Opinião
- 25 de fevereiro de 2013
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A inversão dos contos de fadas
A grande vencedora do carnaval desse ano no Carnaval de São Paulo, a Mocidade Alegre, tematizou a sensualidade e a inversão de valores, com base nos contos de fada. A branca de neve apareceu cozinhando criancinhas, havia chapeuzinhos vermelhos eróticos, sete anões presidiários e o lobo mau provavelmente é elevado a herói. Não é para menos que Carnaval tem sua raiz etimológica na palavra latina “carne”.
Claro que tudo não passava de uma brincadeira, mas há quem diga e defenda que toda brincadeira tem um fundo de verdade. O fundo de verdade não está nos personagens infantis, que se mostraram cruéis ou sexuais, que só não são mais lamentáveis, porque são cômicos.
A verdade está nas próprias inversões, que são uma das realidades mais tristes que a humanidade enfrenta desde que negou os valores mais tradicionais e de bom senso, e que existem em toda sociedade e em todo o ser humano de todos os tempos desde a queda.
Ou seja, a escola de samba tematizou (como tantas outras têm predileção por tematizar) o pecado, no sentido de libertinagem, usando o filtro dos contos infantis para promover a sensualidade. E não me pareceu que essa tivesse sido uma crítica, mas, antes, a exaltação desse estado de coisas invertido.
Muitos vão me perguntar: então quer dizer que você defende os contos de fada? Até certo ponto, no seu sentido tradicional, como foram trazidos para as sociedades anteriores a essa, com seu conteúdo moral e ético preservado, sim, defendo.
Quanto a isso, outros vão me perguntar: “mas e as figuras pagãs, como feiticeiras, dragões, lobos que falam, etc”? (que aliás fazem parte mais dos mitos, do que dos contos de fada; e já falamos sobre eles em outras oportunidades).
Quanto a elas, costumo dizer que é preciso, antes de tudo, saber ler, habilidade essa cada vez mais rara e cada vez menos praticada, inclusive pela população daqueles que se autodenominam “cristãos”. Nenhum conto de fadas promove ou defende a existência de bruxas, príncipes encantados, etc. O que importa é a “moral” da história. Valores como prudência, coragem, fidelidade, amizade, abnegação e amor são temas mais do que presentes nesses contos. E tais valores são perfeitamente cristãos. Embora eles não tenham poder “salvífico”, podem, sim, servir de ponte e ponto de contato para a introdução de narrativas e valores cristãos.
A tendência de misturar a realidade com a fantasia é um traço da modernidade, como a escola de samba vencedora acabou de provar, e não é infantil, é adulta. É o adulto que tem a malícia de encontrar em histórias desse tipo coisas como mecanismos de repressão ou de liberação sexual (sim, porque os freudianos e os cristãos dizem coisas completamente opostas sobre o mesmo fenômeno) ou estratégias maléficas de opressão capitalista.
Dependendo da faixa etária, a criança é bastante realista. Por mais que ela seja imaginativa, em condições normais, não vai procurar o lobo mau em baixo da cama. Mas tudo, é claro, depende da forma como se conta a história (o que implica, repito, na capacidade prévia de leitura e interpretação do adulto). Se é para meter medo na criança a fim de controlá-la melhor, fazendo-a acreditar no bicho-papão ou na mula-sem-cabeça e outras figuras que povoam nosso imaginário folclórico nacional, é claro que ela vai ter pesadelos. Mas isso não é problema da história e sim, do adulto por trás da história e de seu imaginário corrompido.
Enfim, a Bíblia diz que não é o que entra no coração do homem o que o corrompe, mas o que sai de lá. Então, vamos cuidar para não jogar bebês, junto com a água do banho no que diz respeito aos contos de fada e vamos “considerar tudo e reter o que é bom”.
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É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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