Escolha amar alguém imperfeito para você
Por Thales Rios
Seus melhores amigos estão ali. Sua família está ali. Sua tia perua, seu primo estranho e seus avós também. É uma reunião de pessoas e você é o centro das atenções. Há bexigas. Há um bolo. Há uma vela. Há uma canção. Mas todo este protocolo de alegria se transforma em angústia quanto mais se aproxima do que você torce para ser o final – mas que não será. Você puxa o ar pra soprar a vela, mas não acaba aí, sempre há algo a mais nesta cena: há um tio sem noção. E este tio esperará menos de 3 segundos após o fim da música oficial deste ritual anual para carregar todos a um momento de vexame e exposição desnecessária de suas fraquezas:
“Com quem será? Com quem será? Com quem será que o fulano vai casar?”
Lembro que nos meus aniversários durante a infância eu sentia vontade de me esconder debaixo da mesa nessa hora. Não foi a toa que na adolescência fingi maturidade e disse pra minha mãe que com 15 anos já podia parar com esse negócio de festa de aniversário. “No máximo um bolinho com o pessoal daqui de casa mesmo e tá bom demais”. Mentira.
O tempo passou e fiquei muito tempo sem celebrar meu aniversário, mas nos últimos anos tenho ido a tantos velórios que comecei a valorizar mais a ideia de celebrar a vida todo ano. E agora, chegando à terceira década de caminhada e piadas ruins sobre essa Terra, percebi que o constrangimento já não é apenas meu na hora de cantar Parabéns. Acaba a música e até o tio sem noção fica sem graça. Um olha pro outro, alguém puxa o ar pra cantar, mas a troca de olhares denuncia que talvez a brincadeira já perdeu a graça. O bolo de climão já pode ser servido.
Não vou mentir que tenho medo de trocarem a letra da música nos meus aniversários pra “Com quem seria?”.
Em meio a tanta pressão e babaquice que vemos por aí, este texto vai para você que, mais do que estar solteiro, é solteiro. Você que sempre fica de vela nos rolês. Você que trabalha no jantar de casais da sua igreja. Você que é chamado pra ser padrinho de casamento junto com sua mãe (acontece). Você que não escolheu esperar, mas que não teve tanta escolha assim também.
Tenho uma mensagem pra você: não escolha desesperar, mas tome cuidado também para não se acomodar.
Eu sei, a vida, a galera e o tempo às vezes pressionam muito. Eu sei, você vê todo mundo namorando, casando (e, infelizmente, até divorciando) e se pega pensando quando será sua vez (menos do divórcio, por favor). Mas é importante ter em mente que não é preciso ficar desesperado, porque gente desesperada toma atitudes desesperadas, e atitudes desesperadas não costumam ser as mais inteligentes.
Muitas vezes nos encontramos em becos sem saída durante a vida. E estar neste beco sem alguém pra dar uns beijos não é legal. Junte isso à pressão vinda dos relacionamentos perfeitos postados nas redes sociais, das brincadeiras com a solteirice, do tempo que passa e dos prazos irreais que você estipulou pra sua vida. Você se encontra cada vez mais longe de um relacionamento sério, e neste beco sem saída, vê de relance a esperança virando a esquina e te deixando, sozinho, pra trás. Neste momento você abraça um novo amigo chamado Desespero e resolve sair por aí usando os outros pra tentar dar um jeito em um problema mal resolvido consigo mesmo.
Agora é hora de matar cachorro a grito. Nessa hora já não importa muito a personalidade, a beleza e muito menos os princípios: caiu na área é pênalti. Nessa hora você é tomado pelo espírito de Rambo e afunda o dedo no gatilho esperando acertar um tiro sequer. É nessa hora que você resolve ver qualé a do Tinder e em meia hora flerta com um número não saudável de pessoas aleatórias. É nessa hora que você deixa as motivações erradas te guiarem, e acaba envolvendo nos problemas que você criou pra si mesmo gente que não tem nada a ver com eles. É nessa hora que você não percebe o que tem te motivado de verdade.
A carência e a solidão jamais devem ser motivadores pra procurar alguém com quem partilhar a vida.
Mesmo que vingue (o que é raro), um relacionamento que começa pelas motivações erradas terá um longo e doloroso caminho pela frente, e se não for tratado com maturidade, carregará esse peso pra sempre.
Por isso, mais importante do que não estar desesperado, é estar satisfeito. A satisfação não deixa muito espaço para o desespero. Estar satisfeito em estar solteiro pode parecer estranho, mas acontece quando você percebe que é perda de tempo viver uma caçada constante quando se poderia curtir o que a vida de solteiro te permite. Existe tanta coisa boa pra fazer enquanto se está solteiro e nós muitas vezes desperdiçamos esse tempo fantástico vivendo uma vida de idolatria ao relacionamento que não temos. Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã mente solteira. Há Playstation, por exemplo.
Parece besta, mas um Playstation é um investimento muito melhor do que os ingressos pras baladinhas dessa vida, ou do que aquela roupa cara que você quer usar pra impressionar alguém, ou do que a gasolina pra ir em shoppings (ou praças, se você morar no interior). E se você não é de Playstation, tem também passagens de avião e hotéis de um mundo enorme que se pode conhecer sozinho ou com os amigos. Tem cinema ou show com os amigos pra quem é rolezeiro, tem pizza em casa pra quem é de Netflix. Tem bicicleta e parques pra passear; tem futebol com a galera no sábado à tarde; tem Natal e Ano Novo onde você quiser, sem precisar negociar os feriados com alguém; tem estudo tranquilo; tem noites bem dormidas (ou nem dormidas, se você preferir); tem muitas coisas que foram feitas para serem curtidas no momento em que não se tem um compromisso. Não que ter compromisso seja ruim, mas lá na frente será melhor sentir saudades do que se curtiu do que remorso do que não se aproveitou.
A solteirice não é um estado civil, é uma oportunidade. Oportunidade de descobrir qual é sua real identidade antes de decidir mesclar seus sonhos e verdades com os de mais alguém. Mais do que autoconhecimento, é uma oportunidade de crescer em maturidade e, principalmente, espiritualidade. Aprender a estar satisfeito consigo mesmo passa primeiro por aprender a estar satisfeito em Deus. E se não há satisfação em sua vida, tudo que você terá a oferecer a alguém em um relacionamento será uma bela frustração.
Mas é preciso cuidado também, pois a falta de esperança pode se manifestar na prima do desespero: a acomodação.
Talvez você já tenha entendido que comer em restaurante por quilo quando se está faminto é uma péssima ideia. Mas greve de fome também não é o ideal. Talvez você já entendeu que não é uma boa ideia sair por aí dando tiro pra tudo quanto é lado, e resolveu simplesmente não sair mais. Sua vida se tornou uma grande maratona de Netflix. Talvez você se sente como aquele ratinho de laboratório que toma choque toda vez que encosta no queijo, e decidiu que queijos não foram feitos pra você. Às vezes o monte de ilusões e desilusões amorosas tenham te machucado e traumatizado tanto que você acha que já não vale a pena arriscar mais.
Você passa então a negligenciar muita coisa na vida e a sabotar a si mesmo pra não dar nenhuma chance pro romance brotar nessa pedra que hoje você chama de coração. Mas é bem possível que sua visão esteja viciada por traumas passados. E se você acha que seria sim uma boa ter alguém com quem passar os melhores e piores momentos da vida ao lado, está na hora de tomar uma atitude consigo mesmo. É bem possível que exista alguém pra fazer maratonas de Netflix com você, mas é apenas desligando a TV de vez em quando que você vai descobrir isso.
Há alguns meses, eu desliguei o Netflix. Não porque eu quis, mas porque meu primo me chamou pra ser padrinho de casamento (junto com minha mãe. Acontece). Com a família toda lá, um tio empolgou no microfone e foi listar os sobrinhos que ainda faltavam para casar. Não eram muitos. Na verdade eram 3. Tava fácil lembrar de todo mundo, mas ele se esqueceu de mim! Não sei se ele não percebeu, não sei se ele perdeu as esperanças comigo, não sei se ele simplesmente se esqueceu de mim.
Mas, independentemente dele, naquele dia percebi que eu já havia me esquecido de mim.
Naquele casamento vi meu primo, bem mais novo que eu, dizer sim à uma vida nova e empolgante com uma mulher incrível. Vi reciprocidade real entre eles, e vi como os dois, que já eram pessoas fantásticas sozinhas, se tornaram ainda mais fantásticos juntos. Cada um se esforçando para ser melhor para o outro, e cada um tornando o outro melhor neste processo também. Era tanta evolução que as novas temporadas de Pokémon até perderiam a graça.
Vendo isso tudo, parei um instante e vi que eu não estava tentando me tornar melhor em nada. Tava no modo “deixa a vida me levar”, e a vida tava levando eu. Não que eu estivesse me tornando um vagabundo, não que eu estivesse desencanado de qualquer cuidado com minha aparência, não que eu estivesse largado nas drogas, estivesse me trancando em casa ou coisa assim, mas eu simplesmente tinha me esquecido dessa ideia toda de como deve ser legal compartilhar minha vida com alguém. Eu havia me acomodado em meu trabalho, meu corpo, minhas ideias, meus projetos, meu conforto, e não havia deixado espaço para compartilhar nada disso com ninguém.
Já faz um tempo que entendi que esse padrão Disney de romance não faz sentido. Isso aconteceu principalmente quando resolvi ler a Bíblia de verdade, e descobri que Deus não predestina romances por aí. Na Bíblia há basicamente três casamentos arranjados por Deus, e a galera lembra apenas de Adão e Eva (que não tiveram muita escolha) e do romance bonitinho de Isaque e Rebeca para justificar essas teorias de que Deus prepara alguém especialmente para você. O problema é que se esquecem de Oséias e a prostituta com quem Deus o mandou casar. Aí a teologia Disney vai por água abaixo.
O Deus que aparece na Bíblia não fica shippando as pessoas assim. O Deus que abençoou o casamento perfeito entre Isaque e Rebeca é o mesmo que abençoou os relacionamentos bizarros de Jacó, de Davi, de Raabe, de Rute e de Maria. (Se você não conhece essas histórias, saiba que são basicamente daqueles tipos de relacionamento que você teria um pouco de vergonha de contar pra família.)
O Deus da Bíblia não faz o Rapaz A pra Moça A, o Rapaz B pra Moça B e por aí vai, porque o Rapaz A é pecador e pode resolver ficar com a Moça B, e às vezes o Rapaz B tá beijando o Rapaz Y, e a Moça B fica frustrada e resolve rodar o alfabeto inteiro. A gente é rebelde demais pra esperar os três apitos do micro-ondas, imagina então para seguir romances programados por Deus!
A vida real é mais crua, porém é mais bela.
Deus coloca um monte de gente na Terra e não nos predestina a ficar com alguém, pois se assim fosse, pra quê serviria o amor? É melhor que isso: Deus é o autor do amor e nos deixa escolher dentre bilhões de pessoas uma só pra amar de maneira especial. Imagino que Deus até dá um empurrãozinho vez ou outra, mas no final a escolha de amar e seguir adiante é nossa.
Na vida real, Deus não tem alguém feito para você, mas te convida a se preparar para amar alguém imperfeito para você. O amor te leva a olhar os defeitos e fraquezas de alguém e escolher, assim mesmo, seguir adiante. Toma essa, Disney.
No casamento do meu primo me lembrei dessas coisas. Naquele dia percebi que estava acomodado em minha missão de compartilhar minha alegria com alguém e de oferecer o meu ombro quando a alegria do outro lado faltar. Percebi que estava acomodado na minha missão de crescer como homem para fazer uma mulher crescer também. Percebi que estava acomodado na missão de poder abençoar as próximas gerações de um mundo rebelde com filhos que possam continuar o legado que carrego de meus pais. Percebi que estava acomodado na missão de sinalizar a este mundo de paixões descartáveis de que o amor nunca sai de moda.
Porém, mais do que acomodado na missão, eu estava acomodado também no privilégio de poder experimentar reciprocidade nisso tudo, e assim, entender melhor o que é ser amado de graça pelo próprio inventor do amor.
Me ver acomodado nisto tudo me lembrou de que não é preciso estar em um relacionamento para começar a amar a outra pessoa. Não é preciso nem conhecer a pessoa! Ações práticas e relação ao seu corpo, saúde, finanças, responsabilidades e, principalmente, à espiritualidade são jeitos de começar a amar a outra pessoa mesmo que ainda solteiro.
Ao invés de se sabotar, aproveite a oportunidade que você tem de estar sozinho para cuidar da sua vida a fim de oferecer o seu melhor ao outro. Aproveite a oportunidade para crescer como pessoa, assim você estará apto a aproveitar o melhor que o outro tem a te oferecer também.
Não acredito que existam tampas e panelas por aí, e sei que tem gente que talvez fique melhor sozinho mesmo, mas espero que você se desprenda de qualquer tipo de desespero ou acomodação, e que resolva perseguir a perfeição de caráter do inventor do amor.
Que quando a oportunidade surgir, você escolha amar com graça alguém imperfeito para você.
- Thales Rios tem 29 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.
Kenia Marisa
M A R A V I L H O S O ! Amei seu texto Thales (ri horrores, rs). É um desafio se permitir amar e ser amado, não é?! Mas com o próprio Amor deve ser menos assustador. Valeu !!!
Sonia
Ooouuu que que isso heim…. Belíssimo texto, louvado seja Deus! Pura edificação!
Heken Theodoro
Cara, eu tô impactada REAL. Primeiro que não estou acostumada a ver homens fazendo publicações como está (achei demais). Segundo que ratifica várias impressões e ações que tenho tido na vida e me fazem perceber que posso não tá acertando sempre, mas tô no caminho. Deus continue abençoando
Viviane Silva
Lendo o texto confesso que a primeira coisa coisa que me veio à mente foi: como assim esse cara está escrevendo sobre a minha vida? Isso me leva a ver que os problemas que a gente passa são mais comuns do que imaginamos. Obrigada por ter me feito pensar na vida de um jeito diferente.
rodrigo.
Houve um erro grotesco de digitação que pode cair em mãos erradas.
e às vezes o Rapaz B tá beijando o Rapaz Y, e a Moça B fica frustrada e resolve rodar o alfabeto inteiro.
Carla Elisa
Erro de digitação? Não, não… Acredito ser isso mesmo que você leu.
O que imuniza uma mulher de passar por essa situação? Ela pode acontecer.
Rodrigo
A sim, se for nesse âmbito realmente há possibilidades disso acontecer dentro desse mundo que “JAZ” ..I João 5:19,20.
Deus dá discernimento ao homem para a escolha dentro de sua palavra, podendo assim ter pedra no caminho e no caminho uma pedra.
Obrigado, Carla Elisa.
Patrícia Almeida
Excelente Thales! Edificante.
Bruno
Muito obrigado pela opinião honesta e insights pertinentes. Realmente, precisamos refletir assim sobre esse tema.
Thamiris
Que incrível. 😍👏👏
Sergio Junior
Poucas vezes lendo artigos você ri de gargalhar, fica reflexivo ao perceber que aquilo se encaixa em sua própria história de vida e quase chora (sim, “quase” pois homem não chora… Rsrs).
E todas essas reações em público, sim, pois, você está em pé no Terminal de Ônibus esperando a “boa vontade” do transporte público de sua cidade.
Mas que bom por esse tempo, pois foi possível ser agraciado por essas palavras; ser edificado, exortado e consolado por elas.
E assim avançamos, nAquele no qual “nos movemos, existimos e vivemos”.
Leonel Rabelo
Muito bom o texto Thales, muito edificante. Como muitos já falaram, esse texto é aquele texto q parece q é vc que está escrevendo, é a sua vida. Parabéns! Deus o abençoe
Carla Elisa
“O Deus que aparece na Bíblia não fica shippando as pessoas assim.” hahaha ri alto com essa frase.
Thales, que Deus continue iluminando sua vida para que assim você continue abençoando a outros, como tenho certeza qu está sendo esse post.
Gabriela Gomes
Excelent texto, Thales!
Nem comodismo e nem desespero, equilíbrio este que só encontraremos em Deus, quando descansamos nEle e aproveitamos as situações da vida que Ele nos proporciona 😉
Jessica Nayara
Thales, que bom ler seus textos 😉
Gelza Rosa
Excelente !!!! Estava limpando minha caixa de “spam” quando vi este texto e resolvi ler!!! Parabéns, me impactou muito!!!
Estou viúva faz 20 e alguns anos (porque casei nova e vivi pouquíssimo tempo casada) e já estava naquela : o que Deus preparou já foi, “então canta te alegra e fica na tua”, mas com esta reflexão pude ver que não, quantas oportunidades surgiram e deixei passar, porque “meu falecido marido era perfeito e eu não encontraria outro”. Muito obrigada por me fazer acordar e me convencer que eu me permita um novo relacionamento com alguém imperfeito. Muito obrigada!!!!
Thales Rios
Pessoal, obrigado pelos elogios e críticas!
É incrível ver como Deus tem usado essa plataforma e meus textos pra gerar tanta coisa legal em vocês!
Glórias a Ele por isso tudo.
Que, a começar em mim, a gente viva estas verdades e sinalize o Reino através de nossas vidas!
Deus abençoe cês tudo!
=)
Sara
Será q é o tempo que nos faz pensar assim!? Eu tbm com meus 29 anos percebi isso. Vlw por compartilhar.
Rosemberg
Que texto leve, descontraído e com bastante profundidade. Valeu Thales! Continue nessa proposta. Fui muito edificado! Forte abraço!
Érika Martins de Souza
Que texto incrível!
Gostei muito!
Parabéns!