Ide e fazei amigos
Por Layla Ficher
Tem-se questionado muito por aí: quanto amigos você tem? Amigos mesmo. Brothers. Aqueles que você sabe que pode ligar ou mandar mensagem às 6h da manhã no meio de uma excursão no Egito.
E aí se pensa um pouco. E a resposta surpreende: são poucos.
Em tempos em que a superficialidade é a linguagem do nosso tempo e as amizades parecem ter prazo de validade, tem sido cada vez mais difícil existir raízes relacionais fortes e que perduram.
É isso que vemos e vivemos. Diálogos curtos, rápidos. De preferência por mensagem.
Isso pode ser verdade até mesmo entre nós, cristãos, que criamos e mantemos vínculos constantes no seio da Igreja, mas por vezes não adentramos nas profundidades do outro.
Agora imagine como é a vida de quem não tem um lugar como esse. De quem talvez fez amigos na faculdade, mas perdeu o contato. Ou no trabalho, e mudou de emprego. Eu duvido que conversem todo dia no WhatsApp. No máximo trocam uma interação nos stories.
Mas a gente sabe a importância da amizade na vida. Porém, talvez não percebamos o seu valor como instrumento de salvação.
A bíblia nos ensina acerca disso. Mas, particularmente, gosto de uma ilustração da cultura: uma cena da série americana Stranger Things (e aqui, talvez um spoiler da última temporada).
Ao som de Running Up That Hill (a música que ficou um tanto quanto famosa – “if I only could, I’d make a deal with God…”), Vecna, a grande ameaça que paralisa e deforma jovens no mundo real e, num universo paralelo, os sufoca até a morte, escolhe sua próxima vítima: Max, que faz parte do grupo inseparável de amigos – Eleven, Mike, Dustin, Lucas e Will. Porém, a instantes de ser dizimada por Vecna, Max é salva por seus amigos quando esses descobrem como salvá-la: reproduzindo sua música favorita.
A cena é incrível e não cabe em palavras. Mas mostra que Max só foi salva (da morte!) por causa do esforço de seus amigos.
Que verdade mais impactante.
Por vezes reduzimos a atividade de evangelizar – que, como sabemos, é o que oportuniza que a redenção alcance o outro – a um ato à parte de todas as outras coisas. Uma mentalidade como: “peraí, vou distribuir um folheto”, “calma lá, vou postar um versículo aqui”.
Mas o evangelho está no mesmo coração que tem ansiedade, preguiça, celebrações e angústias, que são as realidades compartilhadas no espaço da amizade.
Se a amizade abriga todas essas realidades da vida, ela se torna o melhor terreno para compartilhar as verdades bíblicas, pois elas também estão ali. E assim testemunhamos a capacidade do Evangelho de transformar nossa existência, nos motivar e gerar esperança da eternidade.
Além disso, é na amizade que o confronto se torna aceitável. Sem confronto, não há convicção de pecado. E sem convicção de pecado e da perdição, não há necessidade de nenhum salvador.
O teólogo Alister McGrath, em seu livro “Apologética pura e simples”, convida o leitor a imaginar a seguinte cena: você convida uma amiga a subir uma montanha e conhecer uma paisagem imensa que você já conhece muito bem. Vilas, rios, campos, florestas. Você aponta as vilas e conta as histórias, mostra uma cachoeira escondida na vastidão, a qual ela não tinha sequer notado. E ela se admira com tudo aquilo e fica encantada com a cena.
Então McGrath conclui: “o que se deve ter em conta aqui é que você não é o autor da beleza e da história do que se vê. Você simplesmente ajudou-a a admirar o que já estava lá – que ela desconhecia ou não havia notado”.[1]
Mas como contaremos as belezas da fé se não temos amigos para subir montanhas?
Se não há intencionalidade, como apontaremos o sentido desconhecido da vida?
Como chegaremos nesse assunto tão particular – a nossa fé – se sequer sabemos a música ou banda favorita do outro?
Essa é a maior necessidade do nosso tempo: amigos. Gente para conversar. E nós precisamos ser os primeiros a estar presentes e abraçar o outro com todas as suas diferenças. Inclusive, porque também precisamos do outro e da graça comum que há nele.
Talvez você nunca tenha se deparado, mas pode ser que você seja o único amigo de alguém. Que pode até estar cercado de gente, mas de gente que não se importa.
A lei de Deus está gravada no coração de todos os homens. Dos colegas de trabalho e dos vizinhos. Do porteiro do prédio e do entregador de pizza. Nada nos impede de transpor a barreira da superficialidade e apresentá-los o “Mais que um Amigo”. Nada.
Precisamos ser mais gente boa.
Um missionário gente boa é assim: ele ama tanto o outro que se recusa a falar a linguagem da superficialidade. Mas é porque sabe da realidade da morte eterna. E não quer ouvir o ranger de dentes dos seus brothers.
Ele quer o bem dos seus amigos. Mas sabe que o melhor bem dessa vida é conhecer e viver com o Senhor.
Ele é desses que ouviu bem a conclamação: ide e fazei discípulos. Mas ele vai e também faz amigos.
E ele nem precisa sair do seu país ou da sua cidade. Ele apenas sai de dentro de si mesmo e vai em direção ao que está ao seu lado.
Notas:
[1] MCGRATH, Alister. Apologética pura e simples: como levar os que buscam e os que duvidam a encontrar a fé. Tradução: A. G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2013. Pág. 46 (kindle).
- Layla Fischer, 24 anos, é assessora jurídica e pesquisadora. Congrega na Igreja Presbiteriana Central de Curitiba/PR, e estuda teologia junto ao Invisible College.