastoral. Embora não se proponha a oferecer processos terapêuticos formais, que somente profissionais especializados podem proporcionar, Conversas Pastorais é um ambiente que favorece as amizades espirituais, a comunidade de pertencimento e acolhimento, e as relações de troca que em boa medida viabilizam conforto, consolo e encorajamento.
Como um pastor, com tantas luzes e megafones à disposição, poderia trabalhar em silêncio (ou apenas escutando)? Ele seria bem aceito pela sua comunidade?
Deus habita no silêncio, disse o Pastor de Hermas já no século 2. Usualmente, entretanto, o ofício pastoral é caracterizado pelo falar, sendo inclusive chamado o ministério da Palavra, não apenas a palavra de Deus, como também aquela relativa aos dons espirituais verbais. A palavra de sabedoria, a profecia e a exortação que não nasce da escuta ativa e amorosa corre o risco de se transformar em solilóquio, algo parecido com a oração do fariseu da parábola, o religioso que falou apenas consigo mesmo. Em paralelo à pergunta que quer saber se pastores prontos para ouvir e tardios para falar seriam aceitos pelas suas comunidades, cabe contrapor: os pastores tagarelas têm sido bem aceitos pelas suas? Que tipo de espiritualidade e experiência religiosa têm sido geradas nos ambientes barulhentos, desatentos às dores dos corações e displicentes à voz de Deus? Como nos ensinou Jesus, “quem tem ouvidos, ouça”.
Parece que a suposta necessidade de falar e dar opinião sobre tudo tornou o ministério pastoral um campo minado. E, nesse caso, como socorrer os prováveis feridos na caminhada ministerial da igreja?
Num contexto em que as palavras ferem e por vezes matam, muito provavelmente o acolhimento amoroso para a escuta cuidadosa, sem julgamento e sem pretensão de oferecer respostas prontas, seja a melhor práxis pastoral. No lugar da doutrinação apologética, o legalismo moralista e as filosofias de ministério baseadas em eventos que visam às massas e ao crescimento dos auditórios, precisamos multiplicar comunidades cujas ênfases sejam a graça, a misericórdia e a compaixão de Deus. As comunidades cristãs devem ser ambientes seguros, oferecendo apoio, encorajamento, e perdão para todos e todas que desejam reescrever suas histórias a partir de encontros profundos e significativos com o amor de Deus.
Diante do advento das mídias sociais digitais e de uma sociedade que baseia sua caminhada, percepções e decisões em suas experiências religiosas particulares e não necessariamente objetivas, você acha que alguns pastores estão ficando maiores do que suas igrejas ou denominações? Isso pode acarretar pastores sem nenhuma autoridade sobre si?
A ideia de que existem “pastores maiores que suas igrejas” implica uma absoluta distorção da experiência comunitária cristã, onde os pastores e pastoras são igualmente “ovelhas e rebanho”, distintos apenas pelas funções que exercem na comunidade, jamais em suas demandas e necessidades humanas. As mídias sociais são ótimos recursos para a difusão de informação e facilitação das redes de contato, mas ambientes muito perigosos para relacionamentos saudáveis e sustentáveis. Os principais perigos das relações chamadas virtuais são a superficialidade e a falsidade: personagens, em vez de pessoas, cultivando relações de afinidades sem stress e conflito, iniciadas e desfeitas num clique. O sábio Salomão ensina que “ferro com ferro se afia”, e para isso é preciso atrito, aquecimento e faísca, rsrs. Somente nas relações profundas e autênticas existe experiência da mutualidade amorosa prescrita no Evangelho. Celebridades de redes sociais, palco e púlpito apontam um fenômeno diferente do que o Novo Testamento chama de pastor/pastora.
A proposta do evento inclui arte no programa. Por quê? Em que medida a arte pode promover “conversas”?
A Bíblia Sagrada é pura arte. Nós a perdemos quando passam os a encarar a narrativa bíblica como tratado conceitual, dogma, doutrina, filosofia e teologia, ou mera prescrição moral. A Bíblia conta histórias, está cheia de poesia, afetos e amores, paixões divinas e humanas, e deveria ser muito melhor visitada como quem vai namorar num jardim do que como quem frequenta um terminal de computadores para pesquisas numa biblioteca. Além de informar, a Bíblia se propõe também e principalmente a inspirar. A palavra de Jesus aos discípulos a caminho de Emaús não apenas lhes trouxe esclarecimento para o entendimento, mas fez com que se lhes ardessem os corações. Como disse Dostoievski, “a beleza salvará o mundo”. Desejamos um encontro caracterizado pelas linguagens em todas as suas dimensões, particularmente a linguagem da arte que transcende a usual logicidade racionalista dos ambientes de treinamentos teológicos.
Pode adiantar algo sobre o programa, palestrantes e temas?
Nosso tema geral é justamente “Conversas,”, isso mesmo, com a vírgula. Pretendemos criar um ambiente favorável aos encontros, trocas e partilhas, construções coletivas do conhecimento, em vez da agenda baseada em palestras no modo “um fala e todo mundo escuta”. As participações dos convidados servirão para abrir conversas, e serão sempre seguidas de microfone aberto, sem lacração, afinal não queremos ponto final, queremos continuar conversando. Receberemos o filósofo Francisco Bosco, que vai nos provocar a partir de seu recém lançado livro “O diálogo possível: por uma reconstrução do debate público brasileiro”. Vamos receber Clarice Niskier, para a apresentação da peça A alma imoral, baseada no texto do rabino Nilton Bonder, que estará conosco nos guiando na conversa do dia seguinte. Além disso teremos painéis e mesas de debates, e também uma oficina de conversas discutindo temas relevantes do contemporâneo.
Que instrumentos serão utilizados para garantir que o evento seja de fato um tempo de conversas?
O foco do Congresso será os relacionamentos e as rodas de conversa. Nosso desejo é criar um ambiente onde os participantes se sintam à vontade para sentar sem pressa e falar, certos de que serão ouvidos sem julgamentos e doutrinações. Mais do que treinar e dar conteúdo, desejamos facilitar experiências. Ficarei feliz se ao final alguém me disser que está indo embora mais apaixonado por Jesus, mais encantado com sua vocação pastoral, e mais comprometido em servir pessoas.
O QUE OS PROFETAS DIRIAM? | REVISTA ULTIMATO
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