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- 07 de fevereiro de 2019
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Como sobrevivi à dor da traição
Por Nancy Gonçalves Dusilek
Sou paulista da cidade de Suzano. Nasci e fui criada em lar evangélico, com pais dedicados e líderes nas igrejas pelas quais passamos. Aprendi desde cedo que servir a Deus é a melhor coisa que podemos fazer, usando os nossos dons e talentos dados por ele mesmo. Aos sete anos era presidente da Sociedade de Crianças; aos treze, professora da classe de crianças em uma congregação onde meus pais serviam como líderes, mesmo não sendo pastores. Mais tarde, fui para o Rio de Janeiro fazer o curso de Educação Religiosa onde conheci o anjo da minha vida que, tempos depois, seria meu marido. Ele estava fazendo Teologia no Seminário.
Namoramos, noivamos e nos casamos em julho de 1969. Ele sempre foi o príncipe da minha vida. Homem fiel, íntegro, muito inteligente e por muitos anos professor de Teologia no mesmo seminário onde se formou. Amado por centenas de alunos que passaram por suas aulas durante quase duas décadas. Pastor dedicado e querido por suas ovelhas pelas igrejas onde pastoreou. Foi diretor da Visão Mundial no Brasil, a sede era em Belo Horizonte (MG), cargo que exerceu durante dez anos. Amava visitar os projetos sociais em todo Brasil, e fora dele, e ver o que podia ser feito para minorar a dor dos menos favorecidos. Seu coração se inflamava com essa obra.
Depois desse tempo, voltamos para o Rio de Janeiro. Agora, pastoreando uma igreja com mais de mil membros e presidente da nossa Convenção Brasileira, além das aulas no mesmo Seminário. Tivemos dois filhos. Nessa época, eles estavam cursando a faculdade e a nossa vida seguia muito bem.
Uma coisa que sempre respeitamos um no outro era as conversas de gabinete entre ovelhas e pastor. Sempre entendi que a privacidade é importante para quem busca ajuda. Durante vinte e oito anos sempre agimos assim. Apenas uma vez lhe disse: “toma cuidado com essa mulher”. Ele me perguntou: “o que faço?”. Dei-lhe algumas dicas, ele seguiu e ela desapareceu. A mulher percebe quando outra contra-ataca. As armas que a outra usa são conhecidas por nós. Afinal, somos mulheres.
Em uma ocasião, fui procurada por outra esposa de pastor pedindo ajuda para um casal que enfrentava sérias dificuldades. Disse que não era psicóloga, mas que poderia conversar com a pessoa. Em casa, conversei com meu marido sobre o ocorrido e como ele conhecia o marido em questão, me pediu para mandá-los ao gabinete. Ora, fiz isso dezenas de vezes e as pessoas eram ajudadas. Muitas delas, especialmente mulheres, querem conversar com o pastor, mas primeiro chegam para a esposa como que pedindo para abrir a porta. Fiz isso durante anos e nunca houve problemas.
Nos primeiros encontros, só ele apareceu e ela não. Achei estranho. Sabe aquele sininho que bate na sua cabeça? Pois é, bateu na minha. Ao comentar com o meu marido a ausência da esposa, percebi um sarcasmo de sua parte, coisa que nunca tinha acontecido em toda a nossa caminhada conjugal. Estranhei e fiquei calada. E aí comecei a perceber a distância e o tratamento diferente. Eu só chorava e orava. Em poucos meses desse “aconselhamento” em nossa agenda, fiquei sem marido, depois de vinte e oito anos de alegria, prazer, companheirismo e vitórias. Comemoramos até as Bodas de Prata com tudo a que tinha direito. Nunca poderia pensar que três anos depois tudo se desfaria, por causa de outra mulher!
Perdão é um processo
A dor é inexplicável. A traição de uma pessoa à qual a gente dedica toda a vida e ama com todas as forças da alma é uma dor que só quem passa por ela pode testificar. Não dá para imaginar nem fazer suposições. Em nosso meio cristão é visível a ação do inimigo querendo acabar com os casamentos e, por consequência, a família. Nessa dor toda, eu ainda tinha a vantagem de ter meus filhos adultos e que ficaram do meu lado dando-me apoio. Fico imaginando uma situação dessas se a esposa tem filhos pequenos! Como explicar? O que dizer? Louvo a Deus pelos filhos que sofreram muito também, mas se mantiveram firmes. Meu filho estava no quarto ano do Seminário e hoje é pastor.
Três anos se passaram de sua partida e um dia ele me ligou pedindo para me encontrar e conversar. Fui. Ele pediu para voltar, pois tinha feito algo que nunca deveria ter acontecido. Dei-lhe um prazo para conversar com nossos filhos e aceitei-o de volta. O perdão não é algo instantâneo e automático, mas é um processo. Além disso, como tínhamos um casamento harmonioso, o inimigo não estava contente. Por duas vezes, antes dele sair de casa, tive uma experiência nítida da presença do atacante do mal. Mas Deus me deu forças para receber meu marido de volta. Um amigo bem chegado levava-o para sua igreja, onde ele ensinava na Escola Bíblica e, muitas vezes, pregava. O arrependimento foi maior. Deus o honrou. Ficou comigo seis anos e faleceu de um ataque cardíaco em agosto de 2007.
A gente nunca sabe quando vem a tempestade em nossas vidas. Mas lembro dos discípulos no barco e Jesus dormindo. A tempestade chega, eles se apavoram e chamam Jesus, que acalma a tempestade (Mt 8.24-27). Não adianta desespero, nem ficar se perguntando “onde foi que errei” ou “o que fiz para merecer isso?” O importante é saber que Jesus está no barco conosco. Ele tem poder para desfazer os mal-entendidos, as traições, as dificuldades. O importante é estarmos coladas nele para termos a força necessária para vencermos as intempéries da vida.
Quando vi meu marido saindo de casa, uma amiga estava comigo e eu só chorava. Fiquei quase um mês sem conseguir orar e terminar cada oração. Chorava e chorava. Um dia disse a Deus: “Estou igual um sagui agarrada nos teus braços, por favor, Deus, não chacoalhe o braço, senão eu caio”. E Deus me permitiu ficar nessa posição até que, um belo dia, lá estava eu orando sem chorar. Só louvando. É preciso dar tempo para o nosso luto com as perdas. Depois vamos à luta para novas conquistas. Deus tem sido fiel comigo. Tive uma perda para o inimigo e outra para Deus. A primeira, saída de casa. A segunda, a morte. Confesso que a perda pela morte é mais tranquila para se aceitar, embora doa muito a ausência, mas a primeira foi trágica e não desejo para ninguém. Não estamos preparadas para tais perdas. Ninguém quer perder. Mas na minha experiência, entendi e aprendi que nas perdas ganhamos quando damos vazão à nossa dor aos pés da cruz de Cristo. Quando somos fiéis ao Senhor e totalmente dependentes dele, ele nos honra.
Estou viúva há 11 anos. Meus dois filhos estão encaminhados e tenho uma neta que me dá muita alegria. Isso sem contar as conquistas, como pessoa e mulher, que Deus tem me proporcionado. Quando vem a tempestade, nada melhor do que estar no barco com Jesus. Ele acalma o nosso coração e a vida continua. É fácil? Claro que não! Mas é possível quando dependemos do nosso Deus, que é um Pai amoroso.
• Nancy Gonçalves Dusilek é membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil, autora de Mulher sem nome, O grito das incluídas e Descobrindo e capacitando líderes, entre outros.
Nota: Publicado originalmente na revista O Clarim, edição 71. Reproduzido com permissão.
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