Andanças de um pródigo

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"Todo mundo é pródigo" Gerson Borges. Andei muito. No início estava saltitante, quase corria. Até meus cadarços desamarraram e permaneceram desamarrados. Pressa. Não queria me prender com nada que pudesse tirar a atenção. O sorriso era incontido. Os pensamentos divagavam enquanto a face esboçava contornos de leveza, de realização e de prazer... Um sorriso no canto indicava um coração alegre. Nos lábios uma canção: "Quero ir embora daqui / não vou me despedir de ninguém... / Se alguém perguntar por mim / não dê nenhuma explicação."

As andanças já se prolongavam durante alguns dias. Caminhos longos, caminhos de terra, caminhos por rios, caminhos por casas de vilarejos, por prédios já na cidade. Ah, a cidade... Enfim cheguei.

"A cidade da minha ilusão" Gerson Borges

Noites viradas. Jogos jogados. Garrafas de bebidas deitadas ao chão e copos meio cheios na manhã indicavam a noite de boêmia percorrida por mim. As andanças agora eram com os amigos que me levavam e me apresentavam os melhores pontos da cidade. Era assaltado por diversas companhias... Hum, e as mulheres. Todas me queriam... Todos me queriam. Todos exceto eu mesmo que há meses não me lembrava de me olhar no espelho... A música era boa. Ochênte se era. Mas peraí que já ouço as rimas do povo de novo: "Quando eu cheguei nesta terra / Era tudo tão novo (...) Não se passava um dia / Sem um agito bacana."

Andanças pra lá e pra cá. Perdi-me olhando para a cidade. Da janela. Sentimento estranho... Foi neste momento que percebi o que estava acontecendo. Meus pensamentos tentavam se esgueirar de tudo aquilo, todo aquele sentimento. E a revolta foi se transformando em derrota. Enfim minha derrota...

Num instante pude sentir um gosto salgado em meus lábios que experimentavam o teor de fel de um filho ingrato. Para tentar conter tudo aquilo, liguei um rádio: "Longe de casa, longe de casa / Adoece o coração/ longe de casa / Só há solidão..."

Foi nesse momento que senti uma pontada e desatei a chorar enquanto era embalado por aquela canção que me permutava e me mostrava o meu verdadeiro lugar. E eu ali. Já sem mais nada, me iludindo naquela incerta morada, contentando-me com algumas bolotas dos porcos em troca de uma sobrevivência sem vida. — Não há vida na fuga. Disse em voz alta. — Para o Pai eu voltarei e direi: "Pai eu pequei / Contra o céu e contra ti / Já não pareço teu filho / toda a minha herança perdi / Quem sabe o Pai me receba como um servo ali / Mesmo que nem isto eu mereça / Já será melhor do que morrer aqui..."

Andanças da cidade, andanças das casas dos vilarejos, andanças por rios, caminhos de terra, caminhos longos. Longo caminho reflexivo. O caminho do retorno, da metanóia eu me encontrei e ali pude perceber o trapo em que virei. Então cantei: "Todo mundo é pródigo / não tem ninguém não / que não pense em ir embora um dia, partir."

Andanças e mais andanças já avistava bem ao longe aquele lugar nunca esquecido. O gosto solveu em minha memória, as cores das árvores, o mato, os bichos da fazenda, a fumaça alçando vôos para longe, lembrei-me de mim... Ah, a casa do Pai!

Ainda na curva do caminho, em minhas andanças, fui confrontado vendo o que não estava preparado para ver e encontrar. Sim, não poderia ser outro. Era meu Pai que já estava alguns metros de mim. Ele ofegante corria ao meu encontro. — FILHO AMADO! Eu o ouvia gritando. — FILHO MEU.

E ele me abraçou. Me beijou. O interrompi falando que não merecia ser seu filho. Queria ser um servo apenas, nada mais. Tinha pecado contra o céu e contra ele. Como filho, não dava mais...

Mas ele não parecia ouvir. E gritou para os empregados trazerem a melhor roupa, calçados, anel no dedo e quando dei por mim, já estava numa festa na casa do meu Pai. Ah, Pai... Estava sorrindo. Era tudo sorriso. Ele me perdoou. Mas como? Meu Pai. Não mereço. "Oh, miserável homem que sou?" (Rm 7) A música era intensa e o novilho estava maravilhoso. Vinhos, frutas frescas, a benção do meu lugar de filho. É o retorno que interessa. Venham sim, depressa, todos os pródigos da terra – eu pensava – enquanto a todos olhava e meus olhos enxugava, percebendo o que para trás deixara.

Todos já estavam quase dormindo e fui enfim me lavar. Ao entrar no banheiro, depois de tanto tempo, olhei-me. Sim, lá estava eu. Um pródigo. E como pude odiar aquele dia que meu irmão chegou?  falei em voz baixa olhando-me no espelho e vendo meus lábios mexendo. - Sou hipócrita porque sou pródigo sem sair de casa.

Eu era o irmão mais velho. Sou eu quem está contando a história do meu irmão mais novo. Contei pra você na primeira pessoa para te mostrar que a história dele é a minha. A única diferença é que não tive coragem de sair de casa... Afinal todo mundo é pródigo.

Crônica inspirada e em homenagem ao maravilhoso CD A volta do Filho Pródigo, de Gerson Borges.

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