Neymar, nem eu, nem você
Por Thales Rios
Milhares de pessoas em pé ao redor de um campo. Bilhões de pessoas ao redor do mundo sentadas na beiradinha do sofá e estrangulando a almofada. Dez companheiros ajoelhados. Onze rivais secando. Quarenta e quatro metros de caminhada. Ele pegou a bola, deu um beijo no seu primeiro grande amor e a repousou a onze metros do abismo entre o sucesso e a maldição. Um som de apito. Todo mundo quieto e eu afirmei “Eu não queria ser o Neymar hoje”.
Como 99% dos brasileirinhos, eu também sonhei ostentar a camisa 10 e a braçadeira de capitão da Seleção. Eu vi Raí, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká carregarem o peso desse número nas costas, eu vi Dunga e Cafu ensinarem que a liderança vai muito além de um pano azul enrolado no braço direito (e vi Thiago Silva mostrando que essa responsabilidade não é pra qualquer um). Eu vi o futebol brasileiro ser motivo de piada em vários Jogos Olímpicos. Eu vi o 7×1 dois anos atrás. E agora eu e todo mundo víamos em Neymar a esperança do único título que faltava em nossa prateleira futebolística.
Ele já tinha feito um golaço, já tinha dado vários passes geniais, já tinha quase feito outro gol, já tinha batido no peito e encorajado os outros jogadores antes dos pênaltis e ficou com a cobrança mais difícil de todas. Qualquer coisa menor que a perfeição e tudo que ele havia feito não valeria de nada. Nem o Neymar queria ser o Neymar naquela hora.
Mas ele respirou, correu, bateu e o Planeta Terra deu uma chacoalhada com tanta gente pulando ao mesmo tempo. Eu dei um pulo, gritei “AEEE BRASIL!”, e já aproveitei pra falar tchau e correr porque estava 15 minutos atrasado pra dar um estudo sobre soteriologia na igreja (parece chato, e é mesmo, mas a gente fez ficar legal lá).
Enquanto dirigia o carro, não conseguia tirar da cabeça a imagem do Neymar comemorando o ouro sem marra nenhuma, agradecendo a Deus ao mesmo tempo em que soluçava de tanto chorar com a cara enfiada na grama. Não via a hora de voltar pra casa e terminar de assistir a cerimônia de premiação com todos aqueles caras que deram um pouco de alegria pra um povo tão sofrido como o nosso. Cheguei em casa, abri o celular e vi uma bela foto do Neymar com uma faixa escrito “100% Jesus” na testa e a legenda “Neymar diz ‘Vocês vão ter que me engolir’, parte pra cima de torcedor e o manda tomar naquele lugar”. Eita, Neymar…
Ao invés dos melhores momentos com dribles, passes e aquela cobrança de falta que até Rogério Ceni aplaudiu de pé, tudo que vi era o tamanho da incoerência desse rapaz que carrega Jesus na testa mas manda o próximo ir tomar lá. Os piores momentos dele, curiosamente, transformaram tudo que ele fez em nada mais que a obrigação. Eu não queria ser o Neymar mesmo.
Imagino como deve ser pesado ter vigilância 24 horas sobre sua vida. Imagino como deve ser conversar com seus colegas de trabalho tampando a boca porque vão fazer sua leitura labial mais tarde no Fantásico. Imagino como deve ser animador não conseguir dar um passo pra fora de casa sem tomar flash na cara. Imagino ter amigos que se importam mais com o que tenho do que comigo. Imagino muita oferta de sexo e nenhuma de amor. Imagino o Galvão Bueno me ligando Domingo de manhã. Imagino ter dinheiro suficiente pra me esquecer de Deus.
Imagino todos os meus pecados em destaque na capa do UOL.
Não estou defendendo o que o Neymar fez de errado, mas é muito fácil falar do pecado alheio quando ninguém sabe do nosso. É muito fácil apontar os erros dos outros, mas é bem complicado abrir nosso armário e deixar todo mundo ver o tanto de esqueletos que temos guardado durante nossa vida. Eu gosto de imaginar que no Juízo Final vai ter um enorme telão onde vai passar, humano por humano e pra toda a humanidade, tudo o que nós fizemos de errado por aqui. Imagina só passando todas as mentiras que nós contamos; imagina só passando um close de todas as vezes que olhamos pra bunda de alguém; imagina só passando todos os pensamentos de ódio que guardamos pra nós; imagina os históricos de internet que deletamos; imagina as brigas que tivemos; imagina a desobediência aos pais; imagina a indiferença com quem precisava; imagina a propina; imagina a avareza; imagina a sonegação; imagina a preguiça; imagina as vezes em que pensamos “vocês vão ter que me engolir”; imagina as vezes em que falamos “Deus te abençoe”, mas nosso coração gritava “Vai tomar no meio do…”.
Imagina se todo mundo soubesse como todo mundo é ruim.
O mesmo Jesus que Neymar amarrou na testa disse uma vez que é importante tirar a trave do próprio olho antes de querer enfiar o dedo no olho alheio pra mostrar que tem um cisco lá. O meu erro não anula o erro do outro, mas perceber que também erro me move a agir com amor quando vejo o outro errando também.
Cada um à sua maneira e segundo as suas fraquezas é atraído pro mal. Mais cego é aquele que só vê o mal no outro. E eu demorei muito pra aprender isso.
Minha vida inteira fui rotulado como menino 100% Jesus e por muito tempo eu tentei sustentar essa imagem, mas não existe super crente e eu passo bem longe disso. Me dá medo saber que muita gente me enxerga assim porque de certa maneira eu viro um ídolo, e daí pra virar um Judas sendo malhado em praça pública custa apenas um erro descoberto. E eu finjo muito bem, gente.
Pior que os erros que cometemos, é o erro de interpretação de texto quando lemos a Bíblia. Há muito, muito tempo atrás um tal de João Ferreira de Almeida, português gente boa, traduziu a Bíblia pro Português, e ele escolheu uma palavra bonita pra explicar o que temos que fazer quando virmos alguém pisando na bola: exortar. O problema é que todo mundo acha que exortação é sinônimo de bronca, chamar atenção. Mas não, procure aí no seu dicionário. Exortar significa animar. Simples assim.
Pra cada “não faça isso” da Bíblia, existe um “mas faça desse jeito que é bem melhor”. Nossa função não é a de apontar o dedo e levantar pedras pra condenar o erro dando bronca na pessoa, mas sim a de chegar no outro e falar “Ei, mano, assim dá ruim. Vamos tentar desse outro jeito na próxima?”. Não tem nada mais eficiente pra parar de errar do que tentar acertar.
Nossa decepção com o erro do outro vem na mesma proporção que nossa expectativa. Mas o erro maior está em esperar algo de bom de gente que tem uma natureza tão corrupta e enganosa quanto a nossa. Esperar de um humano qualquer coisa além da natureza humana é idolatria.
E isso conta não só pro Neymar ou pra mim, mas pra você, pro pastor da igreja, pro padre, pra freira, pro faxineiro, pra empregada, pra sua mãe, pro professor, pro presidente e até pro seu vizinho ateu. Não existe gente perfeita, mas também não existe caso perdido. Somos todos barro, constantemente sendo moldados, mas teimosos em continuar rachando.
Que no dia do Telão Final, depois de toda a humanidade assistir os nossos piores momentos, Jesus delete esse arquivo e diga: você fez muita besteira, mas vem cá que você é 100% meu.
• Thales Rios tem 27 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.
sarah
Que texto maravilhoso, é horrível criarmos expectativa nos outros, esperar que eles sejam perfeitos se todos nós somos iguais com a nossa natureza humana depravada, temos mesmo que é exortar as pessoas no amor e não julgar, apontar erros não fará com que a pessoa melhore.Lições que sei que devo aprender.
Bruno
Cômico e intrigante texto. Parabéns pelo texto.
Roberto Moléculas
Muito bom mesmo. Revelando a humana alma humana.
Grato
JEAN CARLOS DE MEDEIROS
Somos assim mesmo, ótima matéria.
Luiz Fernando
A mesma ladainha de sempre. Não apontar os erros dos outros porque nós temos os nossos. Coisa infantil e inócua. Um cara que vive nas baladas, mulherengo, engravidou e fez filho que testemunho tem para dar para os jovens evangélicos? Que padrão demonstra de cristianismo? Paulo disse ao Jovem Timóteo; “Seja o padrão dos fieis na Palavra, no trato etc. etc.” Quem é mais visto mais cuidado deve ter em seu testemunho, caso contrário vira motivo de escárnio para o evangelho. Se apontar o erros do outro é falta de amor, então Paulo e o Senhor Jesus nunca experimentaram o amor. Disse o nosso Senhor Jesus: “Julgai segundo o reto juízo”.
Samuel Silveira
Parabéns, ótimo texto!
Quando vi o Neymar com aquela faixa na cabeça “100% Jesus”, pensei comigo, como pode um cara que curte várias festas repletas de mulheres, um cara badalado, colocar uma faixa desta! Isto que pensei, foi antes de ter ocorrido a discussão com o torcedor, mas depois da discussão fiquei ainda mais perplexo com a situação! Dai pensei comigo, mas quem sou eu para julgar e deixei para trás.
Agora lendo este texto, concordo plenamente como deve ser difícil a vida do Neymar! Não queria estar na pele dele também! Mas enfim, que Deus possa o abençoar nesta caminhada difícil!!
Dinorá Bomfim
Simplesmente maravilhoso… Mostra exatamente a humanidade da nossa alma.
Prefeito!!!
Deus continue te abençoando.
André Luiz de Oliveira Gomes
Acho a crítica válida até para que possamos ter noção do preço que temos que pagar, isso mesmo, seguir a Cristo tem ônus. O problema é que confundimos crítica com julgamento (ops! Será que dá para separar?). Parabéns pelo texto, me fez pensar um pouco mais sobre a minha crítica ao Neymar. Quanto aos meus pecados, é melhor deixar pra lá…
Nardelli
Muito bom! Usarei na reunião de Discipulado!
ALBERTO
que texto!!!!!!!!parabens!!!!!!!!
Junior Churros
Boa, Thales.
Continua nessa vibe que está mandando bem!
Seus posts são sempre bem vindos…
Um forte abraço.
Ana Maria
Gostei muito e concordo. Mandou bem mesmo. Também sou professora de EBD ou melhor, na minha Igreja só ED (Metodista). Parabéns!!!!
Gabriel Danilo
Que texto maravilhoso foi esse rapaz!
Vontade de imprimir umas cópias colar uma no meu espelhor e distribuir as demais pra todo mundo que encontrar.
Ricardo
altas reflexões, um bom motivo para sermos mais misericordiosos uns com os outros.