Por Thales Rios

Dias atrás comecei a esboçar um texto para postar no blog. Estava chegando meu aniversário e achei que seria legal escrever algo sobre como o tempo passa e a gente não percebe. Semana passada fiz aniversário e aquele esboço também.

Sim, passou um ano e eu nem percebi! Aliás, faz mais de meio ano que não consigo terminar um texto. É muita correria de trabalho, de projetos, de igreja, de saúde, de compromissos, aniversários e velórios, e o tempo vai passando. Pra piorar minha situação, toda hora sai uma série nova e o canto das sereias que habitam meu sofá me faz naufragar ali na frente da TV todo finzinho de noite.

O tempo passa, o tempo voa e as novas gerações já nem sabem mais o que é a Poupança Bamenrindus. Quando perguntam minha idade eu tenho que fazer contas, e de repente chega uma carta em casa me dizendo que já é hora de renovar a carteira de motorista. Pela terceira vez!

Sinceramente não sei o que acontece: quando somos crianças parece que um ano demora, sei lá, um ano inteiro pra passar. Porém, mais pra frente na vida temos a impressão de que tem Copa do Mundo e eleições mês sim, mês não. Não sei se é o excesso de atividades e preocupação que nos faz perder a capacidade de ver o tempo passar, ou se talvez tem algum tipo de neurotransmissor da percepção temporal que evapora da cabeça um pouquinho a cada ano, mas só sei que nunca percebi antes como o Natal chega tão rápido depois do Carnaval.

Com essas coisas todas na cabeça, outro dia tive um sonho meio doido que tem a ver com isso tudo. Sonhei que estava apressado com alguma coisa qualquer e encontrei um amigo que tinha descoberto um jeito de ir para uma dimensão paralela. Ele me explicou que tínhamos que ir num beco e fazer um exercício de meditação por alguns segundos e assim iríamos parar nesta outra realidade. Apesar de todo meu ceticismo, resolvi tentar: fui pro tal beco, me sentei tipo indiozinho (só que flutuando, tipo Dhalsim), meditei por alguns segundos e quando abri meus olhos não entendi nada: tava tudo igual, só que diferente.

Parecia que eu não tinha saído do lugar, mas naquela realidade não tinha mais ninguém apressado e nem correndo. As coisas eram as mesmas, só que maiores. As pessoas eram felizes e tranquilas, o clima era mais gostoso e alguém veio me explicar que ali a vida era assim porque as dimensões eram maiores: o metro era maior que um metro e a hora era mais longa que uma hora.

Mano do céu: minha mente explodiu na piração nerd do continuum espaço-tempo e eu nem sabia o que pensar! Mas ao mesmo tempo em que desejava ficar ali de boas pra sempre, algo me inquietava e me fazia entender que não era hora de ficar ali ainda: eu precisava voltar pra minha realidade porque tinha algo de muito importante pra fazer no meio de toda correria e pressa da onde tinha acabado de sair. Eu só não sabia o quê.

Acordei tão frustrado quanto acordava na infância depois de sonhar que tinha ganhado fitas novas de Mega Drive. Eu queria voltar para aquela realidade, eu queria viver sem correria, eu tava muito brabo com esse tal de tempo. O tempo era meu inimigo número um.

O tempo nos afasta. Ele vem de mansinho e leva embora a intimidade que temos com nossos melhores amigos. Ele corta as horas que queríamos usar pra matar a saudade de alguém e corre pra nos tirar o prazer de ficar perto de quem a gente ama.

O tempo nos oprime. É o despertador tocando e você mal dormiu. É o micro-ondas demorando e já se passou metade do horário de almoço. É a pressão do prazo do projeto. É o boleto que você acabou de pagar e que o carteiro já trouxe a parcela seguinte no mesmo dia.

O tempo nos arrasta. Os anos passam e você não consegue acompanhar. As memórias evaporam, você se atrasa, o mês vira e parece que a Terra tá girando numa velocidade incompatível com tudo que você entende por relógio.

Mas apesar de toda revolta contra o tempo, temos que admitir: o tempo é inocente. O problema verdadeiro está na nossa relação com uma coisa chamada “vida”.

A frustração que temos ao não conseguir acompanhar a dinâmica da vida depois da infância nos faz terceirizar a culpa a uma mera dimensão do Universo. O tempo não é culpado pela nossa falta de foco no que importa, nem com nossa incapacidade de dizer não quando necessário. O tempo não é culpado por nossa bagunça e nem por nosso orgulho. O tempo não é culpado por nossa rebeldia e muito menos pelo nosso egoísmo.

O tempo não é o monstro que pensamos. O tempo é apenas limitado. E aprender a contar como são poucos os nossos dias é fundamental pra percebermos que só se vence o tempo fora dele.

É preciso aprender a enxergar a vida além do tempo.

É preciso aprender a olhar para o dinheiro e saber que ele é passageiro, e que não se leva um tostão daqui. É preciso aprender a enxergar que o trabalho é passageiro, e que toda gota de suor não importa do lado de lá. É preciso aprender a ver que o prazer é passageiro, e que não faz sentido viver em função dele. Ao mesmo tempo é preciso aprender a olhar para a dor saber que ela também é passageira e um dia acaba. É preciso saber que os bens são passageiros, e também a cultura, e a arte e a política. Nem mesmo o Universo é pra sempre.

Diante disso é preciso aprender a tomar atitudes que sejam eternas. É preciso aprender a cuidar do que se leva para além do tempo. É preciso usar nosso tempo para despertar os outros de que há algo maior que nossa frágil realidade temporal.

É preciso saber que existe algo além do presente, mas que é afetado pelas atitudes que tomamos agora.

Não sei se dá pra flutuar num beco em posição de indiozinho e ir parar num universo paralelo, mas sei que experimentar um segundo de uma realidade eterna é mais que o suficiente para se convencer de que a paz que buscamos pra vida só pode ser encontrada fora do tempo.

Que nós aprendamos que, acima de tudo, o tempo é passageiro, mas a vida não precisa ser.

  • Thales Rios tem 29 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.

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