Opinião
- 06 de março de 2009
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As denominações como expressões do pecado
Robinson Cavalcanti
Gostaria de fazer um desafio ao leitor: pegue sua Bíblia, leia todo o Antigo Testamento, e, a seguir, todo o Novo Testamento, fazendo-o com a máxima atenção. Procure o termo e o conceito de “denominação” como emprestado atualmente à miríade de organizações religiosas da cristandade. Sabe qual será o resultado? Completamente nulo, porque você não encontrará qualquer referência. Não há qualquer base bíblica para esse termo e esse conceito. Ele é extrabíblico e, o que é mais grave, antibíblico.
Agora, lhe faço um segundo desafio: procure nos textos dos pais apostólicos, dos pais da Igreja, dos concílios da Igreja Indivisa, dos concílios, sínodos e teólogos dos séculos posteriores. Avance um pouco mais e procure nos pré-reformadores, nos reformadores e nas confissões de fé da Reforma Protestante do século 16. Depois, avance mais uns dois séculos, até os pensadores mais importantes do cristianismo no Ocidente e no Oriente. Debalde. Você não encontrará nenhuma instituição ou autor usando o termo ou o conceito de “denominação”. Esse não é um conceito histórico, no sentido de pertencer à tradição viva da Igreja, que lhe serve de base para a sua identidade.
Apesar de não ser um termo bíblico ou histórico (e de ferir a Bíblia e a tradição), hoje todos o empregam “numa boa”. As denominações estão por aí, e a cada dia surgem novas, com os nomes mais exóticos: do Cuspe de Cristo ao Poleiro dos Anjos. Tudo isso é tido como “normal” ou pelo menos inevitável por grande parte dos cristãos, que apoiam ou são indiferentes a essa trágica realidade de um corpo de Cristo dilacerado.
As denominações começam a surgir nos Estados Unidos no século 18, crescem no século 19 (quando começam a ser exportadas pelo movimento missionário), e fazem escola pelo mundo afora, no que poderíamos chamar de “denominacionalismo”. No Brasil essa proliferação é, principalmente, um fenômeno do final do século 20 e início do século 21.
Em seus primórdios norte-americanos, o fenômeno está associado ao individualismo burguês e ao empreendedorismo capitalista, época em que o conteúdo teológico passa a ter uma importância inferior aos aspectos meramente humanos, tais como o sociológico, o jurídico, o administrativo etc. Esse fenômeno aparentemente religioso é cada vez mais assemelhado ao mundo corporativo. Seis pessoas e uma ata registrada são o suficiente para se criar uma denominação em alguns estados norte-americanos. É algo mais para o SEBRAE do que para o Espírito Santo (dispensável nos planejamentos estratégicos). Por fim, chegamos ao tempo das “pequenas igrejas, grandes negócios!”.
É claro que lá já se criavam denominações por divisões raciais ou de imigração, como as de negros, de brancos, de índios, de alemães, de suecos ou de escoceses. A livre iniciativa (livre empresa) permite todo tipo de combinação “self-service”, em termos de doutrinas e costumes, em um amplíssimo cardápio, a gosto de todos os fregueses.
Historicamente, por trás do fenômeno denominacionalista está o predomínio do congregacionalismo nos primórdios da colonização, propício aos rancheiros ou “cowboys” solitários, com o lema “cada um por si e Deus por todos”. Congregacionalismo herdeiro do anabatismo, de um lado, e do puritanismo, do outro. Alguém disse que “nos Estados Unidos, não importa se a igreja se chama congregacional, presbiteriana ou episcopal; todas são, na prática, congregacionais”.
E chegamos ao final do século 16 e primórdios do século 17, quando o individualismo capitalista burguês já se firma na velha Europa, tendo como uma de suas expressões a “Reforma Radical”, com a teoria da apostasia geral da Igreja em sua história, desde Constantino (ou da morte do apóstolo João) até 31 de outubro de 1517, quando o Espírito Santo teria entrado em prolongado recesso, e tudo o que foi feito na Igreja não teria valor, ou seria errado. Essa negação da história, a pretensão de reescrevê-la de trás para frente, uma visão idealizada da igreja primitiva, e uma concepção eclesiológica localista deságuam em uma leitura neoplatônica, idealista, de uma igreja invisível que quando aparece localizada pode assumir qualquer nome, pode se “denominar” de qualquer maneira.
É necessário distinguir denominação de seita ou de igreja ou de ramo histórico.
A história deu muitas voltas, a Bíblia foi para o espaço, a tradição como consenso dos fiéis, idem.
O que restou foi o afastamento do projeto original, o humano, o pecaminoso, a ser atacado, nessa quadra da Quaresma, pela pedagogia do saco e da cinza. Diante do denominacionalismo somente nos resta o rasgar das vestes! “Senhor, tem piedade de nós!”
Gostaria de fazer um desafio ao leitor: pegue sua Bíblia, leia todo o Antigo Testamento, e, a seguir, todo o Novo Testamento, fazendo-o com a máxima atenção. Procure o termo e o conceito de “denominação” como emprestado atualmente à miríade de organizações religiosas da cristandade. Sabe qual será o resultado? Completamente nulo, porque você não encontrará qualquer referência. Não há qualquer base bíblica para esse termo e esse conceito. Ele é extrabíblico e, o que é mais grave, antibíblico.
Agora, lhe faço um segundo desafio: procure nos textos dos pais apostólicos, dos pais da Igreja, dos concílios da Igreja Indivisa, dos concílios, sínodos e teólogos dos séculos posteriores. Avance um pouco mais e procure nos pré-reformadores, nos reformadores e nas confissões de fé da Reforma Protestante do século 16. Depois, avance mais uns dois séculos, até os pensadores mais importantes do cristianismo no Ocidente e no Oriente. Debalde. Você não encontrará nenhuma instituição ou autor usando o termo ou o conceito de “denominação”. Esse não é um conceito histórico, no sentido de pertencer à tradição viva da Igreja, que lhe serve de base para a sua identidade.
Apesar de não ser um termo bíblico ou histórico (e de ferir a Bíblia e a tradição), hoje todos o empregam “numa boa”. As denominações estão por aí, e a cada dia surgem novas, com os nomes mais exóticos: do Cuspe de Cristo ao Poleiro dos Anjos. Tudo isso é tido como “normal” ou pelo menos inevitável por grande parte dos cristãos, que apoiam ou são indiferentes a essa trágica realidade de um corpo de Cristo dilacerado.
As denominações começam a surgir nos Estados Unidos no século 18, crescem no século 19 (quando começam a ser exportadas pelo movimento missionário), e fazem escola pelo mundo afora, no que poderíamos chamar de “denominacionalismo”. No Brasil essa proliferação é, principalmente, um fenômeno do final do século 20 e início do século 21.
Em seus primórdios norte-americanos, o fenômeno está associado ao individualismo burguês e ao empreendedorismo capitalista, época em que o conteúdo teológico passa a ter uma importância inferior aos aspectos meramente humanos, tais como o sociológico, o jurídico, o administrativo etc. Esse fenômeno aparentemente religioso é cada vez mais assemelhado ao mundo corporativo. Seis pessoas e uma ata registrada são o suficiente para se criar uma denominação em alguns estados norte-americanos. É algo mais para o SEBRAE do que para o Espírito Santo (dispensável nos planejamentos estratégicos). Por fim, chegamos ao tempo das “pequenas igrejas, grandes negócios!”.
É claro que lá já se criavam denominações por divisões raciais ou de imigração, como as de negros, de brancos, de índios, de alemães, de suecos ou de escoceses. A livre iniciativa (livre empresa) permite todo tipo de combinação “self-service”, em termos de doutrinas e costumes, em um amplíssimo cardápio, a gosto de todos os fregueses.
Historicamente, por trás do fenômeno denominacionalista está o predomínio do congregacionalismo nos primórdios da colonização, propício aos rancheiros ou “cowboys” solitários, com o lema “cada um por si e Deus por todos”. Congregacionalismo herdeiro do anabatismo, de um lado, e do puritanismo, do outro. Alguém disse que “nos Estados Unidos, não importa se a igreja se chama congregacional, presbiteriana ou episcopal; todas são, na prática, congregacionais”.
E chegamos ao final do século 16 e primórdios do século 17, quando o individualismo capitalista burguês já se firma na velha Europa, tendo como uma de suas expressões a “Reforma Radical”, com a teoria da apostasia geral da Igreja em sua história, desde Constantino (ou da morte do apóstolo João) até 31 de outubro de 1517, quando o Espírito Santo teria entrado em prolongado recesso, e tudo o que foi feito na Igreja não teria valor, ou seria errado. Essa negação da história, a pretensão de reescrevê-la de trás para frente, uma visão idealizada da igreja primitiva, e uma concepção eclesiológica localista deságuam em uma leitura neoplatônica, idealista, de uma igreja invisível que quando aparece localizada pode assumir qualquer nome, pode se “denominar” de qualquer maneira.
É necessário distinguir denominação de seita ou de igreja ou de ramo histórico.
A história deu muitas voltas, a Bíblia foi para o espaço, a tradição como consenso dos fiéis, idem.
O que restou foi o afastamento do projeto original, o humano, o pecaminoso, a ser atacado, nessa quadra da Quaresma, pela pedagogia do saco e da cinza. Diante do denominacionalismo somente nos resta o rasgar das vestes! “Senhor, tem piedade de nós!”
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
- Textos publicados: 29 [ver]
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