Opinião
- 28 de dezembro de 2017
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A cura do orgulho e o sossego no Senhor
Por Jonathan Simões Freitas
O tema deste pequeno salmo é a postura da alma. Seu porte, sua atitude, seu sentimento, seu ânimo. Os dois primeiros versos contrastam duas posturas pessoais: uma negada, outra afirmada. Por fim, o último versículo exorta à postura correta.
A postura negada: procurar se elevar
Os termos utilizados no primeiro verso remetem à imagem de altura, grandeza: “elevar”, “levantar”, “grandes”. Essa imagem, por sua vez, está associada à maravilhamento – Deus, por exemplo, é louvado como “Altíssimo” e “grandioso” em diversos textos. Portanto, a postura negada é a de querer ser maior e, assim, mais admirado – o que corresponderia a um “coração soberbo” e “olho altivo”.
A questão-chave, nesse contexto, é: “maior em relação a quem?”. Para o salmista, o parâmetro de referência é quem se é: “para mim”. Ou seja, não quem os outros são, pois este tipo de comparação produz orgulho ou inveja. A postura negada é procurar ser quem você não é. Como Paulo disse: “Porque, se quiser gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isto, para que ninguém cuide de mim [pense a meu respeito] mais do que em mim vê ou de mim ouve” (1Co 12.6). Em outras palavras: “não quero parecer quem eu não sou de fato”.
>> Lendo os Salmos <<
O sentimento do salmista não é de comodismo consigo mesmo; o título do salmo indica autoria do engajado rei Davi. Antes, a atitude que o inspira é de auto-rebaixamento, humilhação – ou, mais precisamente, “humildade”. Como ele próprio disse em outra passagem, “me rebaixarei ainda mais, e me humilharei aos meus próprios olhos” (2Sm 6.22a).
Isso não significa tentar ser menor do que quem você é; quem escreve o salmo é o glorioso rei de Israel. Pelo contrário, significa se fazer menor para com os outros – ou, para usar uma antítese, “o maior servo”. Davi, sendo rei, demonstra, nesse salmo, “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo (…)” (Fp 2.5-8).
As dádivas de Deus
Um capítulo que lembra muito essa mensagem é Romanos 12. No versículo 16, Paulo diz: “sede unânimes entre vós [tenham uma mesma atitude uns para com os outros]; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos [aos seus próprios olhos]”. Sendo que, no verso 3, o apóstolo já tinha dito: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”. Em outra tradução: “Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado”.
O contexto aqui é o dos “dons”, que também podem ser vistos como o “lugar” , que nos são dados (!) por Deus no corpo de Cristo. Esse cenário alinha-se perfeitamente com a aplicação desse princípio feita por Paulo a si mesmo em 1Co 4.6–7: “E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro. Pois, quem torna você diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?”. Portanto, para o apóstolo, o que cura o orgulho é um senso claro da dádiva.
>> Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas <<
Ainda para os coríntios, ele reafirma: “Porque não ousamos [temos a pretensão de] classificar-nos, ou comparar-nos com alguns, que se louvam [recomendam] a si mesmos; mas estes que se medem a si mesmos, e se comparam consigo mesmos [para se louvarem/recomendarem], estão sem entendimento. Porém, não nos gloriamos fora da medida [limite], mas conforme a reta medida que Deus nos deu [a esfera de ação que Deus nos confiou], para chegarmos até vós; Porque não nos estendemos além do que convém (…). Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva [recomenda], mas, sim, aquele a quem o Senhor louva [recomenda]” (2Co 10.12–18). Nesse sentido, o que conta não é a quantidade relativa de dons que você tem, mas ser um mordomo fiel no “lugar” que Deus confiou a você – como na famosa parábola dos talentos.
A postura afirmada: sossegar no Senhor
Em contraposição à postura da alma, de procurar se elevar, o segundo verso aponta o sossego no Senhor como a atitude apropriada do coração. Mais que isso, esse versículo associa o sossegar a uma verdadeira humildade. Afinal, o modelo dado para essa postura é o da criança recém-nascida – o ser humano mais baixinho, “pequenino”, não altivo nem grandioso (como Davi, autor do salmo e o caçulinha da sua família).
Essa forma de ver a questão faz lembrar algumas palavras do próprio Jesus, como quando respondeu aos discípulos: “Quem é o maior no reino dos céus? Aqueles que se tornam humildes como uma criança!” (cf. Mt 18.1-15). De fato, ele os encorajou nesse sentido: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas (...)” (Mt 11.28-30).
Encontre o que procura
Além de humildade, satisfação e contentamento também estão associados ao sossego no Senhor. O salmista especifica a criança-modelo como aquela “recém-amamentada”. Ou seja, aquela satisfeita com o leite materno que acabou de saciá-la.
Definitivamente, essa não é a postura de alma típica da nossa cultura. Como os Rolling Stones gritam por décadas (aludindo a Ec 12.1b?): I can’t get no satisfaction! Ou, como o U2 expressou tão claramente o sentimento de muitos: I still haven´t found what I´m looking for.
A criança do salmo 131, pelo contrário, ficou satisfeita; encontrou o que estava buscando. E o fez no peito de sua mãe — o que aponta para um descanso confiante: “minha mãe é bondosa; cuida de mim”.
>> Cuide das Raízes, Espere pelos Frutos <<
Um exemplo que ecoa a convocação de outro salmo: “Retorne ao seu descanso, ó minha alma, porque o Senhor tem sido bom para você!” (Sl 116.7). De fato, esse é um chamado ressonante com o alvo cristão do contentamento no Senhor: “(…) já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece.” (Fp 4.11b-13).
Alguém contente assim recebe as circunstâncias, pela fé, como perfeitas ordenanças de Deus para a vida (cf. Jó 1.21) - ainda que muitas vezes incompreensíveis. Se circunstâncias boas: como uma graça, uma dádiva, um presente. Se más: como um lembrete (gracioso!) de que não somos Deus.
Com expectativa, mas sem desespero
Assim, o último verso do salmo exorta os filhos de Deus ao cultivo do sossego no Senhor. “Espere no Senhor”; sossegue no Senhor. Com expectativa, mas sem desespero; com atividade, mas sem inquietude; com ânsia, mas sem ansiedade. Como a corça e a terra seca anseiam pela água , que sempre vem (Sl 42.1–2; 63.1). O Senhor é o seu bom pastor, que cuida de você (Sl 23)!
>> Livres da Tirania da Urgência <<
Por isso: “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite espiritual puro, para que por meio dele cresçam para a salvação; se é que já provastes que o Senhor é benigno” (1Pe 2.2–3).
“Israel”, filhos, crianças do Senhor: “espere no Senhor”, cultivando o contentamento nele, “desde agora e para sempre”. Amém!
Nota: Publicado originalmente em medium.com/@jonathansf.bra.
• Jonathan Simões Freitas é graduado em Engenharia de Produção e doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, com período sanduíche na École des Hautes Études Commerciales (HEC), em Montreal, Canadá. É co-autor do livro "Roadmapping: uma abordagem estratégica para o gerenciamento da inovação em produtos, serviços e tecnologias” (Campus-Elsevier) e o gerente geral e coordenador de pesquisa da ABC2 (Associação Brasileira Cristãos na Ciência).
1 Senhor, o meu coração não se elevou nem os meus olhos se levantaram; não me exercito em grandes matérias, nem em coisas muito elevadas para mim.
2 Certamente que me tenho portado e sossegado como uma criança desmamada de sua mãe; a minha alma está como uma criança desmamada.
3 Espere Israel no Senhor, desde agora e para sempre.
Salmo 131
2 Certamente que me tenho portado e sossegado como uma criança desmamada de sua mãe; a minha alma está como uma criança desmamada.
3 Espere Israel no Senhor, desde agora e para sempre.
Salmo 131
O tema deste pequeno salmo é a postura da alma. Seu porte, sua atitude, seu sentimento, seu ânimo. Os dois primeiros versos contrastam duas posturas pessoais: uma negada, outra afirmada. Por fim, o último versículo exorta à postura correta.
A postura negada: procurar se elevar
Os termos utilizados no primeiro verso remetem à imagem de altura, grandeza: “elevar”, “levantar”, “grandes”. Essa imagem, por sua vez, está associada à maravilhamento – Deus, por exemplo, é louvado como “Altíssimo” e “grandioso” em diversos textos. Portanto, a postura negada é a de querer ser maior e, assim, mais admirado – o que corresponderia a um “coração soberbo” e “olho altivo”.
A questão-chave, nesse contexto, é: “maior em relação a quem?”. Para o salmista, o parâmetro de referência é quem se é: “para mim”. Ou seja, não quem os outros são, pois este tipo de comparação produz orgulho ou inveja. A postura negada é procurar ser quem você não é. Como Paulo disse: “Porque, se quiser gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isto, para que ninguém cuide de mim [pense a meu respeito] mais do que em mim vê ou de mim ouve” (1Co 12.6). Em outras palavras: “não quero parecer quem eu não sou de fato”.
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O sentimento do salmista não é de comodismo consigo mesmo; o título do salmo indica autoria do engajado rei Davi. Antes, a atitude que o inspira é de auto-rebaixamento, humilhação – ou, mais precisamente, “humildade”. Como ele próprio disse em outra passagem, “me rebaixarei ainda mais, e me humilharei aos meus próprios olhos” (2Sm 6.22a).
Isso não significa tentar ser menor do que quem você é; quem escreve o salmo é o glorioso rei de Israel. Pelo contrário, significa se fazer menor para com os outros – ou, para usar uma antítese, “o maior servo”. Davi, sendo rei, demonstra, nesse salmo, “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo (…)” (Fp 2.5-8).
As dádivas de Deus
Um capítulo que lembra muito essa mensagem é Romanos 12. No versículo 16, Paulo diz: “sede unânimes entre vós [tenham uma mesma atitude uns para com os outros]; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos [aos seus próprios olhos]”. Sendo que, no verso 3, o apóstolo já tinha dito: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”. Em outra tradução: “Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado”.
O contexto aqui é o dos “dons”, que também podem ser vistos como o “lugar” , que nos são dados (!) por Deus no corpo de Cristo. Esse cenário alinha-se perfeitamente com a aplicação desse princípio feita por Paulo a si mesmo em 1Co 4.6–7: “E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro. Pois, quem torna você diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?”. Portanto, para o apóstolo, o que cura o orgulho é um senso claro da dádiva.
>> Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas <<
Ainda para os coríntios, ele reafirma: “Porque não ousamos [temos a pretensão de] classificar-nos, ou comparar-nos com alguns, que se louvam [recomendam] a si mesmos; mas estes que se medem a si mesmos, e se comparam consigo mesmos [para se louvarem/recomendarem], estão sem entendimento. Porém, não nos gloriamos fora da medida [limite], mas conforme a reta medida que Deus nos deu [a esfera de ação que Deus nos confiou], para chegarmos até vós; Porque não nos estendemos além do que convém (…). Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva [recomenda], mas, sim, aquele a quem o Senhor louva [recomenda]” (2Co 10.12–18). Nesse sentido, o que conta não é a quantidade relativa de dons que você tem, mas ser um mordomo fiel no “lugar” que Deus confiou a você – como na famosa parábola dos talentos.
A postura afirmada: sossegar no Senhor
Em contraposição à postura da alma, de procurar se elevar, o segundo verso aponta o sossego no Senhor como a atitude apropriada do coração. Mais que isso, esse versículo associa o sossegar a uma verdadeira humildade. Afinal, o modelo dado para essa postura é o da criança recém-nascida – o ser humano mais baixinho, “pequenino”, não altivo nem grandioso (como Davi, autor do salmo e o caçulinha da sua família).
Essa forma de ver a questão faz lembrar algumas palavras do próprio Jesus, como quando respondeu aos discípulos: “Quem é o maior no reino dos céus? Aqueles que se tornam humildes como uma criança!” (cf. Mt 18.1-15). De fato, ele os encorajou nesse sentido: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas (...)” (Mt 11.28-30).
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Além de humildade, satisfação e contentamento também estão associados ao sossego no Senhor. O salmista especifica a criança-modelo como aquela “recém-amamentada”. Ou seja, aquela satisfeita com o leite materno que acabou de saciá-la.
Definitivamente, essa não é a postura de alma típica da nossa cultura. Como os Rolling Stones gritam por décadas (aludindo a Ec 12.1b?): I can’t get no satisfaction! Ou, como o U2 expressou tão claramente o sentimento de muitos: I still haven´t found what I´m looking for.
A criança do salmo 131, pelo contrário, ficou satisfeita; encontrou o que estava buscando. E o fez no peito de sua mãe — o que aponta para um descanso confiante: “minha mãe é bondosa; cuida de mim”.
>> Cuide das Raízes, Espere pelos Frutos <<
Um exemplo que ecoa a convocação de outro salmo: “Retorne ao seu descanso, ó minha alma, porque o Senhor tem sido bom para você!” (Sl 116.7). De fato, esse é um chamado ressonante com o alvo cristão do contentamento no Senhor: “(…) já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece.” (Fp 4.11b-13).
Alguém contente assim recebe as circunstâncias, pela fé, como perfeitas ordenanças de Deus para a vida (cf. Jó 1.21) - ainda que muitas vezes incompreensíveis. Se circunstâncias boas: como uma graça, uma dádiva, um presente. Se más: como um lembrete (gracioso!) de que não somos Deus.
Com expectativa, mas sem desespero
Assim, o último verso do salmo exorta os filhos de Deus ao cultivo do sossego no Senhor. “Espere no Senhor”; sossegue no Senhor. Com expectativa, mas sem desespero; com atividade, mas sem inquietude; com ânsia, mas sem ansiedade. Como a corça e a terra seca anseiam pela água , que sempre vem (Sl 42.1–2; 63.1). O Senhor é o seu bom pastor, que cuida de você (Sl 23)!
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Por isso: “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite espiritual puro, para que por meio dele cresçam para a salvação; se é que já provastes que o Senhor é benigno” (1Pe 2.2–3).
“Israel”, filhos, crianças do Senhor: “espere no Senhor”, cultivando o contentamento nele, “desde agora e para sempre”. Amém!
Nota: Publicado originalmente em medium.com/@jonathansf.bra.
• Jonathan Simões Freitas é graduado em Engenharia de Produção e doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, com período sanduíche na École des Hautes Études Commerciales (HEC), em Montreal, Canadá. É co-autor do livro "Roadmapping: uma abordagem estratégica para o gerenciamento da inovação em produtos, serviços e tecnologias” (Campus-Elsevier) e o gerente geral e coordenador de pesquisa da ABC2 (Associação Brasileira Cristãos na Ciência).
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