Qual é o “lado bom da vida”?
Há dois anos aprendi que a escolha “o livro ou o filme?” não é tão pertinente, porque livro e filme são artes diferentes.
A palavra “adaptação” já deixa pistas de que uma história foi passada de uma plataforma para outra, portanto não é possível que sejam idênticas. E, sinceramente, é bom que não sejam. É claro que há quem goste mais de um e quem goste mais do outro, e que a comparação entre os dois sob a ótica da história original – normalmente o livro – é inevitável. Mesmo assim, o que proponho aqui é deixar de lado os rótulos de “melhor e pior”.
Li “O Lado Bom da Vida” e, depois de assistir ao filme com o mesmo título, completei meu aprendizado: livro e filme não são apenas artes diferentes, eles contam histórias diferentes. O livro de Matthew Quick e o filme de David Russell contam duas histórias que tem muito em comum, mas não a mesma história. E ambas me encantaram.
Não pretendo fazer uma comparação entre livro e filme. Aqui, me contento com a tentativa de provocar nos que leem este texto a vontade de devorar o livro como eu devorei e propor algo diferente sobre o falso dilema livro versus filme.
O romance de Matthew Quick, publicado no Brasil em 2013, pela editora Intrínseca, conta uma história de amor e loucura. Pat Peoples é o personagem principal e narra sua biografia. Ele é um homem de 34 anos que acaba de sair de um hospital psiquiátrico e não se lembra dos acontecimentos anteriores à sua internação. Ele não sabe que quatro anos se passaram desde que foi levado para o “lugar ruim” e ainda tem esperança de reatar com sua ex-mulher. Assim, tudo o que Pat faz é em função do fim do “tempo separados”. Enquanto tenta se acostumar à rotina fora do “lugar ruim”, Pat conhece Tiffany, a cunhada de seu melhor amigo, e ela passa a fazer parte de sua história. Assim como Pat, ela teve sérios problemas emocionais e psiquiátricos após a morte trágica de seu marido e os dois desenvolvem uma amizade incomum.
A maneira como Quick personifica Pat e conta a história é incrível! O livro inteiro é narrado com uma sinceridade ingênua que a princípio me deixou desconfortável. Uma pontinha de “vergonha alheia” se formava a cada página e cheguei a desconfiar da capacidade do escritor. Mas entendi que Pat conta sua história como ele a viveu e não como ela “deveria ser contada”. Pat explica que “agora está vivendo seu próprio filme” e por isso não gosta de ir ao cinema. Ele não deixa de lado as situações constrangedoras e não se esforça na métrica, o que importa é que sua história seja real. Cheguei a questionar o tempo que gasto para escrever uma crônica ou colocar as sensações no papel e sobre quantas vezes desisti de fazer isso porque o texto não estava bom. A história que Pat narra é imediata, é como contamos um caso ou pensamos na vida e ainda assim, é pura poesia.
Pat e Tiffany se entendem. Eles conhecem um ao outro como conhecem a si mesmos. E entendem as “pessoas normais” de um jeito profundo e inocente, que só a sensibilidade dos dois “problemáticos” permite. Os diálogos entre eles são muito ricos e me colocaram contra a parede: “qual foi a última vez que me permiti conversar assim com alguém?”. O relacionamento entre os dois personagens principais envolve mentiras, mas ainda sim é como se eles estivessem nus, como se não se envergonhassem de quem são – e tudo o que isso implica.
O lado bom da vida, no final das contas é a rotina. Pat espera por uma reviravolta dramática no filme de sua vida, mas percebe que a vida real não é um filme e essa é a graça de vivê-la! No livro, as histórias de Pat Peoples e Tiffany Maxwell não são contadas, são vividas.
Dica: a narrativa de Pat me fez lembrar outros dois romances: “As Vantagens de Ser Invisível” e “O Menino do Pijama Listrado”. Ambas as histórias são narradas sob perspectivas muito específicas e inusitadas, assim como “O Lado Bom da Vida”.
Nota: Texto publicado originalmente no blogsempauta, blog da Cria UFMG.
• Clara Lenz César Bontempo é estudante de Publicidade e Propaganda na UFMG e conhece Ultimato desde criancinha.