Por Mateus Octávio

Há um misto de sentimentos dentro de mim. Este misto tem a ver com o que estive refletindo nestes últimos dias. “Qual o valor da vida? O que a faz valiosa? Aparenta ser como os vinhos que, conforme envelhecem, percebem-se cada vez mais preciosos?”.

Por isso construí um credo e desejo trilhá-lo a todo custo: a vida jamais deve ser valiosa, a ponto de não poder buscar o valor dela, ou mensurá-la cara demais. Não a posso tratar com tamanha estima para que pareça um troféu que deva ser erguido na estante. Mas que a considere o algo mais sem valor que possuo, ou que desfrute. Fazendo assim não viverei para mim, mas para o próximo, e assim, só assim, serei valioso: sendo inútil. Não foi de servos inúteis que Jesus nos mandou considerar quando fizéssemos tudo que nos pede?

Uma prova que sobreviveu à história e foi premiado Nobel da paz em 1952 chama-se Albert Schweitzer. Teólogo, filósofo, esmero musicista, concertista de órgão, especialistaem Bach. Ainda jovem era notado prodígio. Ótimo currículo como músico, literato, mestre, e pastor. Uma figura singularmente invejável. Aos trinta anos de idade deixou tudo para trás, mudou o rumo. Não considerando que sua vida ou reputação fosse preço demasiado caro, resolveu doá-la por completo. Decidiu estudar medicina e dedicar o resto de sua vida aos que sofriam.  Ele passaria seus últimos dias numa cidadezinha miserável no interior da África. De docente em Estrasburgo a um velho médico falecido numa cidadezinha do Gabão.

Vivemos numa realidade cruel e horrenda, de uma economia “rica” em um país que ainda tem características de colônia. A má distribuição de renda e o egocentrismo social marcam uma ferida nos oprimidos que se estanca a cada dia. Quem deixará de viver sua vida para fazer o outro não morrer?

Schweitzer entendeu o que disse Jesus: “somente perdendo a vida é que a ganhamos”. E ele a aproveitou e desfrutou perdendo-a. Somente considerando nossa vida inútil é que ela terá valia. Sendo inútil, útil.

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Mateus Octávio Alcantara de Souza tem 20 anos, é Bacharel em teologia e escreve no blog Meditações*

  1. Escreve Octávio, “Há um misto de sentimentos dentro de mim [jovem, 20 anos]. Este misto tem a ver com o que estive [Octávio] refletindo nestes últimos dias. “Qual o valor da vida? O que a faz valiosa? Aparenta [a vida] ser como os vinhos [Mat. 9:16-17] que, conforme envelhecem, percebem-se cada vez mais preciosos [os vinhos que envelhecem]?”

    Mateus 9:16 – “Ninguém coloca remendo de PANO NOVO em ROUPA VELHA, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura.” [explicado pelo próximo versículo]

    17 – “Nem se deita VINHO NOVO em ODRES VELHOS; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se VINHO NOVO em ODRES NOVOS, e assim ambos se conservam.”

    Assim, o vinho novo se coloca em ‘odres,’ espécie de saco feito de pele, para que os dois — o novo e o velho — cheguem juntos, ‘envelhecidos’. Diferente, claro da produção de vinho nos países ibéricos e outros lugares, onde o novo é colocado em barris de carvalho, que, quanto mais velhos, melhor melhora o vinho novo. Mas isso não vem ao caso aqui, posto que o Octávio vai fazer o paralelismo com outra coisa.
    A construção — “Qual o valor da vida? O que a faz valiosa? Aparenta ser como os vinhos que, conforme envelhecem, percebem-se cada vez mais preciosos?”.

    A meu juízo, ficaria assim: o valor da vida — o que a faz valiosa — é que, como o bom vinho, só envelhecendo que vai ficando cada vez mais valiosa.

    Ou assim: Se se fizer a escolha valiosa durante a vida jovem, à medida que ela envelhece, a beleza da escolha valiosa feita antes ficará cada vez melhor.
    Logo, casando as duas assertivas, faça-se a escolha certa a você terá acerto ao final da vida.

    E isso me parece casar com o próximo parágrafo que se segue em que estabelece, “Por isso [‘por isso’ é usado em conclusão de premissas] construí [Octávio] um credo [um ‘valor’] e desejo trilhá-lo [com a ‘vida’] a todo custo: a vida jamais deve ser valiosa, a ponto de não poder buscar o valor dela, ou mensurá-la cara demais [quer dizer, a ‘vida’ valeria até o seu sacrifício pelo ‘valor’]. Não a [a ‘vida’] posso tratar com tamanha estima para que pareça um troféu [o ‘valor’ definiria o sentido da vida] que deva ser erguido na estante [Octávio parece fazer um contraponto entre ‘vida’ e ‘valor’, destacando que ‘valor’ seria maior ou mais importante do que a própria vida]. Mas que [eu, Octávio] a [a ‘vida’] considere o algo mais sem valor que possuo [talvez ecoando ao apóstolo Paulo aqui], ou que desfrute. Fazendo assim não viverei para mim, mas para o próximo, e assim, só assim, serei valioso: sendo inútil. Não foi de servos inúteis que Jesus nos mandou considerar quando fizéssemos tudo que nos pede?” [agora, sim, entra Albert Schweitzer para ilustrar o ponto dele].

    1. Schweitzer veio de uma família alemã com longa tradição em religião, música e educação na família, de ambos os lados. Seu pai era pastor, e ele se tornou pastor, mas antes de tudo era músico. A medicina veio depois do pastorado, e muito tempo depois da música que antecedia aos dois (teologia e medicina) e que por sua vez, a música, que vinha de muitas gerações passadas, antes de teologia e medicina.

    2. “Aos trinta anos de idade deixou tudo para trás, mudou o rumo”. Em seu livro, “Out of My Life and Thought”, Schweitzer pinta um quadro um pouco diferente do que esse ‘deixar tudo para trás’.

    3. A rigor, se não fosse seus concertos musicais, dificilmente sua obra no Gabão teria prosperado. A decisão de ir para o campo missionário como médico tem mais a ver com sua reverência pela vida do que propriamente uma motivação teológica típica do missionário: não foi Jesus Cristo que o levou para conquistar almas, foi sua ‘reverência pela vida’. Jesus para Schweitzer era bastante ‘confuso’ quanto à sua pessoa e suas expectativas quanto ao Reino de Deus, e a bíblia para Schweitzer era totalmente um produto humano.

    4. Por outro lado, foi trabalho duro, dedicação, sacrifício de posição e riqueza nos meios artísticos. A decisão de ir para a África demorou cerca de 10 anos, não sendo da noite para o dia.

    Não seria eu, em hipótese alguma que modificaria a sua decisão pensar na relação ‘vida’ e ‘valor’. Pelo contrário, achei-a altamente bela e vibrante!

    A única observação que faria: a vida não guarda relação de causa e efeito, nem nexo causal com valor. Vida é para ser vivida, quaisquer que sejam os valores — assumindo, evidentemente, que estou pensando em valor, pequeno ou grande — e o valor ou os valores não podem qualificar a vida.

    Por outro viés, não se escolhe valores e se ‘domestica’ a vida para que se adeque a esses valores. A vida é muito maior.

    Gostei de seu artigo.

  2. Caro Eduardo
    Gostei de seu argumento no comentário, mas não vim aqui fazer bem um tréplica do que você disse, se assim o fizer estou indo contra o que creio (embora me sinta seriamente tentando a contra-argumentar). Mas quero (tentando não contra-argumentar) deixar claro que me senti atraído por uma ou duas das coisas do que disseste. Penso porém que o debate cristão não procura chegar a um consenso mas saber quem tem mais razão visto que as rixas que tinham por exemplo Lutero e Erasmo perduram até nossos dias. E eu, embora tenha gostado mesmo de seu argumento não me sinto tentado a aderi-lo (sem insinuar que esse era seu objetivo) e você certamente não o meu também.
    Mas obrigado por criticar, apareça mais vezes.

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