“A crise tem ensinado o povo venezuelano a ser humilde e se voltar para Deus”
Cursar Teologia na Venezuela foi a direção que Rebeca Andrade recebeu. Mesmo diante da crise que já começava a se agravar no país, em agosto de 2016 ela partiu de Salvador (BA) para estudar no Seminário Batista da Venezuela, em Ciudad Guayana.
Apesar de já ter contato prévio com vários venezuelanos, Rebeca nunca havia se interessado pelo país. Mas Deus foi gerando nela um incômodo, pela necessidade de pessoas para trabalharem no na Venezuela, e foi abrindo as portas para que ela fosse até lá.
Com as discordâncias dos Estados Unidos em relação às políticas socialistas da Venezuela, que vinham desde o governo de Hugo Chávez, que faleceu em 2013, os acordos de venda de petróleo foram quebrados. Isso debilitou a economia do país, que possui a maior reserva petrolífera do mundo. Além disso, crises internas levaram a uma superinflação. Sem a verba da venda do petróleo, o governo do atual presidente Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, não consegue mais manter os benefícios oferecidos à população, acumulando agora grandes dívidas.
Escassez e inflação nos custos de alimentos, itens de higiene pessoal e medicamentos, crianças e adultos mortos por conta da desnutrição e da fome, além das mortes por falta de tratamento para doenças como câncer, AIDS e malária. Esses são alguns dos resultados da crise política que atinge a todos os setores da sociedade venezuelana.
Hoje, aos 21 anos, Rebeca experimenta os efeitos dessa crise, e conta pra gente como está a situação da população, e como é o contexto da igreja cristã na Venezuela:
Qual tem sido a reação da população venezuelana diante da crise?
A população está cansada e não vê uma melhora iminente. No período de um ano a inflação subiu numa escala que não conseguimos nem ter dimensão. Ano passado nesse mesmo mês o valor do dólar não chegava a 10 mil bolívares, agora ultrapassa os 200 mil. A vida aqui está praticamente impossível, e por isso muitos venezuelanos estão deixando seu país. Pessoas com diploma universitário, mestrado e doutorado estão preferindo trabalhar como vendedores ambulantes em países vizinhos (como Brasil e Colômbia) do que passar fome aqui, porque com o salário mínimo não se sobrevive nem uma semana. De fato, o salário atual paga no máximo 2 quilos de carne e um frango.
Qual a sua posição em relação ao Governo de Nicolas Maduro?
Nós sabemos que tudo o que está acontecendo é permissão de Deus. É muito triste de ver o sofrimento do povo, mas temos a certeza de que Ele tem um propósito para tudo isso. Não poderia dizer que sou a favor do governo, pois ele tem feito muito mal ao país, mas sei que a justiça de Deus é perfeita, e que no seu tempo esta situação irá mudar.
Você se sente livre para manifestar livremente sua crença religiosa ou opiniões políticas, sejam elas contra ou favor do governo?
A liberdade religiosa na Venezuela nos permite manifestar livremente nossas crenças, independente daquilo que acreditamos. Infelizmente não há tanta liberdade assim quando se trata de opinião política. Existe uma grande censura de parte do governo quanto a seus opositores, inclusive grandes emissoras internacionais já tiveram que deixar o país devido à falta de liberdade de imprensa.
Recentemente, inclusive, um brasileiro foi preso porque acreditavam que ele estava contra o governo, participando de manifestações. Por esse motivo procuro não me manifestar diretamente contra o governo, até porque esse não é e nunca foi meu propósito ao decidir vir morar aqui, mas sim ajudar as pessoas com a mensagem de esperança do evangelho que me alcançou.
Você conheceu pessoas que já foram advertidas ou punidas pelo Governo por expressarem suas opiniões?
Pessoalmente não conheço ninguém, mas além do caso desse brasileiro, que citei acima, recentemente o embaixador do Brasil foi expulso por manifestar ser a favor do grupo que faz oposição ao governo de Nicolás Maduro.
Defensores do governo de Nicolas Maduro acusam os opositores de desestabilizar o país e promoverem violência. Até que ponto isso é verdade?
De nenhuma maneira isso é verdade, o que eles buscam é manipular a pequena parte da população que ainda os apoia em fidelidade ao legado de Chávez. Sempre que a oposição se manifesta é de maneira pacífica, mas a resposta do governo não é igual. Durante as manifestações que ocorreram de março a junho do ano passado, muitos manifestantes (a maioria estudantes e professores) foram mortos ao protestar pacificamente contra o governo.
O que ocorre muito são roubos a supermercados e feiras, devido à falta de alimentos e por consequência do desespero do povo que está morrendo de fome. Esses atos não são de autoria de grupos da oposição, mas sim da população no geral.
O governo de Nicolas Maduro é uma ameaça à liberdade religiosa e à igreja na Venezuela?
Em minha opinião, não. Apesar das religiões de matriz africana serem as adotadas pelos principais governantes, há uma grande liberdade religiosa na Venezuela, e em grande parte por conta de Chávez, que deu liberdade as igrejas evangélicas enquanto ainda estava no poder.
Como a igreja venezuelana tem reagido diante da situação do país?
A igreja tem sofrido bastante, e os pastores ainda mais, pelo fato de não terem um salário e sobreviverem apenas de ofertas. O grande problema é que a igreja venezuelana, que foi iniciada por missionários estadunidenses que já vinham com seu sustento completo, não foi ensinada a manter seus pastores que hoje sofrem devido à crise. Mas o que podemos ver é que esse cenário está servindo para que a igreja venezuelana aprenda e se fortaleça. Mesmo com a crise piorando, a cada dia vemos mais pessoas voltando-se para Deus e se dispondo a deixar tudo e servi-lo.
Qual tem sido o papel das nações vizinhas nesse conflito? Os venezuelanos têm recebido algum tipo de ajuda estrangeira?
Os venezuelanos têm recebido acolhimentos de países da América do Sul, principalmente Chile, Peru, Brasil e Colômbia. O que tenho visto, no Brasil pelo menos, é que muitas oportunidades de emprego e de asilo político têm sido oferecidas aos venezuelanos devido a essa situação. Graças a Deus eles estão podendo receber um alento nesses novos lugares para os quais vão por necessidade, não por vontade.
Como a crise do país pode mudar a igreja venezuelana?
A crise tem ensinado o povo venezuelano a ser humilde e se voltar para Deus. Antes da crise a Venezuela já chegou a ser o país mais rico da América Latina. Sua moeda, o bolívar, já teve o mesmo valor que o dólar, e com isso o venezuelano podia ter tudo, e era muito orgulhoso e soberbo.
A crise os tem obrigado a se humilhar diante de Deus, a ver que nada do que podem possuir tem valor real. De certa forma, ela tem provocado uma grande mudança de caráter no povo, e mudado seus corações. A igreja tem aprendido a ter fé e a perseverar durante essa crise. Ela tem aprendido que sua alegria não pode depender das circunstâncias terrenas, mas de Deus.
Fotos: arquivo pessoal de Rebeca
Marcella
Que bênção, Rebeca! Que o Senhor continue te sustentando e fortalecendo no seu chamado. Continue compartilhando conosco!
robson santos sarmento
A situação ora vivenciado pelo povo da Venezuela, de forma alguma, pode ser estabelecido como uma permissão de Deus, porque, caso assim venhamos aceitar essa tese, então, chegamos a conclusão de decidirmos confiar num Criador inseguro e inclinado a violência. Não e não, lamentavelmente, as decisões do ser humano, tristemente, acabam por provocar tamanhas atrocidades e mazelas, tanto de ordem social quanto como espiritual.
Nathália M. Monte dos Santos
Especialmente tocada e impactada com a mensagem dessa entrevista! Que o Espírito de Deus continue guiando cada passo de Rebeca e protegendo-a.
deciocar
Infelizmente o testemunho de Rebeca mostra uma imaturidade muito grande, o que é justificável pela sua idade.
A Venezuela e seu povo estão sendo castigados por um projeto criminoso de poder, como tentam fazer em outros países latinos, inclusive no Brasil.
E pior, com a cumplicidade de muitos cristãos, servis militantes que se submetem à uma ideologia covarde.
A Ultimato Jovem poderia dar oportunidade a Ariovaldo Ramos, ex-pastor, atualmente militante marxista que apoia incondicionalmente o regime bolivariano de Maduro. Por ocasião da morte de Chavez, Ariovaldo veio à público fazer um lamento pelo grande “benfeitor da humanidade”. Nunca veio à público se solidarizar com a sofrida população venezuelana. No que podemos deduzir a sua cumplicidade com regimes totalitários e criminosos.