Opinião
- 30 de setembro de 2016
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A igreja educadora e a Grande Comissão
Em uma pesquisa realizada pelo Prof. Rubens Múzio e publicada no livro Revolução Silenciosa II1 (Ed. Palavra), constatei duas coisas: a presença de uma percepção da importância do ensino, mas a ausência de uma visão para a educação mais ampla da parte de pastores e líderes das igrejas da cidade de Londrina, no Paraná.
Esse fato eu atribuo à falta de conhecimento sobre o conceito de educação e seus correlatos, o ensino, a aprendizagem e a didática, da parte dos entrevistados. E isso é grave, se levarmos em conta a chamada Grande Comissão, em que Jesus faz um claro apelo à educação:
“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do pai, e do filho, e do espírito santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.19-20).
E a educação tem a ver com o discipulado, para além do ensino. Mas muito poucos se dão conta da diferença entre educação e ensino, reduzindo a primeira ao segundo. É preciso entender as duas coisas para estabelecer a distinção.
O “ensinar”, no grego didaskontes, tem a mesma raiz que a nossa palavra didática, que é a arte de ensinar e é uma das disciplinas do campo das ciências humanas, chamada de educação ou pedagogia. No versículo citado, ele está no particípio, ou seja, é uma ação contínua, realizada ao longo do contexto maior do discipulado.
Na língua portuguesa, en-sinar significa “assinalar”, “marcar”, “dentro” de alguém ou “imprimir”, ou seja, incutir saber, através da transmissão de sinais que ele possa decifrar. Uma analogia possível ao ensino, nesse sentido, seria a transmissão de ondas para a sintonia de uma estação de rádio, e assim é que muitas pessoas, principalmente na igreja o entendem. Prova disso é que, no senso comum, “ensinar” muitas vezes é definido como “transmitir conhecimentos”. Outra imagem muito comum que se usa nessa linha de compreensão do que seja ensinar é a da massa de modelar. O professor seria aquele que “molda” a mente do aluno, de acordo com o que programou lhe “passar”.
O limite dessa analogia e dessa imagem é que pressupõe a completa passividade da pessoa que é ensinada. Anos de estudos na área da educação têm apontado para a limitação dessa abordagem, levando em conta que não se pode dizer que houve ensino, se não houve aprendizagem, que é um processo, por sua vez, altamente ativo e autônomo. Trata-se de uma ação insubstituível. Não se pode aprender por alguém, da mesma forma que não se pode comer, respirar, ou conceber um filho ou o saber por alguém.
E aprender, por sua vez, vem de apreender, que é agarrar algo com as próprias mãos. Então, ao contrário do que revela a prática de muitos encarregados do ensino nas igrejas, para ensinar não basta descarregar teorias e doutrinas sobre os indivíduos passivos. É preciso interagir com eles e estabelecer uma relação de mediação do saber, em que o aluno ou educando seja tratado como um sujeito, e não um objeto passivo.
Assim, ensinar alguém não envolve apenas passar-lhe conhecimentos, mas toda uma visão educacional da pessoa como ser humano dotado de subjetividade, identidade e vontade própria.
Nesse sentido, a palavra “educação” é mais abrangente do que ensino e tem mais a ver com cultura e formação (no sentido do alemão Bildung) e com a doutrina (paideia). Ela vem do latim educere, que significa literalmente “colocar para fora o ser” da pessoa.
A educação preocupa-se, portanto, com o todo da formação do ser humano, que envolve uma doutrina, um ensinamento, mas não no sentido de doutrinação, pois inclui um aspecto ativo. E foi essa a tarefa que Cristo mesmo nos deixou na sua Grande Comissão. Ele mesmo, que foi o Mestre dos mestres, o Educador dos educadores nos deu o exemplo de como fazer isso, através do seu estilo relacional, amoroso e holístico de educar, jamais caindo na doutrinação, os seus discípulos e todos aqueles que o rodeavam.
Infelizmente, pode-se contar nos dedos os líderes e pastores que têm esse conceito amplo de educação em mente quando estabelecem objetivos para os seus ministérios de ensino.
Por isso é que eu defendo mais do que uma Igreja Ensinadora, uma Igreja Educadora, que seja capaz de fazer discípulos de todas as nações para a construção e glória do Seu Reino.
Nota:
Na continuação do livro, Revolução Silenciosa III, eu faço uma proposta concreta de como traduzir essa visão educacional em práticas educativas na igreja, por meio da literatura.
Foto: Peter Hershey / Unsplash
Esse fato eu atribuo à falta de conhecimento sobre o conceito de educação e seus correlatos, o ensino, a aprendizagem e a didática, da parte dos entrevistados. E isso é grave, se levarmos em conta a chamada Grande Comissão, em que Jesus faz um claro apelo à educação:
“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do pai, e do filho, e do espírito santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.19-20).
E a educação tem a ver com o discipulado, para além do ensino. Mas muito poucos se dão conta da diferença entre educação e ensino, reduzindo a primeira ao segundo. É preciso entender as duas coisas para estabelecer a distinção.
O “ensinar”, no grego didaskontes, tem a mesma raiz que a nossa palavra didática, que é a arte de ensinar e é uma das disciplinas do campo das ciências humanas, chamada de educação ou pedagogia. No versículo citado, ele está no particípio, ou seja, é uma ação contínua, realizada ao longo do contexto maior do discipulado.
Na língua portuguesa, en-sinar significa “assinalar”, “marcar”, “dentro” de alguém ou “imprimir”, ou seja, incutir saber, através da transmissão de sinais que ele possa decifrar. Uma analogia possível ao ensino, nesse sentido, seria a transmissão de ondas para a sintonia de uma estação de rádio, e assim é que muitas pessoas, principalmente na igreja o entendem. Prova disso é que, no senso comum, “ensinar” muitas vezes é definido como “transmitir conhecimentos”. Outra imagem muito comum que se usa nessa linha de compreensão do que seja ensinar é a da massa de modelar. O professor seria aquele que “molda” a mente do aluno, de acordo com o que programou lhe “passar”.
O limite dessa analogia e dessa imagem é que pressupõe a completa passividade da pessoa que é ensinada. Anos de estudos na área da educação têm apontado para a limitação dessa abordagem, levando em conta que não se pode dizer que houve ensino, se não houve aprendizagem, que é um processo, por sua vez, altamente ativo e autônomo. Trata-se de uma ação insubstituível. Não se pode aprender por alguém, da mesma forma que não se pode comer, respirar, ou conceber um filho ou o saber por alguém.
E aprender, por sua vez, vem de apreender, que é agarrar algo com as próprias mãos. Então, ao contrário do que revela a prática de muitos encarregados do ensino nas igrejas, para ensinar não basta descarregar teorias e doutrinas sobre os indivíduos passivos. É preciso interagir com eles e estabelecer uma relação de mediação do saber, em que o aluno ou educando seja tratado como um sujeito, e não um objeto passivo.
Assim, ensinar alguém não envolve apenas passar-lhe conhecimentos, mas toda uma visão educacional da pessoa como ser humano dotado de subjetividade, identidade e vontade própria.
Nesse sentido, a palavra “educação” é mais abrangente do que ensino e tem mais a ver com cultura e formação (no sentido do alemão Bildung) e com a doutrina (paideia). Ela vem do latim educere, que significa literalmente “colocar para fora o ser” da pessoa.
A educação preocupa-se, portanto, com o todo da formação do ser humano, que envolve uma doutrina, um ensinamento, mas não no sentido de doutrinação, pois inclui um aspecto ativo. E foi essa a tarefa que Cristo mesmo nos deixou na sua Grande Comissão. Ele mesmo, que foi o Mestre dos mestres, o Educador dos educadores nos deu o exemplo de como fazer isso, através do seu estilo relacional, amoroso e holístico de educar, jamais caindo na doutrinação, os seus discípulos e todos aqueles que o rodeavam.
Infelizmente, pode-se contar nos dedos os líderes e pastores que têm esse conceito amplo de educação em mente quando estabelecem objetivos para os seus ministérios de ensino.
Por isso é que eu defendo mais do que uma Igreja Ensinadora, uma Igreja Educadora, que seja capaz de fazer discípulos de todas as nações para a construção e glória do Seu Reino.
Nota:
Na continuação do livro, Revolução Silenciosa III, eu faço uma proposta concreta de como traduzir essa visão educacional em práticas educativas na igreja, por meio da literatura.
Foto: Peter Hershey / Unsplash
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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