Coronavírus e o fim do nosso mundo: uma leitura providencial da cidade dos homens
Por Maurício Avoletta Júnior
“O mundo mudou, posso senti-lo na água, posso senti-lo na terra, posso senti-lo no ar, muito do que havia está perdido, pois nenhum dos que se lembra, está vivo” – O Senhor dos Anéis, a sociedade do anel.
De uns tempos para cá, parte do evangelicalismo brasileiro tem redescoberto as maravilhas da Tradição cristã. Dentre elas, algumas pessoas têm voltado a observar o calendário litúrgico. Segundo esse calendário, estamos passando pela Quaresma, que começou no dia 11 de março e irá até o dia 1 de abril. Esse tempo é tido como um momento de preparação para a Páscoa, que, junto do Natal, são as duas festas mais importantes do calendário cristão.
A Páscoa começou a ser celebrada pelos judeus como memorial da libertação dos cativeiros que o povo de Israel sofreu no Egito e na Babilônia. Com o início da era cristã, a Páscoa passou a celebrar a libertação da humanidade das garras da morte, ou seja, a ressurreição de Cristo.
Nos dias atuais, estamos vivendo uma situação interessante. Durante a Quaresma, um tempo em que, tradicionalmente, cultiva-se o silêncio, a contrição e o jejum, estamos passando por um momento de quarentena devido ao Coronavírus. Antes do vírus, nossa geração era conhecida como pouco amorosa, embora muito afetiva; uma geração de relacionamentos líquidos que se desfaziam com facilidade; que fugia de contatos físicos com todas as pessoas que não pudessem proporcionar alguma forma de prazer. Uma geração extremamente hiperativa, com muita dificuldade de entender a necessidade da vida contemplativa; que julga vagabundagem aqueles que se deliciam com os momentos de ócio; acusam de desocupado quem lê por prazer ou que gosta simplesmente de observar a paisagem do dia-a-dia.
Hoje, depois do vírus, nos vemos em uma situação um tanto cômica: a maioria das pessoas foram convocadas a viver a Quaresma. Estamos todos nos preparando para a sexta-feira de cinzas e para o domingo de Páscoa. No entanto, ao que tudo indica, a sexta-feira de cinzas, que já se aproxima, promete durar mais de três dias.
Nosso mundo secularizado está prestes a sentir um gostinho de um mundo sem Deus. Ele não se ausentará por completo, mas creio que nossa visão ficará um pouco embaçada com a tempestade que está por vir. Creio com todas as minhas forças que todos verão a ressurreição do domingo de Páscoa, mas, até lá, viveremos a Quaresma em jejum, silêncio e solitude.
Nossa cidade dos homens, que surge do nosso amor por nós mesmos e que resulta no desprezo de Deus, verá, forçadamente, o reflexo da cidade de Deus, que surge do nosso amor a Deus, e resulta no desprezo de nós mesmos. Ainda que por motivos egoístas, seremos forçados a nos manter isolados para que ninguém mais morra. Ainda que contra nossa vontade, seremos forçados a viver a real liberdade que consiste em controlar nossos impulsos e educar nossos amores.
Essa não é a primeira pandemia que a humanidade enfrentou e com certeza não será a última. Contudo, é nítido que o Coronavírus será um marco na história do mundo, assim como foram a peste negra, a gripe espanhola ou até mesmo, guardada as devidas proporções, a primeira guerra mundial. Todas essas catástrofes evidenciaram uma mudança drástica no mundo. A partir delas, mudanças políticas, culturais e até mesmo teológicas foram sentidas e, tenha certeza, não será diferente com o Coronavírus.
O mundo mudou e nós teremos de mudar com ele. No entanto, algo permanecerá do velho mundo para o novo mundo: a cruz. Ela permanecerá estática enquanto o mundo dá voltas. Independentemente de qual forem as próximas tragédias da humanidade, a esperança do domingo Páscoa sempre será a resposta definitiva.
- Maurício Avoletta Junior, 25 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.