Um chamado à espiritualidade encarnada
A fé que me mobilizava também me impulsionava a ir além
Por Dálethe Melissa
O Meu Lugar no Mundo
Compreender qual o meu lugar no mundo não foi uma tarefa fácil. Falar sobre isso é falar sobre como a dimensão de uma espiritualidade encarnada no chão da vida transformou o meu modo de viver.
Cresci em um lar cristão evangélico, rodeada de familiares que participavam intensamente das dinâmicas eclesiásticas e das responsabilidades que isso trazia, mas um incômodo sempre esteve presente, que hoje pode ser traduzido em indagações como: Por que não nos envolvemos com o que acontece nas nossas comunidades? Mesmo inseridos fisicamente no território, por que há uma distância que nos aparta da realidade concreta que nos rodeia?
Esse incômodo persistiu por um tempo, me fazendo questionar o papel da minha fé, o sentido da espiritualidade e o real significado da missão da Igreja. Eu não conseguia conceber que todas as ‘’boas obras’’ as quais Deus preparou para nós praticarmos (Ef 2.10) se resumiria a manutenção de uma estrutura eclesiástica, ou até mesmo ao serviço de uma doutrina institucionalizada. A fé que me mobilizava, também me impulsionava a ir além, e assim eu me vi em uma jornada de encontro com o verdadeiro Evangelho, possibilitando a construção de um real sentido para a minha existência.
Esse encontro se deu quando eu passei a enxergar o mundo com um olhar mais crítico, questionando suas estruturas injustas e desiguais, seus sistemas de opressão e seus projetos hegemônicos de poder que precarizam a vida, vulnerabilizam comunidades, violentam corpos e degradam territórios. Essa lente me foi proporcionada a partir da leitura popular da Bíblia, que através de uma interpretação crítica me fez compreender que essa é uma realidade que se contrapõe ao projeto do Reino de Deus, que se trata do estabelecimento da Justiça, Paz e Alegria no Espírito Santo (Rm 14.17).
Ao entender que esse projeto está fundamentado na promoção da vida plena que Jesus de Nazaré anunciou (Jo 10.10), que busca transformar a vida na sua integralidade, percebi que o exercício da minha fé também tinha um compromisso coletivo e comunitário, não podendo estar dissociada da luta por justiça, dignidade e equidade. Percebi que a vivência da espiritualidade não se trata da conservação de uma religiosidade vazia, que se aparta da realidade, mas sim que se envolve e se debruça nela, compreendendo a materialização da fé encarnada na vida concreta.
A partir disso, eu mudei os meus objetivos pessoais e profissionais, e ávida por empenhar a minha vida na proclamação desse Reino, passei a me envolver ativamente em iniciativas cristãs que se dedicam na defesa de direitos, na luta em favor da democracia e dos povos oprimidos, na denúncia das injustiças e na busca por uma coexistência harmônica entre toda a Criação de Deus – que envolve seres humanos e não humanos. A minha igreja local – Igreja Batista em Coqueiral –, o Fórum Popular do Rio Tejipió (FORTE) e o Instituto Nós na Criação são exemplos de espaços que hoje ocupo e que me forjam nesse lugar, me ensinando diariamente a continuar nessa caminhada profética, enquanto uma agente ativa do Reino de Deus, atuante em prol do bem comum, da vida plena, do shalom.
Seja enquanto membro de uma igreja comunitária da periferia da Região Metropolitana do Recife, ou enquanto uma futura assistente social que irá incidir na viabilização dos direitos sociais, Deus me mostrou que o meu lugar no mundo é em qualquer lugar onde a minha espiritualidade é encarnada e traduzida em práticas de amor, resistência e luta por justiça.
- Dálethe Melissa, mais conhecida por Mel, é uma jovem recifense, estudante de Serviço Social (UFPE), que trabalha no Instituto Nós na Criação há 3 anos. É membro daIgreja Batista em Coqueiral (IBC), onde faz parte da sua Pastoral Ambiental, e também integra a Rede de Jovens Líderes daAmérica Latina e Caribe – Tearfund e o Comitê Executivo do Fórum Popular do Rio Tejipió (FORTE), se dedicando em espaços que pensam o papel da fé e a atuação das igrejas locais na luta por justiça socioambiental.
Imagem: Pixabay.
REVISTA ULTIMATO – COMO VIVEM OS QUE TÊM ESPERANÇA
Com a matéria “Como vivem os que têm esperança”, Ultimato quer colocar Cristo no centro e enfatizar que a vida dos que têm esperança atrai outros para a Esperança. Quer lembrar que a comunidade dos que têm esperança deve ser uma ponte para aqueles que “passam por necessidades, cuja esperança para o futuro não é sustentada pela experiência de bênção no passado, que não conheceram cura, ou fé, ou prosperidade e que não têm esperança”.
É disso que trata a matéria de capa da edição 412 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
>> Quando a Igreja Abraça a Cidade, Leandro Silva (org.)
>> O Discípulo Radical, John Stott