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Prateleira

A literatura e a maré da contracultura

Era 1980. Um ano depois da reprovação no vestibular para medicina na UFMG, em Belo Horizonte (era grande a vontade de sair da casa dos pais), e de um semestre fazendo curso de datilografia obrigada por minha mãe, ingressei na UFV (Universidade Federal de Viçosa) no curso de Nutrição.

Imediatamente me juntei à turma da ABU (Aliança Bíblica Universitária). Viçosa sempre teve um grupo de ABU relativamente ativo. Um professor, amigo da família, a quem eu chamava de tio, recebeu na década de 60, quando ele ainda era estudante, a assessora pioneira do ministério estudantil brasileiro, Ruth Siemens.

O grupo era um espaço de refúgio, de desafios e de missão. Amigos chegados, estudávamos a Bíblia, orávamos, compartilhávamos dificuldades e falávamos (muito mais do que praticávamos) sobre evangelização. Lembro-me de que, três anos depois, numa decisão precipitada e que acabou não vingando (graças a Deus) resolvemos acabar com o grupo, já que na prática não comunicávamos claramente com os amigos a respeito de Cristo.

Eram outros tempos... Na nossa Universidade em 1980 aconteceu a primeira greve estudantil após a revolução de 64. Muitos de nós perdermos o semestre letivo, um amigo que se envolveu intensamente no movimento grevista adoeceu emocionalmente, a tensão entre os estudantes e os adultos das igrejas que frequentávamos provocou alguma dissensão e quebra de comunhão.

Vários de nós desejávamos mudanças na sociedade e compartilhávamos dos sonhos de alguns movimentos. Não só na área político-social, mas também das formas de convivência, de novas alternativas de consumo (dois amigos do grupo se filiaram também a grupos dos “pode crer”), de quebra de padrões tidos como os modelos “corretos”. O grupo era bem diverso, mas havia em comum um desejo muito forte de buscar coerência e radicalidade na relação da nossa fé com o modo como vivíamos.

A secretaria de literatura de nosso grupo era muito ativa. Recebíamos com alegria todos os livros publicados pela ABU Editora. Li muitos deles, inclusive os de C.S. Lewis, que – a esta época – integravam o catálogo da ABU. Cristo é o Senhor, de Dionísio Pape, foi estudado e assimilado pelo grupo.

O livro que mais me influenciou foi “Contracultura Cristã” (seu título atual é A Mensagem do Sermão do Monte), de John Stott. Ainda tenho meu exemplar, com as páginas amareladas e todo marcado. O desenvolvimento radical que o autor fez das "Bem Aventuranças" e do seguimento a Jesus mostrou que a vivência do Evangelho poderia ser muito mais do que aquilo que eu vivia. Seu chamado à simplicidade, à autenticidade e à partilha me influencia ainda hoje.

Tenho consciência de como fui impactada pela leitura dos livros da ABU – no meu tempo de universidade e posteriormente. Sou grata por que eles ajudaram a formar meu caráter, a vencer crises de incredulidade e a reforçar e ampliar minha esperança. Relembrar disto, por ocasião dos 40* anos da ABU Editora, me faz retornar àquela época de juventude e mais uma vez renovar os compromissos assumidos. E desejar que a ABU continue influenciando jovens por meio da literatura.

Nota:
* Texto escrito em 2015 por ocasião dos 40 anos da ABU Editora, com o título “A literatura e a contracultura ontem e hoje”.

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Imagem: Toni Stennie/Freeimages.com
É diretora administrativa da Editora Ultimato.
  • Textos publicados: 26 [ver]

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