Opinião
- 06 de janeiro de 2021
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2020: o ano em que vivemos polarizados
Por Carlos “Catito” Grzybowski
A ciência ocidental, construída a partir do Iluminismo, tem dificuldade de conceber o ser humano como inserido em uma rede relacional que constantemente transforma e é transformada com cada movimento dos elementos que compõem a mesma. Rajagopalan1 afirma que “a lógica do Iluminismo era uma lógica centrada no indivíduo, na potencialidade desse indivíduo de auto-emancipação pelo exercício da razão”.
Desta forma a relação interpessoal e outros sistemas complexos não são valorizados e não são considerados como objeto de estudo. Para Bateson2, desde cedo as escolas ensinam as crianças que “a maneira de se definir uma coisa é pelo que ela supostamente é em si mesma, e não através de sua relação com outras coisas”.
Para Vasconcellos3: “Ao se lidar com problemas complexos, por meio do método de análise em partes, eles são submetidos a uma simplificação: admite-se que as supostas forças estão interagindo aos pares. Concebem-se os sistemas, neste caso, como agregados mecanicísticos de partes em relações causais isoladas umas das outras”.
É a partir dessas três premissas que desejo fazer uma breve reflexão sobre o ano que passou.
O ano de 2020 nos trouxe o inesperado! A pandemia nos roubou todas as certezas e os pseudocontroles que nos asseguravam a continuidade da existência. Nossos ritmos foram quebrados, alterados e a liberdade ficou limitada, acrescentando uma sensação de insegurança.
Vislumbramos, então, emergir duas atitudes distintas.
Por um lado, aqueles que procuraram minimizar ao máximo os efeitos do vírus, preocupando-se prioritariamente em como as estruturas econômicas estavam sendo afetadas e quais seriam as consequências em médio prazo para a geração de riqueza e continuidade saudável do mundo do capital. Surgem nesse grupo os radicais com as teorias conspiratórias de uma Nova Ordem Mundial, que vão desde as fantasias sobre a tecnologia 5G, até o implante de microchips através das vacinas – tudo para um controle tirânico das mentes incautas.
Por outro lado, estão os que se preocuparam prioritariamente com a manutenção vida, chegando, em alguns casos, a extremos de ansiedade, com fantasias de contaminação em toda parte e a reclusão auto imposta, satanizando os discordantes e atribuindo o fracasso do controle da pandemia às estruturas políticas perversas preocupadas com o capital.
Esses grupos se digladiaram ao longo do ano em inúmeros temas, como liberdades individuais, o que seriam serviços essenciais, economia mais aberta ou fechada, credibilidade ou não na ciência, etc. E estamos todos aqui, ao final de 2020 e início de 2021, a maioria de nós esgotados com as novas realidades que tivemos que nos adaptar – o “novo normal” – e ainda querendo prevalecer sobre o que pensa diferente.
Supõe-se, como afirma Vasconcellos acima, que estas forças estão agindo aos pares. Todavia, já há algum tempo aprendi com o Dr. Carlos Hernandez que o binário é limitado e perverso e o trinitário é o que gera vida – é relacional! Há sempre um terceiro elemento no sistema!
O elemento que supera a tensão entre dois pólos é o NOVO que não se esgota em nenhum dos pólos, antes os inclui e ultrapassa: a manifestação da VIDA no RELACIONAL!
Os que se preocupam com a economia falam dela sempre da perspectiva do capital e do crescimento econômico, mas jamais cogitam que a solidariedade, a partilha e o não reter para si levariam a sociedade a um novo patamar de desenvolvimento – longe do modelo liberal estruturado sobre a ideologia do darwinismo social e a ética gersoniana da vantagem pessoal.
Os que se preocupam com a vida igualmente falam de forma autorreferenciada, não pensando que existem aqueles que não têm a opção de resguardar-se: afinal alguém está no campo produzindo alimentos, alguém está na indústria processando alimentos e outros itens essenciais, alguém está se movendo para conectar a produção com o consumo, etc. Sim, a vida de alguém sempre está em exposição e risco: e a esses, que opção de ‘isolamento social’ se lhes é dada? Será que em algum momento cogitamos consumir menos (de tudo)? Fazer jejuns prolongados e/ou outros autossacrifícios que ajudariam a reduzir ainda mais o risco para os que não têm a opção de não arriscar-se?
A via que elimina a polarização entre o econômico e a preservação individual passa pelo relacional, quando passo a pensar PRIORITARIAMENTE no OUTRO, com a disposição de sacrificar-me em prol do coletivo.
“Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (1 João 3:17)4
• Carlos “Catito” Grzybowski é psicólogo e terapeuta familiar, coordenador de EIRENE do Brasil. É autor de Acontece nas Melhores Famílias, Como se Livrar de um Mau Casamento, Macho e Fêmea os Criou, Pais Santos, Filhos Nem Tanto, entre outros.
NOTAS
1. RAJAGOPALAN, Kanavillil (1999). Os caminhos da pragmática no Brasil, DELTA, vol. 15, nº especial, p. 323-338.
2. BATESON, Gregory (1987). Mente e natureza a unidade necessária, tradução de Claudia Gerpe. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
3. VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Terapia familiar sistêmica: bases cibernéticas. Campinas: Editorial Psy, 1995, p. 39.
4 BÍBLIA. Português. Nova versão internacional. Traduzida pela Comissão de Tradução da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000.
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