Opinião
- 10 de abril de 2023
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Como discernir entre a boa e a má literatura
Por Igor Gaspar
É comum, ao lermos um livro, expressar nossa opinião a seu respeito – bem como ouvir a opinião de outros sobre suas leituras. Um livro pode ser objeto do nosso prazer e instrução ou do nosso desgosto e desprezo. Podemos ter nossas vidas enriquecidas através de algumas leituras, bem como ter o nosso tempo perdido com um livro ruim.
É certo que podemos gostar de um livro que outros reprovam, e desgostar de um livro que outros aprovam. Como, então, discernir um bom livro para além de nossas opiniões pessoais ou de outrem?
Como uma árvore, o livro é composto, grosso modo, por três elementos: a ideia (que corresponde à raiz), o conteúdo (correspondente ao tronco) e as folhas (que são como as palavras). Um bom livro está, acima de tudo, em perfeita harmonia interna. O escritor foi tomado de uma ideia. A ideia cresce em seu interior, aprofundando-se como raízes; nasce, então, a necessidade de pôr a ideia no papel. Esse ato constitui o início de um belo trabalho artístico, pois, como diz Rilke, "uma obra de arte é boa quando surge a partir de uma necessidade"1.
O conteúdo do livro está para a ideia como o tronco da árvore está para sua raiz: intimamente ligado. O conteúdo é a sua própria vida, sua razão de ser, "é o que nos fará chorar, ou estremecer, ou querer saber, ou rir enquanto a estivermos lendo"2.
As palavras – como as folhas na árvore –, embelezam o livro e definem a sua qualidade literária. "Cada peça literária", como diz C. S. Lewis, "é uma sequência de palavras"3. A beleza das palavras não se constitui – necessariamente – pelo uso de palavras cultas. O leitor se surpreenderá com a simplicidade de Dante, que no início de seu poema escreve apenas: "No meio do caminho desta vida me descobri em uma selva escura…"4. Vê-se a mesma simplicidade em Proust: "Por um longo tempo, me deitei cedo"5; e em Tolstói: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira"6. Vemos, assim, que a beleza das palavras não está necessariamente ligada ao uso complexo e pouco inteligível delas.
Tampouco a arte literária é tecida com palavras simplórias. Devemos perceber a beleza ou feiura das palavras de acordo com a harmonia do texto. As belas palavras, são, então, as palavras ordenadas. Cada palavra é como um fio de tear num bordado - isoladamente, tem pouco valor, mas é parte da beleza completa quando se considera o todo.
É, portanto, a partir da ideia, do conteúdo e da palavra que devemos discernir a boa e a má literatura.
Com pouca frequência, porém, veremos um livro onde esses elementos estarão em harmonia. "Quando tu verás, na tua terra, um Dostoiévski, uma George Eliot, um Tolstói?", pergunta Lima Barreto7.
Ainda assim, podemos extrair do livro o melhor de cada elemento. Na literatura pastoral, por exemplo, há pouca ou nenhuma beleza nas palavras, seu conteúdo, porém, pode ser rico, então devemos perdoar a falta.
No romance (especialmente o romance vitoriano), o conteúdo pode ser demasiado e desnecessariamente longo e, ainda assim, ser envolto na beleza das palavras.
Outras vezes, a ideia do livro pode ser boa, falta ao autor somente o talento literário.
Quando, porém, o livro estiver em harmonia entre a ideia, o conteúdo e as palavras, poderemos dizer: "Eis aí um clássico!".
Notas
1. Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2022, p. 24.
2. C. S. Lewis, Um Experimento em Crítica Literária. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2019, p. 77-78.
3. Ibidem. P. 36.
4. Dante Alighieri, Inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 553. Kindle loc.
5. Marcel Proust, À Procura do Tempo Perdido, V. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 409. Kindle loc.
6. Liev Tolstói, Anna Kariênina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 150. Kindle loc.
7. Disponível em Clube da literatura clássica. Acesso: 2 de abril de 2023.
Saiba mais:
» 25 Livros Que Todo Cristão Deveria Ler, Richard Foster e Dallas Willard
» Século I – A Revolução, Cayo César Morais dos Santos
É comum, ao lermos um livro, expressar nossa opinião a seu respeito – bem como ouvir a opinião de outros sobre suas leituras. Um livro pode ser objeto do nosso prazer e instrução ou do nosso desgosto e desprezo. Podemos ter nossas vidas enriquecidas através de algumas leituras, bem como ter o nosso tempo perdido com um livro ruim.
É certo que podemos gostar de um livro que outros reprovam, e desgostar de um livro que outros aprovam. Como, então, discernir um bom livro para além de nossas opiniões pessoais ou de outrem?
Como uma árvore, o livro é composto, grosso modo, por três elementos: a ideia (que corresponde à raiz), o conteúdo (correspondente ao tronco) e as folhas (que são como as palavras). Um bom livro está, acima de tudo, em perfeita harmonia interna. O escritor foi tomado de uma ideia. A ideia cresce em seu interior, aprofundando-se como raízes; nasce, então, a necessidade de pôr a ideia no papel. Esse ato constitui o início de um belo trabalho artístico, pois, como diz Rilke, "uma obra de arte é boa quando surge a partir de uma necessidade"1.
O conteúdo do livro está para a ideia como o tronco da árvore está para sua raiz: intimamente ligado. O conteúdo é a sua própria vida, sua razão de ser, "é o que nos fará chorar, ou estremecer, ou querer saber, ou rir enquanto a estivermos lendo"2.
As palavras – como as folhas na árvore –, embelezam o livro e definem a sua qualidade literária. "Cada peça literária", como diz C. S. Lewis, "é uma sequência de palavras"3. A beleza das palavras não se constitui – necessariamente – pelo uso de palavras cultas. O leitor se surpreenderá com a simplicidade de Dante, que no início de seu poema escreve apenas: "No meio do caminho desta vida me descobri em uma selva escura…"4. Vê-se a mesma simplicidade em Proust: "Por um longo tempo, me deitei cedo"5; e em Tolstói: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira"6. Vemos, assim, que a beleza das palavras não está necessariamente ligada ao uso complexo e pouco inteligível delas.
Tampouco a arte literária é tecida com palavras simplórias. Devemos perceber a beleza ou feiura das palavras de acordo com a harmonia do texto. As belas palavras, são, então, as palavras ordenadas. Cada palavra é como um fio de tear num bordado - isoladamente, tem pouco valor, mas é parte da beleza completa quando se considera o todo.
É, portanto, a partir da ideia, do conteúdo e da palavra que devemos discernir a boa e a má literatura.
Com pouca frequência, porém, veremos um livro onde esses elementos estarão em harmonia. "Quando tu verás, na tua terra, um Dostoiévski, uma George Eliot, um Tolstói?", pergunta Lima Barreto7.
Ainda assim, podemos extrair do livro o melhor de cada elemento. Na literatura pastoral, por exemplo, há pouca ou nenhuma beleza nas palavras, seu conteúdo, porém, pode ser rico, então devemos perdoar a falta.
No romance (especialmente o romance vitoriano), o conteúdo pode ser demasiado e desnecessariamente longo e, ainda assim, ser envolto na beleza das palavras.
Outras vezes, a ideia do livro pode ser boa, falta ao autor somente o talento literário.
Quando, porém, o livro estiver em harmonia entre a ideia, o conteúdo e as palavras, poderemos dizer: "Eis aí um clássico!".
Notas
1. Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2022, p. 24.
2. C. S. Lewis, Um Experimento em Crítica Literária. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2019, p. 77-78.
3. Ibidem. P. 36.
4. Dante Alighieri, Inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 553. Kindle loc.
5. Marcel Proust, À Procura do Tempo Perdido, V. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 409. Kindle loc.
6. Liev Tolstói, Anna Kariênina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 150. Kindle loc.
7. Disponível em Clube da literatura clássica. Acesso: 2 de abril de 2023.
- Igor Gaspar é psicólogo e escritor, autor de Dorothy L. Sayers e C. S. Lewis: biografia, amizade e vida.
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