Opinião
- 08 de agosto de 2017
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Até que tenhamos rostos: uma reflexão devocional
Por Gabriele Greggersen
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. (1 Coríntios 13.12. NVI)
Vivemos a era da informação e do conhecimento. Mas também, do senso-comum e do saber de segunda/terceira mão. Quando temos uma dúvida sobre qualquer assunto, corremos logo para o google e temos nossa curiosidade satisfeita, normalmente, sem questionar as fontes. Há tantas coisas que conhecemos em parte, e de forma precária, que já nem sei o que poderia citar que conhecemos um pouco mais a fundo, muito menos, completamente. Então, prolifera-se a cultura da superficialidade e do imediatismo.
Esse versículo da carta do apóstolo Paulo aos Coríntios nos diz que tudo o que conhecemos é parcial, e usa a analogia do espelho para ilustrá-lo. Ora, o que vemos em espelho, enxergamos de forma invertida; dependendo da qualidade do espelho, de forma distorcida; dependendo da sua limpeza, de forma menos nítida, obscura, esfumaçada.
Ainda assim, nem tudo está perdido nessa visão por espelho. Pois o que vemos, bem ou mal, é reflexo de uma realidade. E o que é real? Será que podemos ter a esperança de vê-lo algum dia? Será que, por termos essa visão distorcida e indireta do real, temos que negar a própria realidade? Ou será o contrário, o reflexo do espelho, uma prova de que existe a realidade, embora longe ainda do alcance das mãos?
O princípio do espelho não se aplica apenas às coisas objetivas, às quais não temos um acesso direto, como os cientistas já comprovaram, introduzindo o conceito de fenômeno, ou seja, a realidade natural, como ela se manifesta à nossa percepção. (Os pesquisadores contemporâneos já não têm pretensões de abarcar a realidade diretamente, muito menos como um todo, mas apenas, de levantar hipóteses sobre determinados eventos que ocorrem na natureza ou em laboratório.)
Penso que as relações humanas, das quais Paulo está falando no contexto do capítulo de Primeira Coríntios 13, o famoso hino do amor, são uma realidade das mais importantes da vida, à qual a analogia do espelho se aplica de forma ainda mais apropriada.
Quando estamos fazemos uma nova amizade ou estamos apaixonados, encantamo-nos por uma imagem, por aquilo que se apresenta aos nossos órgãos dos sentidos. A princípio, não sabemos muito sobre ele/ela. Sabemos apenas que algo nele/nela nos atrai e nos faz calar profundamente. Muitos pessimistas dizem que esse encantamento tem dia e hora para terminar. Uns dizem que são dias, outros meses, outros anos, mas tem hora para terminar. Então viria a realidade da pessoa como ela é, que seria uma decepção, na maioria das vezes. Mas esse versículo diz o contrário, pelo menos nos que diz respeito à nossa relação com Deus. Outrora víamos como em espelho, e um dia veremos face a face. Tudo o que era invertido, volta à ordem original; o que era distorcido, se endireita; o que era turvo, fica nítido. Em outras palavras, o que era com-plicado (cheio de plicas, dobraduras, como um papel amassado) se aplaina, se ex-plica. E isso só pode acontecer plenamente, depois da morte, pois, antes seríamos cegados e fulminados pelo que veríamos.
Mas o que acontece até lá, até que tenhamos rostos para encarar a face do divino? Muitas coisas, penso eu. Viver até que tenhamos faces é toda a extensão e segredo da vida. É viver na expectativa do grande encontro. Será que estamos nos preparando da forma correta, limpando bem o nosso espelho interior, não deixando que ele tenha deformações? Cabe a cada um de nós fazer essa pergunta e não esperar de braços cruzados por esse dia, mas ensaiar esse encontro, na relação com aqueles que Deus puser no nosso caminho para ser o nosso espelho, o nosso outro, a nossa fonte de saber. Mas o melhor ensaio a ser feito é na relação com esse Outro que se fez homem, o Filho, através do Espírito, e que nos abriu caminho ao Outro Primordial, o Pai, a fonte do verdadeiro, pleno e profundo saber, ainda nessa vida. Essa é a nossa esperança, a nossa fé e, principalmente, o nosso amor, até que tenhamos faces.
Nota: Texto enviado aos assinantes da Box 95. Publicado com permissão.
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Photo by Elijah Hiett on Unsplash
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Esse versículo da carta do apóstolo Paulo aos Coríntios nos diz que tudo o que conhecemos é parcial, e usa a analogia do espelho para ilustrá-lo. Ora, o que vemos em espelho, enxergamos de forma invertida; dependendo da qualidade do espelho, de forma distorcida; dependendo da sua limpeza, de forma menos nítida, obscura, esfumaçada.
Ainda assim, nem tudo está perdido nessa visão por espelho. Pois o que vemos, bem ou mal, é reflexo de uma realidade. E o que é real? Será que podemos ter a esperança de vê-lo algum dia? Será que, por termos essa visão distorcida e indireta do real, temos que negar a própria realidade? Ou será o contrário, o reflexo do espelho, uma prova de que existe a realidade, embora longe ainda do alcance das mãos?
O princípio do espelho não se aplica apenas às coisas objetivas, às quais não temos um acesso direto, como os cientistas já comprovaram, introduzindo o conceito de fenômeno, ou seja, a realidade natural, como ela se manifesta à nossa percepção. (Os pesquisadores contemporâneos já não têm pretensões de abarcar a realidade diretamente, muito menos como um todo, mas apenas, de levantar hipóteses sobre determinados eventos que ocorrem na natureza ou em laboratório.)
Penso que as relações humanas, das quais Paulo está falando no contexto do capítulo de Primeira Coríntios 13, o famoso hino do amor, são uma realidade das mais importantes da vida, à qual a analogia do espelho se aplica de forma ainda mais apropriada.
Quando estamos fazemos uma nova amizade ou estamos apaixonados, encantamo-nos por uma imagem, por aquilo que se apresenta aos nossos órgãos dos sentidos. A princípio, não sabemos muito sobre ele/ela. Sabemos apenas que algo nele/nela nos atrai e nos faz calar profundamente. Muitos pessimistas dizem que esse encantamento tem dia e hora para terminar. Uns dizem que são dias, outros meses, outros anos, mas tem hora para terminar. Então viria a realidade da pessoa como ela é, que seria uma decepção, na maioria das vezes. Mas esse versículo diz o contrário, pelo menos nos que diz respeito à nossa relação com Deus. Outrora víamos como em espelho, e um dia veremos face a face. Tudo o que era invertido, volta à ordem original; o que era distorcido, se endireita; o que era turvo, fica nítido. Em outras palavras, o que era com-plicado (cheio de plicas, dobraduras, como um papel amassado) se aplaina, se ex-plica. E isso só pode acontecer plenamente, depois da morte, pois, antes seríamos cegados e fulminados pelo que veríamos.
Mas o que acontece até lá, até que tenhamos rostos para encarar a face do divino? Muitas coisas, penso eu. Viver até que tenhamos faces é toda a extensão e segredo da vida. É viver na expectativa do grande encontro. Será que estamos nos preparando da forma correta, limpando bem o nosso espelho interior, não deixando que ele tenha deformações? Cabe a cada um de nós fazer essa pergunta e não esperar de braços cruzados por esse dia, mas ensaiar esse encontro, na relação com aqueles que Deus puser no nosso caminho para ser o nosso espelho, o nosso outro, a nossa fonte de saber. Mas o melhor ensaio a ser feito é na relação com esse Outro que se fez homem, o Filho, através do Espírito, e que nos abriu caminho ao Outro Primordial, o Pai, a fonte do verdadeiro, pleno e profundo saber, ainda nessa vida. Essa é a nossa esperança, a nossa fé e, principalmente, o nosso amor, até que tenhamos faces.
Nota: Texto enviado aos assinantes da Box 95. Publicado com permissão.
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Photo by Elijah Hiett on Unsplash
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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