Não pode odiar, mas pode ter “ranço”?
O desafio de amar mesmo quando o outro nos irrita
Por Layla Fischer
Ranço.
Palavra estranha.
Quando me mudei para Curitiba e a ouvi pela primeira vez, achei que era uma gíria do Sul. Aí descobri que é uma neologia da internet.
É o mesmo que irritação. Achar tal coisa – o objeto do ranço – chata ou desprezível. Até estressante.
Eu, por exemplo, tenho ranço de música sertaneja (com exceção da música “evidências” – um hino, a bem da verdade). E ranço de uva-passa no arroz. De desordem e falta de organização. Muito ranço de trânsito e engarrafamento – que se triplica quando estou atrasada. E de anúncio em tudo.
O problema começa quando o ranço passa a ser direcionado a uma ou a algumas pessoas do nosso convívio. Ou melhor dizendo: a nossos irmãos em Cristo.
Quando não toleramos conviver, conversar, partilhar de momentos. Mal cumprimentamos ou olhamos nos olhos. Passamos longe, somos indiferentes à sua presença. Seja qual for o motivo (ou mesmo sem motivo…).
Todos sabemos que existem instruções bíblicas muito claras sobre relacionamentos de modo geral, como: não odeie (1Jo 4.20), busque a paz (Rm 12.18), ame o próximo (Mt 22.37-39).
O X da questão, no entanto (tenho ranço dessa expressão, inclusive, mas ela é boa!), é que não percebemos o quanto o nutrir o desprezo ou a indiferença atrapalha a comunhão. Desgasta, sutilmente. Como uma planta que, sem cuidado, vai perdendo o viço até murchar.
Achamos que não há problema algum, afinal, não estamos odiando nem desejando o mal para ninguém.
Mas não percebemos que a falta de diálogo e interação distancia o que foi criado para haver proximidade, ou algo muito mais profundo do que isso: dependência.
Paulo nos ensina que a Igreja é comparada a um corpo, cujos membros dependem uns dos outros (1 Co. 12:12-27). O que não quer dizer que todos eles se conhecem profundamente e são melhores amigos. Mas algo os move à comunicação, a funcionar organicamente para que o todo viva. Quanto mais entrosados estão os membros, melhor é a funcionalidade do corpo.
Mas graças a Deus, a solução para o ranço já nos foi dada. E ela começa antes do tentar quebrar as barreiras da comunicação, deixar o orgulho de lado ou assumir qualquer outra postura ativa e intencional. Começa com os joelhos no chão. Pois se Jesus nos disse para amar nossos inimigos e orar pelos que nos perseguem (Mt. 5.44), quanto mais pelos que nos causam sentimento de repulsa!
A verdade é que até o fim de nossas vidas carregaremos falhas e traços de nossa humanidade. Seremos irritantes uns com os outros, porque somos pecadores. São, porém, rachaduras nas quais a graça encontra uma fresta para nos lembrar que somos todos filhos de um mesmo Pai. Que não sente ranço de nós.
Que, assim, toda irritação se transforme em oração e atos práticos e sinceros de amar como Ele nos ama.
Afinal, é esse o amor que cobre uma multidão de pecados (1Pe. 4:8)…
e ranços.
- Layla Fischer, 26 anos, é assessora jurídica, congrega na Igreja Presbiteriana Silva Jardim, em Curitiba/PR, e escreve para o blog Ultimato Jovem desde 2021. @laylafischer.
Saiba mais:
>> O Cultivo da Vida Cristã, Robert Liang Koo
