Opinião
- 01 de julho de 2019
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Atestado de antecedentes criminais do pastor. Devemos ou não pedir?
Por Robson Ramos
“Antes de pensar em abrir uma igreja, o pastor deveria apresentar um atestado de antecedentes criminais”, foi o que me disse uma juíza federal. Ela seguiu dizendo: “Aqui na capital, numa determinada igreja, o pastor presidente, cidadão de outro país, entrou no Brasil fazendo contrabando de drogas. Ele está empurrando o processo e, enquanto isso, lava dinheiro para uma organização criminosa. E tinha, até a última vez que eu soube, 6 igrejas! Que não são igrejas. São lavanderias do narcotráfico. Deveria haver um filtro para que isso não acontecesse.”
Sabemos que a corrupção – a falta de transparência na utilização dos recursos e no processo decisório de grandes e pequenas organizações – é um fenômeno global. E não é de hoje que isso acontece. Lembro-me de, numa viagem missionária que fiz para o Leste Europeu na década de 80, ter sido orientado pelos líderes da agência missionária para a qual trabalhava a não repassar dinheiro algum para os pastores de determinado país. Sabia-se que alguns deles recebiam ofertas de igrejas dos EUA para ajudar a igreja perseguida, mas davam um jeito de desviar o dinheiro e investir em imóveis na Alemanha.
Não dá para “tapar o sol com a peneira” e fazer de conta que igrejas, agências missionárias, editoras evangélicas, ONG´s e organizações afins estão protegidas desses males.
O ambiente organizacional e empresarial no Brasil e no mundo passa por um momento sem precedentes. Escândalos de corrupção, malversação de recursos e o descumprimento de normas e leis já fazem parte do nosso dia a dia – haja visto o acontecido em Mariana e Brumadinho, para citar apenas os casos de maior repercussão. Isso tudo está presente em todas as áreas, seja financeira, ambiental, comportamental, ou nas relações humanas e profissionais.
O cenário de ilicitude, porém, começou a ser impactado após a edição da Lei 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, impulsionada pela FCPA – Foreign Corruption Practices Act, lei anticorrupção dos Estados Unidos, e pelo Bribery Act, lei editada pelo Reino Unido. Essas leis são fruto de longas negociações internacionais. A FCPA, por exemplo, surgiu depois da repercussão do escândalo de Watergate, que levou à renúncia do ex-presidente Richard Nixon na década de 70. Foi criada para combater a corrupção e desestimular corporações e empresas norte-americanas a se envolverem em casos de suborno e corrupção em outros países.
Um dos fios condutores do ordenamento jurídico internacional é o programa de compliance, que, a partir da promulgação e vigência da Lei Anticorrupção no Brasil em 2013, se torna não só importante como também necessária.
A ideia de um filtro, sugerida pela juíza no início deste artigo, é exatamente o que caracteriza um programa de compliance, entendido como um sistema de prevenção e detecção de atos ilícitos, desvios de conduta e violação às leis, regulamentos e políticas de uma empresa ou organização. O desenvolvimento de uma cultura ética e de integridade faz parte deste pacote.
Na contraluz dessa pauta de transparência devemos voltar os olhos para o incontestável aumento do número de instituições religiosas arrecadando dinheiro dos fiéis e, sabe-se lá, de quais outras fontes, movimentando altas somas, sem a devida prestação de contas sobre como os recursos são usados. Dessa forma, tornam-se potenciais vetores de práticas ilícitas, tais como lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e apropriação indébita, por parte de líderes inescrupulosos agindo em ambientes marcados pela informalidade e ingenuidade. O impacto dessa realidade sobre as gerações futuras e para a credibilidade do testemunho cristão não pode ser subestimado. Uma análise desse fenômeno e os alertas que devem ser dados a respeito estão em consonância com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário.
Daí a necessidade de recomendações, normas e práticas inerentes a um programa de compliance, que envolvam também os stakeholders (grupos de interesse), mantenedores e outros, para que os mesmos respeitem as leis vigentes no Brasil ou em qualquer outro país nos quais determinado ministério ou trabalho missionário esteja sendo implantado.
Pensemos em algumas situações que podem nos ajudar a compreender a pertinência de um programa de compliance no contexto eclesiástico e missionário.
Situação 1:
Imaginemos o trabalho de plantação de igreja sendo desenvolvido por um missionário brasileiro num país africano ou na Ásia. Suponhamos que esse missionário esteja contando com a colaboração de alguns cristãos locais para várias atividades, seja na área de construção, obtenção de autorizações, serviços contábeis, alvarás de funcionamento ou quaisquer outras licenças que se façam necessárias perante as autoridades locais.
De que maneira os gestores de uma igreja – ou agencia missionária - que resolvem plantar igrejas em outros países, conseguem fazer uma gestão ética e transparente do que acontece num outro país? Como saber se aqueles que estão lá na linha de frente seguem as normas e legislação vigentes naquele país?
Supondo ainda que o missionário responsável pela atividade naquele país tenha que abrir uma conta bancária para fazer sua movimentação financeira pessoal e também da igreja, como garantir que essas contas não estarão sendo usadas para outros fins, colocando em risco a integridade da igreja sede no Brasil?
Situação 2:
Imaginemos uma agência missionária de um país europeu, ou asiático, ou dos Estados Unidos, que contrata um missionário brasileiro para desempenhar uma atividade missionária num país da África ou do Oriente Médio. Suponhamos que esse missionário seja casado e tenha dois filhos pequenos e que, por conta das atividades para as quais foi contratado, tenha que morar num país daquela região.
2.1 - Consideremos que, por uma infelicidade, o missionário sofra um acidente e fique incapacitado para o resto da vida e não possa continuar no campo missionário. A que tipo de indenização ele terá direito? De quem é a responsabilidade pela manutenção, sustento e cuidado do missionário e sua família? Seria da agência missionária que o contratou e que tem sua sede em outro país, ou da sua igreja de origem, no Brasil, que teve um papel importante na sua decisão de servir a Deus como missionário? Independentemente de quem venha ser a responsabilidade, a questão é: as obrigações da parte contratante foram devidamente elaboradas em contrato quando o missionário tomou a decisão de seguir a carreira missionária?
2.2 - Numa variante da hipótese acima, sem a ocorrência de um acidente, digamos que haja um desentendimento entre o missionário brasileiro e um superior, do mesmo país da sede da agência missionária. E, como resultado desse desentendimento que ocorrera, digamos, depois de 6 anos de ministério no Oriente Médio, o missionário brasileiro é desligado da agência e recebe uma notificação de que tem 30 dias para fazer as malas e retornar ao Brasil.
O que vai acontecer com ele e sua família depois que chegar ao Brasil? Quem irá cuidar das necessidades dele e de sua família? Por quanto tempo? Ele tem direito a uma indenização? Quais leis, e de que país, devem reger a relação ministerial/profissional entre o missionário brasileiro e a agência missionária com sede em outro país?
2.3 - De que forma a matriz do ministério responsável pela atividade missionária, esteja ela localizada no Brasil ou em outro país, garantirá que os recursos enviados estão sendo usados de forma transparente, sem ferir a legislação do país onde essa nova igreja está sendo implantada? Lembrando que qualquer movimentação bancária de origem suspeita, seja no Brasil ou no exterior, poderá ensejar uma investigação, e eventual responsabilização, por parte das autoridades competentes.
2.4 - Como pode o missionário estar seguro de que nenhum dos seus colaboradores locais está fazendo uso de propina para obter agilidade de agentes públicos locais?
Essas são apenas algumas das questões que remetem à necessidade de sensibilizar e mobilizar líderes cristãos, pastores, executivos de agências missionárias, editoras, ONG´s e outras, sobre a importância de promoverem, praticarem e encorajarem as entidades sob sua responsabilidade, assim como seus parceiros, a cultivarem princípios éticos relacionados ao compliance e a medidas anticorrupção. Mas, de que forma isso pode ser feito?
- Estimulando o desenvolvimento de uma cultura de compliance, ética e transparência no contexto das instituições que promovem a causa de Cristo, sejam elas igrejas, instituições de ensino teológico, ONG´s, editoras e outras.
- Formando líderes comprometidos com ações assertivas, visando a erradicação da corrupção nas suas mais variadas formas;
- Educando os jovens sobre ética, mordomia cristã e tudo o que se relaciona com uma cultura de compliance, seja no mercado de trabalho ou em qualquer instituição que use o nome do Senhor Jesus Cristo;
- Criando cursos e disciplinas sobre compliance para serem ensinadas nas escolas dominicais e em instituições de ensino teológico.
Finalmente, devemos pensar que o incidente relatado no início deste artigo é um caso isolado e que não acontece em nenhum outro lugar? Em que condições devemos pedir ao pastor – ou ao líder de alguma organização relacionada ao segmento evangélico – que apresente um atestado de antecedentes criminais?
• Robson Ramos é advogado, autor de Evangelização no Mercado Pós Moderno (Ultimato, 2003). Atuou como assessor da Aliança Bíblica Universitária (ABU) nos EUA e no Brasil, com experiência em projetos missionários no Leste Europeu e Norte da África. Foi também Diretor Executivo da Sociedade Bíblica Internacional, que produziu e publicou a Bíblia NVI – Nova Versão Internacional. Natural de São Paulo, reside em Balneário Camboriú, SC.
>> Conheça o livro O Escândalo do Comportamento Evangélico, de Ronald J. Sider
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