Por Thales Rios

Vai ano, vem ano e eu continuo com uma dúvida que me persegue desde a minha infância: que raios Claudinho e Buchecha queriam dizer quando cantavam “controlo o calendário sem utilizar as mãos”? Sempre imaginei eles mexendo com o pé naquele calendário de parede horroroso que a gente ganha no açougue, ou talvez tivessem poderes de telecinese, ou talvez simplesmente conseguiram decorar qual mês tem 30 dias e qual tem 31 sem ter que contar nos ossinhos e vãos dos dedos. Vai saber! Quem sabe eles apenas escreveram isso em meio a um “delírio de jogar futebol”.

Mas outra coisa que me incomoda há um tempo é que chega essa época e eu começo a ver pelas ruas os carros com um adesivo de uma igreja escrito “2017 será o melhor ano da sua vida”. Todo ano é o mesmo adesivo, mudando apenas a data. Mas poxa, será que quem colocou o adesivo nesse último ano realmente acredita nisso? 2016 não foi dos anos mais fáceis não.

Em 2016 tivemos tanta coisa ruim acontecendo ao mesmo tempo que sinto muita pena dos jornalistas que trabalharam na retrospectiva. Eles irão precisar de uns 10 anos de terapia depois de relembrar toda a maluquice de crise financeira, brigas políticas, desastres, guerras e tudo mais que  nos tirou o sono e a paz nessa última volta ao redor do Sol. E não bastando os 365 dias de desgraça, o ano ainda foi bissexto!

O tempo todo fomos bombardeados por más notícias: toda manhã eu ligava a TV no jornal e não saía pro trabalho antes de completar meu bingo mental com as palavras “Crise”, “Petrobras”, “Cunha”, “Lula”, “Lava-Jato”, “Impeachment” e “Desemprego”; chegava na empresa e o assunto era o estupro coletivo da menina no Rio, avião da Chapecoense caindo na Colômbia e mais um ataque terrorista na Europa; voltava pra casa cansado de tanta notícia ruim e descobria que os grupos no Whatsapp haviam se tornado os obituários oficiais de gente famosa: todo dia era a notícia de mais um artista que partia dessa vida.

Quando foi mesmo que o mundo virou um grande especial do Cidade Alerta?

Sempre concordei com a frase que diz que “todo otimista é um pessimista mal informado”, mas acho que em algum momento de nossa busca por uma vida sem alienação acabamos por nos embrenhar no outro extremo da informação: nos alienamos do bem.

Desde que Adão e Eva fizeram o favor de contaminar tudo com a maldade o mundo está caído e descendo ladeira abaixo, e não é surpresa nenhuma que tanta coisa ruim tem acontecido por aqui: assistimos indignados a absurda guerra na Síria, mas vivemos brigando uns com os outros por motivos extremamente banais; lamentamos a separação de casais famosos, mas traímos e incentivamos todo tipo de safadeza em prol de uma liberdade que apenas escraviza; acusamos nossos políticos de corrupção, mas a honestidade não tem dado muito as caras por aqui ultimamente; denunciamos a hipocrisia nos púlpitos, mas causamos divisão até mesmo dentro de casa por não sabermos lidar com nosso orgulho.

É muito ódio, é muita safadeza, é muita irresponsabilidade, é muita ganância, é muito ciúmes, e o pior de tudo: é muito natural.

Nada disso deve nos surpreender porque sabemos bem que essa é a natureza humana, caída, perdida e devastada por ela mesma. Tudo que vemos, ouvimos e conversamos nos afeta e nos leva a desesperar ainda mais. Mas não precisa ser assim: saibamos enxergar os sinais do que nos traz esperança.

Neste último ano comemoramos quando cientistas e inventores permitiram que daltônicos enxergassem toda a beleza de flores pela primeira vez e, além de vários outros avanços contra o câncer, diabetes e doença de Alzheimer, vimos pessoas que sofrem com doença de Parkinson conseguindo comer sozinhas usando fantásticas colheres adaptadas que não tremem. Vimos policiais abandonarem seus postos para socorrer cachorro que estava passando mal e ajudar idoso a atravessar a rua. Vibramos com nossos atletas superando toda dificuldade e ceticismo e trazendo medalhas, recordes e orgulho para nosso país tão sofrido. Nos emocionamos com médicos permitindo um cachorro visitar um paciente terminal, nos inspiramos com igrejas construindo casas para os membros mais pobres, nos alegramos com brasileiros concorrendo a Nobel, Oscar e até prêmio de melhor jogador de video game do mundo.

E tem muito mais que não aparece nos jornais: teve gente fazendo as pazes depois de anos sem se falar; teve gente alimentando quem não tinha o que comer. Teve cachorro rolando na grama. Teve festa de aniversário surpresa. Teve mensagem de madrugada falando que vai ficar tudo bem. Teve criança nascendo. Teve risada. Teve música boa. Teve comida boa. Teve piada ruim. Teve amor onde nunca se imaginou.

Até mesmo em meio à desgraça e à dor, se soubermos procurar, enxergaremos coisas boas. Neste ano tivemos a trágica queda do avião vitimando a equipe da Chapecoense, além de jornalistas e tripulação, e em meio à lamentação pelas falhas humanas e pelos sonhos despedaçados, encontramos um povo que não tinha a mínima obrigação de se comover conosco, mas resolveu nos dar um abraço maior que a tragédia que nos acometeu.

Nós focamos tanto no que há de mau no mundo e perguntamos onde Deus está quando a realidade nos bate com os dois pés no peito, mas é porque somos orgulhosos demais para assumir que a culpa, enquanto humanidade, é sempre nossa. Basta descer um pouco desse nosso pedestal para que possamos reconhecer que Deus está, desde sempre, trabalhando ativamente pra nos trazer esperança apesar das consequências que nossas más escolhas produzem. Basta abrir os olhos para enxergar o quanto há de bom no mundo apesar de nossa natureza caída. E melhor que isso: quão doce é a esperança ao saber que estes são apenas pequenos sinais da paz eterna que nos foi prometida.

Não sei se 2017 será o melhor ano da sua vida e duvido que usar um adesivo no carro dizendo isto vá facilitar alguma coisa, mas torço para que nos próximos 365 dias saibamos ser gratos: que a gratidão nos encha de esperança ao crescermos um pouco mais nas piores dificuldades, e que a mesma gratidão nos inunde pela graça de receber o que é bom sem que mereçamos.

Que a esperança de um ano melhor não se baseie nesta nossa humanidade caída, mas nos sinais de que há alguém trabalhando para redimir o que parecia não ter mais conserto.

Thales Rios tem 28 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.

Foto: Brigitte Tohm/ Unsplash

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