Aquele que fez os dias permanece o mesmo
Por Ioná Nunes
Há um meme que diz “o começo estava ruim, o final parece o começo”. O começo de 2020 foi horrível e tanto o início como o fim de 2021 parecem seguir seus passos. Março de 2021 aparenta ser a versão 2.0 do mesmo mês do ano passado. A sensação de déjà-vu rasga a gente por dentro, desce pela garganta como cacos de vidro.
O grupo de WhatsApp da minha igreja estava movimentado. De Araguaína ao Maranhão, os membros do corpo espelhados pelo país pedem oração. O pai, a mãe, a avó dos irmãos. Entubados, os aparelhos respiram por eles. Recebemos a notícia da morte do pai de um irmão. A realidade excruciante debaixo do sol se repete. E as orações, por mais que não sejam rezas, também. O medo, a ansiedade e tristeza pelo mausoléu que já bombardeou o mundo e está prestes a fazê-lo de novo, nos fazem correr para Deus.
Domingo passado, só ministério de música e o pastor foram à igreja. As cadeiras brancas desocupadas marcaram presença. O decreto estadual dispersou os membros e estes tiveram que acompanhar o culto público dos seus sofás e cadeiras. Engoli a seco ao olhar ao redor e lembrar que há duas semanas a casa estava cheia. Rapidamente, vem à mente que “ainda temos o privilégio de nos reunir” e, aos poucos, as batidas do coração se consertam. Na cadeira atrás da minha está a visitante que viu a fachada da igreja e resolveu entrar. “As pessoas precisam de um outro tipo de hospital ao qual recorrer”, pensei ao vê-la lá.
“Mais de 10 mil óbitos em sete dias”, anuncia o título da matéria, um aumento 40% em relação a 14 dias atrás. “Nova variante”, o choro se amontoa na garganta. “Carga viral 10x maior principalmente entre pessoas de 20 a 60 anos”, as lágrimas esquentam a superfície facial. A falta de ar se junta ao clamor e ambos me impulsionam a orar. Pedi consolo aos que perderam entes queridos, cura para os acometidos pelo vírus. Socorro aos que ainda não foram tratados, estabilidade para aqueles que contraíram o coronavírus e os sintomas não evoluíram ou permanecem assintomáticos.
O salmista, no capítulo 42, diz que as lágrimas têm sido seu alimento dia e noite e elas parecem ser a comida presente em todas as nossas refeições desde que a pandemia começou. Davi reflete a angústia que temos sentido com precisão e maestria. Ele se pergunta onde está Deus em meio ao sofrimento, e ao final do Salmo responde a si mesmo com um conselho: “Ponha sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é meu salvador e meu Deus”. O versículo é autoexplicativo, mas assim como o prego necessita de várias marteladas para infiltrar-se na parede, o Espírito precisa trazê-lo à nossa mente inúmeras vezes até nos apropriarmos disso.
Jesus disse que o Espírito nos lembraria de tudo que ele tinha ensinado e ele nos ensinou sobre a esperança. Sobre si mesmo. Os tempos são difíceis, não entendemos as decisões divinas, o medo chama a ansiedade, e ambos vêm e vão. Mas a esperança permanece. Ela não é última que morre, ela morreu e ressuscitou três dias depois. A nossa alma angustiada clama pelo abismo da esperança imperecível. O único abismo seguro para nos lançarmos. E uma vez que você é um corpo solto, em queda livre nesse abismo, a voz de Deus traz à sua memória “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus”.
O sofrimento nunca é em vão. Deus o permitiu com um propósito. Talvez o sofrimento não exista para ser compreendido e sim para ser um lembrete escandaloso de que o Senhor está conosco. É um convite para que nossa mente seja refrescada quanto ao seu caráter assombrosamente belo e irrevogável. É uma oportunidade de nos lançarmos aos seus pés reconhecendo nossa pequenez diante das mazelas e admitindo nossa total dependência Dele. A graça de sermos impelidos pelo Criador a temê-lo e sermos motivados a orar e debruçar-nos sobre a Escritura até que ela ilumine as paredes do nosso obscuro coração e ali nasça a estrela alva da esperança.
Deus nos convida a confiar, pois quem o faz jamais é envergonhado (Sl 25:3); a esperar sem ver, por ter certeza de quem Ele é (2 Tm 2:13); a não esquecer que toda dor é passageira, mas Ele é o motorista, quem conduz (Sl 46:10). Não fazemos ideia do que acontecerá nos dias seguintes, mas conhecemos quem os fez. Independentemente do que aconteça, Deus, que os fez, permanece o mesmo. Imutável. Bom. Justo. Soberano. Que seus atributos comunicáveis devem ser como uma espada penetrando em nosso coração e nos fazendo sangrar esperança. Aquietemo-nos, pois o Senhor continua sentado no trono. Isso basta.
- Ioná Nunes, 24 anos. É jornalista e congrega na Igreja Cristã Evangélica.