Palhaços ou cadáveres?
Palhaço! Era o que respondia na idade de criança quando lhe perguntavam sobre sua futura carreira. Não acreditavam, seu pai e mãe, não levavam a sério. Errou por pouco. Era bancário. Mas, num belo sábado decidiu desobedecer. Vestiu suspensórios, um nariz vermelho, um rosto branco e algumas bolas coloridas.
Foi até o semáforo. Observou os carros passar. Vermelho. Foi até o meio da rua. Jogou as bolas ao ar, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Passou a procurar as bolas, que se meteram debaixo dos carros. Quando estava para pegar a última: verde. Estava lá no meio da rua e ouvia as buzinas. Era atormentado por elas, cercado, inundado, surrado. Críticas. Caiu – desta vez ele. Observou os carros passar até parar e engatinhou por entre eles para a longínqua calçada. Talvez não precisassem de palhaços no semáforo.
Decidiu tentar novamente no domingo. Saiu para o maior centro social de seu tempo, o grande mercado globalizado diminuído em versão local, ainda com nome estrangeiro, shopping mall. Empurrou a porta, mal notado, mesmo com suas cores. Dirigiu-se à grande feira mundial de comidas. Jogou as bolas para o alto, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Recolheu-as e jogou novamente. Uma caiu em sua mão, outra na outra, a terceira… Recolheu-as. A primeira – mão –, a segunda – mão –, a primeira – ar –, a terceira – mão –, a segunda – ar –, a primeira – alguém lhe esbarra e as bolas caem no chão. Quando recolheu as bolas pela terceira vez, olhou ao redor. Seus olhos não encontraram nenhum outro. Eram todos máquinas sem luz, programados para ouvir e ver apenas o que aprazia ao shopping. Foi para casa.
Obstinado, acordou na segunda-feira sem descanso. Seria palhaço de novo. Vestiu o suspensório, o nariz vermelho, o rosto branco e as bolas coloridas. Entrou no prédio, no elevador. Sexto andar, o escritório. Telefones e passos no carpete bege. Camisas brancas enfeitadas por gravatas cinzas. O mesmo som, repetido, repetido, repetido: “Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde”. O palhaço olhou para as cores em sua mão. Elevador; último andar; escada e teto. O palhaço observou o movimento embaixo, carros em linha, na mesma direção – cinza, preto, branco, prata. Inclinou um pouco para frente e deixou o peso do corpo fazer o resto.
O mundo não quer saber de palhaços, apenas de cadáveres – e quanto se pagará por caixão e lápide, conjunto promocional.
• Levi Agreste, 24 anos, graduado em Letras pela Unicamp, leciona em três escolas da região metropolitana de Campinas, faz parte da coordenação da ONG Soprar e escreve no blog umanovaviagem.