Às costas de Deus

Tweetar

"Havendo eu tirado minha mão, me verás pelas costas; mas minha face não se verá" (Ex 33;23).

O texto supra encerra curiosidade devido sua abrangência, pelo que merece ponderação sobre as implicações. Moisés tem uma história singular em relação a Deus, visto tratar-se de um homem com quem o Senhor falava face a face (Ex 33;11). Este privilégio despertou ousadia de fazer uma petição sem paralelo [ver Sua Glória]. Entretanto, se o Senhor atendesse esta oração o profeta seria fulminado (Ex 33;20).

Em resposta à sua petição disse-lhe o Senhor: "havendo Eu [tirado minha mão], me verás pelas costas". A expressão em destaque chama atenção para uma compreensão que permite avançar além do sentido literal, num vislumbre do que estava para acontecer em situação ulterior a Moisés e à dispensação da lei, devido ao engano religioso e orgulho espiritual.

No contexto, a "mão do Senhor" deve ser entendido como metáfora do Seu poder, pois, estar nas mãos de alguém implica sob domínio, governo ou autoridade. Gênesis 9;2 diz que todos os seres vivos foram entregues na mão do homem, ou seja ao seu domínio. No livro de Jó o Senhor diz a Satanás: "Eis que ele [Jó] está na tua mão; poupa porém sua vida" (Jó 2;6).

Portanto, a "mão" no sentido aqui abordado refere-se ao poder de Deus, conforme é empregado nas escrituras: "Para que todos os povos conheçam a mão (poder) do Senhor, que é forte" (Josué 4;24) Moisés também usa o termo com o mesmo sentido: "Lembrai-vos deste dia, em que saístes do Egito, da casa da servidão; pois com mão forte [poder], o Senhor vos tirou daqui (Ex 13;3).

Israel esperava que o Messias se manifestasse em glória, porém surgiu "sem aparência, nem formosura" fora dos padrões eclesiásticos da época, envolvido com publicanos, pecadores, doentes e desvalidos, calçando sandálias, cavalgando um jumento, e aclamado por uma multidão de "fanáticos" que gritava: "Bendito o Rei que vem em nome do Senhor; paz no céu, e glória nas alturas" (Lc 19;38).

Isso feriu o orgulho espiritual ofuscando o status da religião sedenta de honras e glórias. Destarte, não reconheceram tampouco receberam o Salvador. No contexto relata o apóstolo: "Veio para o que era seu, e os seus não o receberam" (Jo 1;11) e acrescenta, "o verbo se fez carne habitou entre nós; [vimos] sua glória como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1;14).

Não obstante o povo descontente com a forma da manifestação divina em humilhação "mudou a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível" (Rm 1;23). Por isso, o Senhor retirou-se do meio deles dizendo: "a partir de agora, de modo algum me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em Nome do Senhor!" (Mt 23;39). Ausentando-se deles, o Senhor foi visto pelas costas.

Em outra ocasião Filipe também pediu a Jesus para ver a face de Deus: "SENHOR , mostra-nos o Pai, e isso nos basta" (João 14;8) ora o Senhor respondeu "há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?" (Jo 14;9). Em Jesus está a glória visível do Deus invisível pois, escrito está que Jesus é "o resplendor da Sua glória, e a expressa imagem da Sua Pessoa" (Hb 1;3).

Em contrapartida o salmista tinha outra expectativa sobre a "face" de Deus: "Quanto a mim, contemplarei [tua face na justiça]; e satisfarei-me da tua semelhança quando acordar. (Sl 17;15).
No contexto de Israel o messias foi tirado, conforme predito pelo profeta Daniel (Dn 9;26) e também o templo ficando os judeus no muro das lamentações (na fenda da rocha) cultuando ao Deus que deles se ausentou. No lugar do templo hoje existe a mesquita muçulmana, de onde os fiéis oram ao seu deus, voltados para Meca de costas para Jerusalém, e para o Deus Eterno; destarte, contemplam as costas (ausência) de Deus.

Portanto, o que fora dito a Moisés é manifesto no contexto atual, ou seja: Deus retirou sua "mão" quando Cristo foi rejeitado, e assim os Hebreus olham para O Eterno pelas costas. Em outras palavras, implica que tendo divinizado a religião, os ritos e as tradições não sobrou lugar para Deus, de maneira que "olhar" para Aquele que deles se ausentou temporariamente, por ter sido rejeitado implica contemplar, como Icabode (na ausência) (1 Sm 4;21,22).

Por outro prisma, é coerente considerar que qualquer que cultua deus estranho em lugar do Verdadeiro está condenado contemplar o Senhor pelas costas. Um exemplo típico encontra-se na palavra que diz: "Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras" (Tt 1;16).

Por fim, quem permanece no pecado cultua o deus deste século, mesmo que seja nos moldes cibernéticos, epistemológicos, sob disfarce religioso etc. E qualquer que desfruta das bênçãos da criação de Deus, sem o devido reconhecimento e gratidão permanece igualmente às costas do Criador, e de costas para ele.

Tweetar

Opinião do leitor