Ult_Jovem_06_11_15_leviata_pqPor Gabriel Brisola

CINEMA

Jó era um homem temente a Deus. Tinha riquezas, filhos, posses e andava de modo reto na terra. Certa feita, em um encontro improvável, Satanás lança um desafio a Deus: a fidelidade do homem é precária, frágil, basta tocar em Jó que ela se esvai, perdida em dor e tragédia. Satanás andava perambulando pela terra, talvez se aproveitando dos caminhos tortuosos do homem, encontrando oportunidade para disseminar sofrimento e morte através daqueles que habitam as cidades. Talvez a fidelidade de Jó fosse em decorrência de Deus tê-lo abençoado; caso Deus permitisse a miséria, Jó poderia mostrar-se infiel e vão como todos os outros homens.

Satanás tomou tudo o que era dele, sua família, suas posses e sua saúde. Entregando-se ao pó, Jó rasgou suas vestes e raspou a cabeça, em sinal de luto. Não haveria de culpar Deus nem mesmo sua própria sorte. Não havia motivos aparentes para tal destino em sua vida. Jó não tem escolha, a não ser encarar o abismo em que sua vida se tornou.

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Leviathan é um filme russo, de 2014. Concorreu aos principais prêmios do cinema e foi considerado um dos melhores filmes do ano passado. Como é de costume, recebemos a obra com um pouco de atraso, após a passagem por festivais mundo a fora.

Kolya é um mecânico que mora com sua segunda esposa, Lilya, e seu filho Roma, em uma pequena cidade no interior da Rússia. O prefeito da cidade quer expropriar sua casa para, aparentemente, erigir uma torre de comunicação. Ao que parece, Kolya e seus familiares erigiram a casa com suas próprias mãos e o protagonista não abre mão do trabalho de sua família. Dima, advogado e amigo do protagonista, vêm de Moscou para cuidar do caso, que toma proporções enormes, tendo em vista a pressão vinda das autoridades locais sobre Kolya.

É difícil falar mais acerca da história: qualquer detalhe revelado pode estragar a surpresa dos acontecimentos, que são muitos no filme. Porém, algumas coisas podem ser ditas brevemente acerca do que efetivamente acontece na história.

A narrativa expõe alianças nefastas entre o prefeito, a polícia, o judiciário e a igreja. Tais conexões são claras, como quando o protagonista vai à polícia, junto a seu advogado, para denunciar um ataque pessoal do prefeito e, chegando, não encontra oficial algum que possa atendê-lo, muito menos alguém que possa auxiliá-lo nesse momento. As figuras de autoridade são peças no jogo do prefeito e seus capangas. Ao mesmo tempo, quando chamado ao tribunal para ouvir o veredito sobre sua propriedade, é tomado por uma enxurrada de termos técnicos jurídicos, pronunciados em velocidade burocrática e mecânica: o sistema passa por cima das pessoas de forma cruel. Nesse jogo, a igreja age como legitimadora dessas forças, o sacerdote aconselhando o prefeito a exercer a força que vem, supostamente, do próprio Deus.

Mas ainda há outro lado da história. Nessa cidade, entre os amigos de Kolya e os moradores subempregados, as mulheres são tratadas de forma cruel e machista, o protagonista sendo um desses que vive uma relação de desprezo por sua própria esposa, tratando-a como objeto em diversos momentos. A violência às mulheres está enraizada nesse vilarejo e o espectador se surpreenderá com a sensibilidade com que o diretor trata essa temática.

A cidade parece um lugar esquecido por Deus e dominado pelos homens em sua força e alianças com a igreja e o capital. Um lugar que, infelizmente, parece um tanto com nosso Brasil.

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A história de Jó encontra um final inesperado. Após as discussões com seus “amigos”, rechaçando-os um após o outro, que o acusam de pecado e outras coisas do tipo, Deus se manifesta a ele. Jó é concedido uma audiência com Deus: coberto de cinza e com as vestes rasgadas, encontra Deus.

Jó tinha boas razões, penso eu. Compartilho de suas queixas, apesar de não fazer ideia da imensidão de seu sofrimento. Deus, ao invés de responder suas perguntas, escolhe outra abordagem. “Jó, levante, agora é minha vez de lhe inquirir.” Em um discurso que revela a grandeza e a soberania de Deus sobre todas as coisas, Jó é confrontado com sua própria pequenez diante de um Deus que não se faz surdo ao grito do miserável. Não lhe é dada a sabedoria das coisas misteriosas e profundas, como a fonte de seu sofrimento ou o propósito de sua dor. Tais coisas são demais para Jó, são demais para nós.

Kolya perde tudo. Não estrago o filme ao contar esse fato. O protagonista é enredado em uma tragédia como poucas, fruto da maldade do homem. Ao andar pelo vilarejo, bebida em mãos, desconsolado, encontra um piedoso sacerdote que carrega pães para distribuir aos pobres. Questiona o religioso acerca de Deus e de seu sofrimento, se ser crente o livraria de tal sina. O homem evoca os versos de Jó (41:1-2,34): “Você consegue pescar com anzol o Leviatã ou prender sua língua com uma corda? Consegue fazer passar um cordão pelo seu nariz ou atravessar seu queixo com um gancho? (…) Com desdém olha todos os altivos; reina soberano sobre todos os orgulhosos”. O sacerdote o aconselha a resignar-se ao seu destino, afinal Jó ainda viveu para ver as gerações de sua família florescer.

Mais cedo no filme, Roma, filho do protagonista, foge de casa e sai correndo pela costa, encontrando o esqueleto de um grande peixe, ao lado qual se põe a chorar. O Leviatã foi finalmente morto. Tudo o que atraca naquela terra infértil torna-se pó. Quais forças a maldade do homem não consegue subjugar?

Jó, por fim, viu a Deus e seu encontro com Ele trouxe paz a sua vida. A mera presença de Deus, e aqui digo num sentido concreto, não espiritualizado da coisa, traz descanso e alívio ao sofrimento de Jó. O próprio Deus mostra suas feridas aos homens, caminhando ao lado deles, mesmo em seus piores destinos. Não é explicado o sentido do sofrimento, mistério muito profundo para qualquer ser humano. Ao invés disso, Deus oferece a si próprio como consolador das mazelas humanas.

Kolya, ao que parece, não encontra Deus no final de sua jornada. Encontra dor, profunda dor de ter sido privado de tudo o que lhe era mais valioso. Encontra um sistema que o massacra, e um deus que apoia os poderosos no exercício do poder e na servidão ao capital. A única liberdade está no mar, aonde o Leviatã pode viver em liberdade; mas assim que coloca os pés nesse chão, só a miséria e a tragédia o acompanham.

A história de Kolya, e também de Jó, nos deixa atormentados. Deus se opõe aos projetos de poder, sejam eles em nome da Igreja ou em nome de Satanás. Em meio ao sofrimento de uma realidade cruel e desigual, aonde os poderosos enriquecem a custa dos mais fracos, Deus mostra suas feridas e nos encoraja a confiar e a caminhar com Ele. Que tais histórias nos levem a buscar a “Shalom” de Deus, na esperança de ver o Reino estabelecido aqui e nos cantos mais miseráveis dessa terra. Que nosso silêncio em meio à dor possa ser acompanhado por uma esperança ativa, que proclama a justiça e a verdade de um Deus justo e sofredor.

• Gabriel Brisola tem 24 anos, é formado em jornalismo e atua como fotógrafo.

  1. ESPERO PODER SEMPRE APRENDER ENTRE TUDO QUE OCORREM SIMULTANEAMENTE,POIS A CADA DIA,HÁ UMA GRANDE TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO LITERALMENTE. SABENDO QUE AS DUAS FORÇAS FÍSICA E ESPIRITUAIS,ANDAM JUNTAS ! HOJE COMO TEMOS VISTO,COM A GLOBALIZAÇÃO OUVE UM GRANDE INTERCÂMBIOS ENTRE OS POVOS.NOS DIAS DE HOJE,É MUITO IMPORTANTE QUE TENHAMOS DIVERSAS INFORMAÇÕES PARALELAS ,PARA MELHOR NOS ATUALIZARMOS .

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