Altos Papos: Grafite, arte e preconceito
Cleverson Paes Pacheco, conhecido como Café, tem 31 anos, é de Curitiba, PR, e trabalha com grafite há cerca de dezesseis anos. É professor no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e voluntário em projeto social de sua igreja, The Blessing Church. Ele acredita que trabalhar com o grafite é uma forma de mostrar como Deus se revela por meio da arte. Além disso, Café encontrou nesse caminho a possibilidade de valorizar a beleza negra e combater o preconceito.
Quando e como foi a transição desse dom artístico para um ministério?
O que aconteceu foi um entendimento do grafite como parte do ministério que Deus me deu, ou seja, entender que esse dom criativo vem dele e é para ele e usar disso para transmitir uma realidade espiritual para a vida dos observadores.
Por que o grafite foi “a arma” que você escolheu para a batalha contra o racismo?
A população negra é retratada pelas mídias sempre de forma subalterna e inferiorizada. Então, para ajudar no processo de reconstrução da identidade da população negra, comecei a retratar homens, mulheres e crianças negras para que eles vejam como são belos, como nossa estética é bela, como nossa origem é importante.
Foi o grafite que me escolheu. Desde pequeno eu gostava de ampliar desenhos de gibi; quando conheci o grafite e vi a possibilidade de criar meus desenhos, de pintar na rua em lugares maiores, isso me encantou. O grafite é minha maneira de dizer a todos que somos belos também e podemos estar em lugares de visibilidade.
Você acha que é preciso discutir sobre racismo na igreja? Por quê?
Acredito ser muito necessário. A igreja, ao longo do tempo, tem reproduzido racismo, pois vivemos numa sociedade racista. Formada por seres sociais, a igreja reproduz esse mesmo racismo, muitas vezes sem perceber. Precisamos discutir, sim, e dar voz aos tantos negros dentro de nossas igrejas. Já ouvi muitas piadas racistas dentro das igrejas e até mesmo de púlpito. A igreja precisa entender que racismo não é piada, a dor do outro não pode ser motivo de piada e termos racistas não devem ser pronunciados e reproduzidos.
Na sua opinião, como a igreja percebe a arte?
Muitas vezes dentro das igrejas a arte é usada apenas de forma funcional. Por exemplo, a arte do grafite, que é considerada boa apenas quando usada para o evangelismo. Não há incentivo por parte das igrejas para que as pessoas sejam artistas, estejam nesse meio para influenciar e revelar o Cristo por meio do fazer artístico. Precisamos que dentro das nossas igrejas surjam bons atores, cineastas, escritores de ficção, escultores e pintores, por exemplo.
Como a cultura de rua pode contribuir para a expansão do evangelho?
A cultura de rua aproxima a igreja da rua. As expressões artísticas de rua de periferia comunicam e revelam o reino de Deus de maneira fácil de ser entendida para leigos na fé, servindo como forma de abrir diálogo e falar de Cristo de maneira informal.
Qual a sua missão pessoal?
É trazer libertação e restauração da identidade de muitos dos meus irmãos; revelar, por meio da arte, que um Deus bom nos criou, não nos esqueceu nem errou conosco, ao contrário do que sempre ouvimos. Minha missão é levar o amor de Cristo por meio da arte a todos os cantos.
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Galeria de obras de Cleverson, o Café
Texto do Conselho Editorial Jovem, publicado na edição 362 de Ultimato