O que podemos aprender com o poeta Luís de Camões e com a história de José em Gênesis.

Por Mariana Santana

Ao desconcerto do mundo

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e para mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
anda o mundo concertado.

Na primeira parte do poema “Ao desconcerto do mundo” o poeta Luís de Camões faz uma crítica social, observando que na vida as pessoas boas sofrem “graves tormentos” enquanto as pessoas más são premiadas com um “mar de contentamentos”.

Acredito que é fácil concordar com essa crítica do poeta. Quem não se identifica com o sentimento de injustiça presente nesta observação de Camões? Esta parece ser uma crítica comum e até mesmo o salmista fala disso no Salmo 73.

Pois tive inveja dos arrogantes quando vi a prosperidade desses ímpios.
Eles não passam por sofrimento e têm o corpo saudável e forte.
Estão livres dos fardos de todos; não são atingidos por doenças como os outros homens.
Por isso o orgulho lhes serve de colar, e se vestem de violência.
Do seu íntimo brota a maldade; da sua mente transbordam maquinações.
Eles zombam e falam com más intenções; em sua arrogância ameaçam com opressão.
Com a boca arrogam a si os céus, e com a língua se apossam da terra.
Por isso o seu povo se volta para eles e bebem suas palavras até saciar-se.
Eles dizem: “Como saberá Deus? Terá conhecimento o Altíssimo?”
Assim são os ímpios; sempre despreocupados, aumentam suas riquezas.
Certamente foi-me inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência,
pois o dia inteiro sou afligido, e todas as manhãs sou castigado.

Salmos 73:3–14

O problema vem na segunda parte do poema. Invejando os maus que se dão bem e desejando este mesmo bem para si o poeta decide então agir como uma pessoa má. Porém seu plano não funciona e ele é pego em sua maldade, sendo castigado.

No final ele ainda reclama que logo na sua vez o mundo, que sempre recompensou a maldade de todos, resolveu ser justo. Ele se sente injustiçado.

Acontece que eu já fui Camões. Cansada da maldade que me atingia resolvi revidar. Resolvi ser má também. Não adiantou. A pessoa má entende mais do assunto e obviamente vence pela experiência.

“Fui mau, mas fui castigado.”

A inveja e o sentimento de injustiça de Camões, e minha própria vingança pessoal, me fazem pensar na história de José em Gênesis. José sofre uma série de injustiças porém nunca revida a maldade. Ele, diferente de Camões e de mim, foi capaz de pagar o mal com bem. Obviamente a intenção aqui não é usar José como modelo de perfeição, ele é apenas um ser humano. No entanto, como cristã, creio que o Espírito Santo guiou José o ajudando a retribuir com bondade toda maldade que sofreu.

Afinal Deus não livrou José da inveja de seus irmãos ou de ser escravizado. Deus tampouco livrou José do assédio sexual que sofreu da esposa de Potifar ou da injusta prisão subsequente. E Deus sequer puniu os agressores para vingar José (algo que, do ponto de vista humano, seria lógico de se fazer).

Ou seja, Deus não livrou José da maldade de pessoas más e nem agiu de forma vingativa como o ser humano agiria. Porém quando lemos a história de José conseguimos perceber como Deus cuidou dele. E também como, em sua infinita misericórdia, transformou os “graves tormentos” enfrentados por José em um “mar de contentamentos” para ele e, através dele, também para povo de Deus.

Eu sou boba e a maldade do mundo ainda me choca. Minha sede de justiça pode facilmente se transformar em sede de vingança. Porém estou aprendendo que, independente do que acontecer, Deus vai cuidar de mim.

Mas, para mim, bom é estar perto de Deus; fiz do Soberano Senhor o meu refúgio.

Salmos 73:28a


          • Mariana Santana, estudante de Letras e membro da Igreja Presbiteriana do Brasil junto com seu marido. Escreve sobre literatura e teologia no Instagram @marianaeoslivros.

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