Deus não está morto 2
Por Amanda Almeida
No segundo semestre de 2014 as redes sociais ficaram cheias da hashtag #GodIsNotDead. Eram espectadores atendendo à chamada do final do filme homônimo para espalhar essa mensagem por aí. Depois do sucesso do primeiro filme (com orçamento de 2 milhões de dólares e mais de 60 milhões de lucro só nos EUA), chega aos cinemas “Deus não está morto 2” (2016). Dessa vez com um orçamento maior, mas com bem menos hashtags.
Com o intérprete de Hércules na série de TV, Kevin Sorbo, como estrela principal (e também aparições de Dean Cain, ex-Superman em “Lois & Clark”), “Deus Não Está Morto” (2014) retratou um estudante universitário defendendo sua fé no meio acadêmico. A sequência conta com Melissa Joan Hart, de “Sabrina, aprendiz de feiticeira”, na pele de uma professora que, depois de responder à pergunta de uma estudante envolvendo Jesus, se vê em meio a um processo envolvendo liberdade religiosa.
Além das estrelas de seriados dos anos 90, os dois filmes têm em comum a problematização da fé na esfera pública. Mesmo que o segundo discuta a questão com um roteiro mais elaborado e com bem menos estereótipos simplistas que o primeiro, o que já são grandes avanços, alguns problemas permanecem.
Com um caso jurídico como pano de fundo, foi possível trazer figuras como Lee Strobel, Gary Habermas e James Wallace à tela para darem seus depoimentos e pareceres sobre a figura histórica de Jesus enquanto apologetas, com fundamentos sólidos para a defesa da fé cristã. E na noção de dois lados opostos na Corte, enquanto o grupo de acusação está sempre muito bem arrumado e vestindo cores sóbrias, Grace aparece em cena cheia de cores alegres, e seu advogado com uma postura despojada, numa ideia da opressão contra a inocência.
Quanto aos problemas, o maior deles está nas afirmações do filme. A questão não é nem o que a narrativa afirma, mas como afirma. Em certo momento, Grace diz que prefere “ficar do lado de Deus e ser julgada pelo mundo, que ficar do lado do mundo e ser julgada por Deus”. A complicação aí é que a aprovação e o agir divino na história ficam ligados à vitória judicial.
Em termos de elenco, vale ainda destacar a presença de Ray Wise como o advogado de acusação contra Grace. O ator já interpretou um homem possuído em “Twin Peaks”, o próprio diabo em “Reaped”, e agora a personificação do advogado do diabo em “Deus Não Está Morto 2”, afirmando que, ao ganhar o caso, provaria de uma vez por todas que Deus estaria morto.
Cristo afirma que, como cristãos, sofreríamos perseguições. Ele diz também que “todos odiarão vocês por minha causa, mas aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 10:22). A promessa é de salvação, não de vitória perante quem nos persegue. Se Grace perder no tribunal, essa seria a constatação máxima da morte de Deus? Segundo a lógica do filme, sim. É problemático assim.
Nos anos 60, o crítico Paulo Emílio Salles Gomes chegou a afirmar que “qualquer filme brasileiro é mais importante que a melhor obra-prima do cinema internacional. Era um óbvio atentado ideológico à inteligência”[1]. Esse mesmo atentado é cometido se pensamos que qualquer obra que tenha a fé cristã como base já é boa ou mais válida pelo fato por ser uma obra com posicionamento cristão, ou que defende Deus.
Para um consumo saudável das artes, é preciso sim levar em conta a cosmovisão transmitida, mas também outros fatores. Em “A arte e a Bíblia”, Francis Schaeffer sugere alguns padrões de julgamento, que incluem, além do conteúdo, a excelência técnica, validade e integração. Ao invés de assistir a “Deus Não Está Morto” e outros filmes do gênero com uma postura passiva, focando apenas na mensagem pregada, por que não apreciar cobrando mais do que faria com qualquer outro?
Então, mais que ver esta franquia como um caso isolado, é importante ver o cenário das produções de filmes do gênero como um todo. É inegável que, mesmo com os problemas, a qualidade está subindo. Algo que “Believe Me” (2014), uma sátira dos filmes cristãos, faz muito bem é utilizar na narrativa elementos da nossa cultura em comunhão. E o ponto alto de “Deus Não Está Morto 2” é quando, em um momento de dúvida, os alunos dão suporte à Grace com um louvor. É lindo e tocante, e talvez explorar mais esse nosso repertório comum seja um caminho para contar melhor as histórias contemporâneas de fé.
Trazendo uma lista de casos jurídicos ligados à liberdade religiosa e chamando o espectador a espalhar hashtags para iniciar conversas sobre a fé, a mensagem que fica ao final do filme é: É PRECISO AGIR. Ser luz do mundo, sal da terra. Mas além de ter as afirmações certas, é preciso lembrar de agir da maneira certa sobre elas, sabendo sempre que Deus continua reinando soberano, mesmo se Grace perder no tribunal.
• Amanda Almeida tem 22 anos e é recém-formada em Comunicação Social pela UFMG. Sua monografia tratou de jornalismo cultural, arte e cristianismo. Amanda escreve para o blog Ultimato Jovem sobre cinema.
[1] PIZA, Daniel. “Jornalismo cultural”. São Paulo: Contexto, 2003
Najara
Concordo.
Um bom texto para refletir.
Carlos Queiroz
Boa reflexão sobre a temática. Deus está acima dos conceitos humanos. Querer restringi-lo à decisão de um tribunal “humano” é querer diminuir a sua grandeza. DELE registra o profeta Isaías: “Eu sou o Senhor; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei” (Is 42.8).
Reverendo Silvio Ribeiro
Concordo com a visão e opinião da Amanda Almeida….mas, temos que avaliar que ser trata de um filme de ficção (ainda que serva intitulado cristão) ou seja; nem tudo é perfeito!Claro que poderia se melhor escrito.