A cura para o reclamismo
Por Jean Francesco
“Aprendi que deveríamos ser gratos a Deus por não nos dar tudo que lhe pedimos”, escreveu o célebre dramaturgo inglês William Shakespeare. Gratidão é uma virtude rara, mas o “reclamismo” é bastante popular. Somos seres altamente reclamantes, a começar por este que vos escreve.
Será que existe algum remédio para tratarmos essa doença terminal da humanidade? Ao final deste texto pretendo convencer você de que há sim tratamento. O antídoto para essa doença é a gratidão. Para aplicá-la ao seu dia a dia você precisará de colírio, exercício e memória.
O apóstolo Paulo diz: “Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai” (Colossenses 3.17). Para vencer o vício do reclamismo, em primeiro lugar, precisamos pingar colírio nos olhos para compreender a natureza da gratidão.
Mais do que alguns vestígios em uma pintura, gratidão é como uma verdadeira moldura para a vida. Mais do que aniversários, boas notícias, promoção no trabalho, passar no vestibular ou ter conseguido aquele emprego dos sonhos, gratidão é um verdadeiro estilo de vida. E somente aqueles que enxergam a vida como um teatro da gratidão podem se curar da tirania do reclamismo.
A murmuração é um sinal de que enxergamos um mosaico incompleto, a gratidão é uma prova de que confiamos pela fé que o mosaico já está pronto. Nas palavras do próprio Shakespeare, “sofremos muito pelo pouco que nos falta e gozamos pouco o muito que temos”.
O segundo antídoto é o exercício. Você começa a vencer a ditadura da reclamação no momento em que acorda e continua o processo de vitória contra ela ao acordar no dia seguinte. Não há cura permanente, mas tratamento constante. É hábito, consistência, continuidade, repetição, resiliência, como preferir.
Ninguém aprende a agradecer automaticamente, pois desde o pecado original cometido pelos nossos primeiros pais acordamos diariamente programados para reclamar. Assim como os hábitos de escovar os dentes, tomar banho, cortar as unhas, cortar o cabelo, tomar café da manhã, almoçar e jantar, precisamos enxergar a gratidão como uma necessidade cotidiana sem a qual prosseguiremos por um rumo natural de tristeza e descontentamento.
Portanto, comece o dia agradecendo a Deus, a fonte de onde toda a vida flui e, a partir daí, prossiga agradecendo as pessoas ao seu redor: o porteiro, o motorista, o professor, o aluno, o vendedor, o frentista, os amigos, familiares por tudo aquilo que você sempre tem à mão, mas quase sempre se esquece de que vem das mãos de Deus. Enquanto a palavra “obrigado” de forma genuína não fizer parte do seu vocabulário diário, tenha certeza que a tristeza, o vazio e a amargura ocuparão esse espaço.
Por fim e mais importante, há o antídoto da memória. Este é o mais importante remédio porque é nossa verdadeira motivação para perseguirmos uma vida de gratidão. O raciocínio é simples. Eu agradeço porque algo recebi, se não tivesse nada recebido não teria motivos para agradecer. Em outras palavras, gratidão é resposta, é reação, é o ato de devolver o que primeiro nos foi dado.
Mas afinal, o que nos foi dado de tão sublime que nos relembra de viver o tempo todo como um gesto de devolução? Jesus. Quem lembra dele não esquece de agradecer. Na verdade, quem já o recebeu não consegue parar de agradecer. Mas por qual razão? Pense num presente de aniversário. Naturalmente ao receber tal presente o aniversariante será agradecido por ele, mas por quanto tempo? Provavelmente até o término da festa ou até um pouco mais até que tal gratidão caia definitivamente no esquecimento.
Presentes comuns tem prazo de gratidão. No entanto, a gratidão de termos recebido Jesus não tem prazo de validade, pois Cristo nos deu vida eterna. Por esta razão, presentes com validade eterna se agradecem eternamente. Nosso problema não é esquecer de agradecer, na verdade nos esquecemos de lembrar que já recebemos Jesus, pois uma vez que nos lembramos de Jesus jamais nos esqueceremos de agradecer.
Graças a Deus também temos o Espírito Santo habitando em nós. Ele tem um papel fundamental no tratamento deste reclamismo crônico que tomou conta de nós. Ele refresca nossa memória a respeito de Jesus Cristo e o que ele veio fazer por nós. Cristo veio receber nossa morte para oferecer-nos sua vida e, tendo essa vida abundante em nós, somos capazes de devolvermos ao mundo a vida que recebemos do Pai.
Ninguém pode dar ao mundo aquilo que não recebeu de Deus e, porque tudo já recebemos do Pai em Cristo, temos o dever moral de vivermos uma vida agradecida não apenas para a nossa alegria individual, mas a fim de curarmos este mundo infectado pelo câncer do reclamismo. Eu faço este apelo a você: se você sonha em mudar o mundo, comece primeiro buscando a cura para si mesmo.
- Jean Francesco é pastor presbiteriano e doutorando em Teologia (PhD) pelo Calvin Theological Seminary.
giovana vox
Texto pertinente num mundo lotado, infestado de Mimimi seja nas redes sociais, seja no ambiente de trabalho, seja dentro do lar…..”é a doença terminal do ser humano”, fantástico!
Luiz Alexandre
O texto muito bem escrito, trata de forma graciosa de um assunto profundo e, porque não dizer, fundamental a nossa saúde, física, emocional e espiritual. Me abençoou muito!
Edna de Moraes Reis Lourenço
Perfeito!