Opinião
- 25 de setembro de 2013
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C. S. Lewis: satanista infiltrado?
Numa dessas palestras que dei pelo país, certo aluno de teologia questionou a amizade que C.S. Lewis tinha com Charles Williams, autor, revisor e autodidata, que muitos consideram ocultista e praticante de ritos de magia, além de ser membro da seita Rosa Cruz.
Primeiro, é preciso considerar que realmente esse último autor me pareceu bastante obscuro quando o li e é possível que aqueles que o tomam como ocultista tenham razão. Mas eles não param por aí. A partir disso eles concluem que não só Lewis tinha amizade e admiração por esse “Inkling” (nome do grupo de discussão fundado por J.R.R. Tolkien e Lewis), como também era simpatizante ou até participante de suas ordens ocultistas.
Essa amizade também serve de base para a alegação de que os livros de Lewis, particularmente as “Crônicas de Nárnia” e suas imagens pagãs, a figura da feiticeira e o uso da palavra “magia” para o poder redentor de Aslan, demonstram a sua adesão a práticas de magia negra e o culto a Satanás.
Ou seja, C.S. Lewis, por ter sido amigo de um satanista, também seria ele mesmo um satanista e dos mais perigosos: ele seria um satanista infiltrado no meio cristão, um “demônio” vestido de anjo de luz!
Posto isso, gostaria que se atentasse para alguns fatos: primeiro, a amizade de Lewis com Charles Williams começou em 1936 e foi interrompida pela morte súbita de Williams, em 1945, ou seja, ela durou menos de dez anos. Essa não era a única amizade de Lewis. Em “O Dom da Amizade: J.R.R.Tolkien e C.S. Lewis”, de Colin Duriez (Martins Fontes) especula-se que um dos poucos motivos de briga entre os dois tinha relação com a amizade de Lewis com Williams, de quem Tolkien não gostava muito.
Em segundo lugar, a amizade foi em grande parte profissional. Williams era revisor dos textos de Lewis para publicação pela editora da Universidade de Oxford, principalmente de sua tese de mestrado, “The Allegory of Love” (A Alegoria do Amor, tradução minha para o português pela É-Realizações Editorial). As cartas que ambos trocaram nesse curto período de tempo pouco falam de teologia, porém mais de literatura, que era o campo acadêmico de Lewis.
Terceiro: na primeira carta que Lewis escreveu para Williams, além de elogiar muito os escritos de Williams, ele também admitia que achava o seu estilo de escrita bastante “complicado”. Em outras palavras: Lewis não o via com olhos acríticos.
Quarto: nem todos os “Inklings” eram cristãos. Owen Barfield, por exemplo, era adepto da antroposofia. Na verdade, o grupo praticava o que hoje se chama “diálogo religioso” e “inclusivo”, ou seja, o tratamento igualitário no que diz respeito à religião de cada um. Prova viva disso é a própria amizade entre Tolkien (um católico fervoroso) e Lewis (um anglicano). Nisso, eles se espelhavam no jornalista católico, G.K. Chesterton, que tinha amizade com os seus maiores adversários em termos religiosos, como George Bernard Shaw, um ateu “relutante”, mas convicto.
Aliás, a teologia praticada no grupo visava atentar para os pontos comuns entre as religiões, mas particularmente, entre as vertentes do cristianismo.
Então, o fato de Lewis ter tido amizade com um adepto de seitas ocultistas não quer dizer que ele aderia a elas. O fato de Jesus ter se assentado à mesa com os pecadores (que somos todos nós), não quer dizer que ele mesmo fosse pecador ou que aderia à prática do pecado.
Para entender melhor as relações de C. S. Lewis com o ocultismo e seu claro posicionamento contra o mesmo após a sua conversão, leia “O Mais Relutante dos Convertidos” (Editora Vida), de David C. Downing.
Finalmente, é preciso considerar que um “infiltrado”, via de regra, (veja todos os filmes que você já tenha assistido e os livros que já tenha lido) é o agente do bem, em um meio mal, e não vice-versa. Um filtro normalmente serve para purificar (a água, por exemplo) e não para poluí-la.
Já pensou um bandido “infiltrar-se” no meio dos policiais? Será que ele lutaria contra o crime com tanta paixão e engajamento quanto um policial? Ele pode até prender bandidos, mas sempre com a intenção de liberá-los em algum momento e acabaria sendo desmascarado pelos policiais, ou morto pelos colegas bandidos se prendesse muitos deles. Lewis lutava contra as artimanhas do diabo (veja “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, Editora Martins Fontes) e não comungava com elas. No prefácio desse livro, Lewis comenta que há duas formas de pensar sobre o Mal que “agradam ao Mal”: pensar que ele não exista; ou então, no extremo oposto, pensar que ele seja o dono do pedaço, que seja preciso “amarrá-lo” para escapar de seus poderes mirabolantes.
Encerramos com esse pensamento de Lewis em “Cristianismo Puro e Simples” (Martins Fontes): “um território ocupado pelo inimigo – assim é esse mundo” (p. 61) .O agente infiltrado é Deus, não o mal. Este não tem a competência para infiltrar-se, e nem o faria, por medo de ter que fazer o bem. A quantidade de pessoas a quem Lewis fez e continua fazendo bem é tão grande, que qualquer Satanás empalideceria de raiva.
Leia mais
A última gargalhada
Um ano com C. S. Lewis
Deus em questão
Primeiro, é preciso considerar que realmente esse último autor me pareceu bastante obscuro quando o li e é possível que aqueles que o tomam como ocultista tenham razão. Mas eles não param por aí. A partir disso eles concluem que não só Lewis tinha amizade e admiração por esse “Inkling” (nome do grupo de discussão fundado por J.R.R. Tolkien e Lewis), como também era simpatizante ou até participante de suas ordens ocultistas.
Essa amizade também serve de base para a alegação de que os livros de Lewis, particularmente as “Crônicas de Nárnia” e suas imagens pagãs, a figura da feiticeira e o uso da palavra “magia” para o poder redentor de Aslan, demonstram a sua adesão a práticas de magia negra e o culto a Satanás.
Ou seja, C.S. Lewis, por ter sido amigo de um satanista, também seria ele mesmo um satanista e dos mais perigosos: ele seria um satanista infiltrado no meio cristão, um “demônio” vestido de anjo de luz!
Posto isso, gostaria que se atentasse para alguns fatos: primeiro, a amizade de Lewis com Charles Williams começou em 1936 e foi interrompida pela morte súbita de Williams, em 1945, ou seja, ela durou menos de dez anos. Essa não era a única amizade de Lewis. Em “O Dom da Amizade: J.R.R.Tolkien e C.S. Lewis”, de Colin Duriez (Martins Fontes) especula-se que um dos poucos motivos de briga entre os dois tinha relação com a amizade de Lewis com Williams, de quem Tolkien não gostava muito.
Em segundo lugar, a amizade foi em grande parte profissional. Williams era revisor dos textos de Lewis para publicação pela editora da Universidade de Oxford, principalmente de sua tese de mestrado, “The Allegory of Love” (A Alegoria do Amor, tradução minha para o português pela É-Realizações Editorial). As cartas que ambos trocaram nesse curto período de tempo pouco falam de teologia, porém mais de literatura, que era o campo acadêmico de Lewis.
Terceiro: na primeira carta que Lewis escreveu para Williams, além de elogiar muito os escritos de Williams, ele também admitia que achava o seu estilo de escrita bastante “complicado”. Em outras palavras: Lewis não o via com olhos acríticos.
Quarto: nem todos os “Inklings” eram cristãos. Owen Barfield, por exemplo, era adepto da antroposofia. Na verdade, o grupo praticava o que hoje se chama “diálogo religioso” e “inclusivo”, ou seja, o tratamento igualitário no que diz respeito à religião de cada um. Prova viva disso é a própria amizade entre Tolkien (um católico fervoroso) e Lewis (um anglicano). Nisso, eles se espelhavam no jornalista católico, G.K. Chesterton, que tinha amizade com os seus maiores adversários em termos religiosos, como George Bernard Shaw, um ateu “relutante”, mas convicto.
Aliás, a teologia praticada no grupo visava atentar para os pontos comuns entre as religiões, mas particularmente, entre as vertentes do cristianismo.
Então, o fato de Lewis ter tido amizade com um adepto de seitas ocultistas não quer dizer que ele aderia a elas. O fato de Jesus ter se assentado à mesa com os pecadores (que somos todos nós), não quer dizer que ele mesmo fosse pecador ou que aderia à prática do pecado.
Para entender melhor as relações de C. S. Lewis com o ocultismo e seu claro posicionamento contra o mesmo após a sua conversão, leia “O Mais Relutante dos Convertidos” (Editora Vida), de David C. Downing.
Finalmente, é preciso considerar que um “infiltrado”, via de regra, (veja todos os filmes que você já tenha assistido e os livros que já tenha lido) é o agente do bem, em um meio mal, e não vice-versa. Um filtro normalmente serve para purificar (a água, por exemplo) e não para poluí-la.
Já pensou um bandido “infiltrar-se” no meio dos policiais? Será que ele lutaria contra o crime com tanta paixão e engajamento quanto um policial? Ele pode até prender bandidos, mas sempre com a intenção de liberá-los em algum momento e acabaria sendo desmascarado pelos policiais, ou morto pelos colegas bandidos se prendesse muitos deles. Lewis lutava contra as artimanhas do diabo (veja “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, Editora Martins Fontes) e não comungava com elas. No prefácio desse livro, Lewis comenta que há duas formas de pensar sobre o Mal que “agradam ao Mal”: pensar que ele não exista; ou então, no extremo oposto, pensar que ele seja o dono do pedaço, que seja preciso “amarrá-lo” para escapar de seus poderes mirabolantes.
Encerramos com esse pensamento de Lewis em “Cristianismo Puro e Simples” (Martins Fontes): “um território ocupado pelo inimigo – assim é esse mundo” (p. 61) .O agente infiltrado é Deus, não o mal. Este não tem a competência para infiltrar-se, e nem o faria, por medo de ter que fazer o bem. A quantidade de pessoas a quem Lewis fez e continua fazendo bem é tão grande, que qualquer Satanás empalideceria de raiva.
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A última gargalhada
Um ano com C. S. Lewis
Deus em questão
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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