Matheus Loures tem 29 anos e é natural de Belo Horizonte, MG. É casado com Chrystiane e desde 2010 mora em Alto Paraíso de Goiás, uma das cidades mais esotéricas do país. Lá ele tem vivido o evangelho entre uma comunidade alternativa e desenvolvido um lindo trabalho por meio da Comunidade Seiva, onde é pastor. Formado em comunicação social, atua também como radialista e produtor cultural.

Matheus, como foi o seu chamado ministerial?

O chamado missionário surgiu quando ainda era membro da Igreja Batista Central, em Belo Horizonte. Numa escola para líderes tive contato com os livros “Contrabandista de Deus”, “Por esta Cruz te Matarei” e “Pode falar Senhor. Estou ouvindo”. Com estas leituras, concluí: “Taí um estilo de vida que vale a pena ser vivido”.

Como surgiu a ideia de fazer uma igreja em Alto Paraíso?

Quando me tornei membro da Caverna de Adulão, em 2004, tive um sonho com Alto Paraíso mesmo sem conhecer o local. No sonho ouvi de alguns hippies que a igreja daquele lugar não cumpria com sua. Um ano mais tarde, quando preparávamos o primeiro evangelismo no local, o nosso saudoso pastor Fábio (in memorian) repetiu exatamente as mesmas palavras do cara do meu sonho. Então, para deixar clara a sua vontade, Deus levou um casal de rastafáris a pedir pela nossa mudança para a cidade a fim de ensinarmos mais da Palavra à um grupo rastas, que já tinham nas Escrituras sua única regra de fé e prática.

Como a comunidade local (não cristã) enxerga a igreja?

Entre o público mais nativo, de cultura típica do interior do nordeste goiano, existe uma tendência ao preconceito, pelo fato de termos vindo de fora e pelo visual diferente. Já entre os alternativos, depois de alguns anos eles acabaram convencidos de que não nos encaixamos nesse estereótipo de algumas igrejas. Então nos enxergam positivamente, são abertos. O atrito se dá quando se deparam com nossa firmeza na crença das verdades bíblicas. A partir daí a tendência é a pessoa espanar (sair fora) ou acabar se convertendo.

O que mais facilita e o que mais dificulta a pregação do evangelho no meio de comunidades alternativas?

O que mais facilita é você andar junto com eles e aproveitar os pontos de contato, que são a arte, a beleza da natureza, a bondade e a valorização da dimensão comunitária. O que mais dificulta é ter uma atitude de superioridade a respeito das crenças deles ou preconceito com aspectos meramente culturais.

Como contextualizar o evangelho sem cair no sincretismo?

Tim Keller, no livro “Igreja Centrada”, oferece um ótimo conselho: devemos evitar o extremo da “superadaptação” fazendo com que a cultura seja apenas valorizada e evitar o extremo da “subadaptação”, sendo a cultura apenas desafiada. Temos de andar nesse equilíbrio do valorizar/desafiar, ou “perfurar” e “explodir”. Keller orienta “Toda cultura é misto de verdades, meias verdades e negações direta à verdade”. Cabe à gente ter discernimento através de uma boa base bíblica e cosmovisão cristã.

Se alguém se sente chamado para este ministério, o que precisa ter em mente?

Tem que ter em mente que precisa de muito temor e sede de Deus, além de ser “culturalmente flexível” e biblicamente embasado. Também é muito importante estudar a cultura, os símbolos e crenças que formam o caleidoscópio esotérico.

Quais projetos têm dado certo na comunidade Seiva? Qual o maior desafio que ela enfrenta?

Tem sido muito positivo os projetos na área cultural (artística) e social, sobretudo na área de tratamento da dependência química, liderado pelo Cristian Ferreira, que também é pastor da Seiva. Talvez o maior desafio seja a rotatividade dos membros.

De que forma o Evangelho está transformando a vida dos alternativos cristãos?

É maravilhoso ver pessoas que não acreditavam em um Deus pessoal, descobrirem o que é ser filho de Deus. Pessoas que achavam que a salvação era meritória, hoje experimentam a leveza da graça. Pessoas perdidas no narcisismo espiritual da máxima “a verdade está dentro e não fora de você”, agora descobriram que o segredo da vida é morrer para si por amor a Cristo.

Há preconceito por parte da igreja brasileira quanto a comunidades alternativas? O que deve ser feito para mudar a visão da igreja?

Existe bastante, infelizmente. Acho que a simples aproximação do alternativo e do tradicional já quebra preconceitos. Outro ponto fundamental é ensinarmos mais sobre contextualização do evangelho para as igrejas que tem pouco acesso a um bom material teológico.

Você ‘defende’ o estilo de vida alternativo?

Nem defendo, nem ataco. Ele é apenas uma das várias formas que podemos viver. Eu defendo a diversidade cultural, nos limites das Escrituras. A Seiva também não é uma igreja para alternativos e sim para toda a diversidade cultural de Alto Paraíso.

Quais são os pontos positivos e negativos de constituir família em uma comunidade alternativa?

Existe mais o movimento alternativo em si, do que comunidades, pois essas começam e terminam com muita velocidade. Nas poucas comunidades, existe de positivo um “espírito” de cooperação, capaz de construir e conquistar coisas que seriam difíceis para as famílias sozinhas. De negativo, eu destaco a tendência da falta de limite entre individualidade e coletividade. Alguns, inclusive, defendem que a responsabilidade pelas crianças não é dos pais biológicos e sim de toda a comunidade.

Você acredita/sente que existe uma ‘energia espiritual’ mais perceptível na comunidade alternativa do que no meio urbano tradicional? Se sim, de que forma isso é percebido?

Não. Existe muita influência do movimento romântico nisso. Eu já acreditei, mas Tim Keller me convenceu de que na cidade também existe muito desenvolvimento da graça comum, que nos interiores não é possível. Entretanto, é inegável que estar em meio à natureza é muito inspirador para a prática da espiritualidade cristã. Ver um belo por do sol, o voo de um casal de araras ou a força de uma cachoeira, nos remete a revelação geral de Romanos 1. No Salmo 23, os pastos verdejantes e as águas tranquilas se tornam um cenário que convida à devoção. Nós protestantes, infelizmente, nos tornamos fracos em refletir sobre como o ambiente que nos envolve pode inspirar a espiritualidade. Temos uma tendência à pobreza estética. No meio alternativo é muito importante fazer esta conexão do “belo” com o Criador.

Como se manter “puro” num ambiente tão liberal?

Temendo a Deus, conhecendo a Bíblia, mantendo comunhão na igreja e aprendendo com o que Ele já fez na história.

Por ser um ambiente onde a subjetividade e o esoterismo exercem grande influencia, como é recebida a exclusividade do cristianismo?

É recebida como uma atitude de superioridade, arrogância. Sempre dizem “mas com tanta opção religiosa, como vocês ousam acreditar que só a de vocês é certa”. Não tem como fugir desde atrito, aí é a hora de ser fiel e confiar no Espírito que dá sabedoria para agir da melhor forma. E muitas vezes a certeza do que se crê se trona atraente pra quem, ao tentar sintetizar tudo, acaba sendo superficial.

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Veja na galeria a seguir, um registro do movimento alternativo em São Thomé das Letras e em Alto Paraíso de Goiás, sob o olhar de Matheus Loures.

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