Interstelar: não há nada de novo na terra
“Interstelar” é a novidade do momento. Não preciso citar cifras ou outros dados, é só ouvir os corredores ou as vozes no Facebook e Twitter. O filme está sendo muito bem divulgado pela mídia e pelos próprios espectadores. E merece: pelos seus méritos visuais, científicos e cinematográficos. Você mesmo deve ter visto a obra e ter pensado ser ele um dos melhores filmes que você já viu. Bom, vamos pensar um pouco acerca disso. Primeiro os méritos.
Méritos
É um filme de primor visual. Assistir ao filme é um prazer enorme, o espaço na tela é a conquista da imaginação do espectador, é a fascinação que o mistério exerce sobre o homem. A tecnologia nos proporciona aumentar as fronteiras do conhecimento e daquilo que podemos ver/imaginar. O cinema é parte dessa máquina que desafia nossas vistas, nos ajudar a visar outros mundos/realidades. O espaço é um desses lugares que o cinema gosta de investir para agitar nossa percepção, investindo no fantástico para nos cativar. Mas ao invés de explorar a liberdade proveniente de nosso desconhecimento, Christopher Nolan, o diretor, decide ater-se às descobertas da física de da ciência, tornando o filme ainda mais interessante nesse aspecto.
Diversos cientistas elogiaram o filme por sua fidelidade científica, o que pôde abrir novas perspectivas narrativas. Por incluir elementos da ciência na obra, o diretor limita sua liberdade criativa (como a inclusão de explosões no espaço), mas Nolan fez um ótimo trabalho em explorar os elementos e descobertas da física. Tal é o exemplo da passagem de tempo, quando alguns tripulantes da nave passam algo perto de uma hora em um planeta, e quando voltam à nave passaram-se 23 anos para o tripulante que lá permaneceu. Em suma, Nolan entrou no universo com a credencial da ciência, algo que pouquíssimos filmes, senão nenhum na história de Hollywood fez. Podemos pensar em 2001, de Stanley Kubrick. Mas parece-me que Kubrick não fez um filme sobre exploração espacial. O espaço é apenas uma “desculpa” para Kubrick desenvolver sua psicologia em personagens densos e multifacetados, ao passo que em “Interstelar” a exploração espacial é um elemento pivô para a narrativa.
O primor visual, aliado à representação também visual e narrativa da ciência, é uma fórmula muito inteligente. O presente que habitamos nos permite tais incursões. Seria impensável “Interstelar” ser filmado nos anos 60 ou 70 e ter a mesma intensidade que hoje. Para resumir, a analogia é próxima do cinema 3D: os efeitos nos fascinam, nos hipnotizam, especialmente quando se tratando de realidades que desconhecemos. “Avatar”, de James Cameron, partiu desse princípio e, já antecipando meu argumento, seu maior trunfo foi ao mesmo tempo sua condenação.
Soma-se ao primor visual uma narrativa intrincada, com reviravoltas e mistérios intrigantes (a praga que assola a terra), teorias sob as quais nos debruçamos horas para decifrar e que norteiam o roteiro. Alguém aqui lembra-se de “A origem”? Christopher Nolan fez a lição de casa e adora aplicar a fórmula de maneira a nos iludir com a impressão de novidade.
Superficialidade
O espetáculo, porém, é raso. Perdoem-me, mas é preciso dizer que é fraco e superficial. Com isso não quero dizer que não gostei do filme nem me senti enfeitiçado pelas notas lindas de Hans Zimmer; muito pelo contrário, o filme é feliz em saber conduzir o espectador. A destinação final, apesar das promessas, é o mesmo lugar de sempre. Nolan fez um filme com um personagem principal que desafia o mundo e a vida com suas próprias forças, sai do lugar de obscuridade e vai para a glória sem esforço nem terríveis perdas sentidas. Ele abandona sua filha como que sem conflito algum ou, como sugere a mitologia norte americana, como o herói que supera seu mar de sentimentos e emoções em função da missão que lhe é proposta, vencendo suas dores como um herói da razão que domina totalmente a vida.
Deixa o filho mais velho agindo de maneira típica: “Você, filho homem, é forte, você entende a minha partida”. O filme quase sabota sua própria lógica na cena em que os protagonistas assistem a 23 anos de gravações e veem a vida que perderam enquanto estavam em missão. Ainda assim, essa pérola de cena é logo esquecida e o filme volta à mesma toada.
Ele vence a vida e o universo com a atitude triunfante, contrariando máquinas e emoções e, mesmo os desafios que o provam equivocado, só servem para prová-lo como correto no final dos conflitos, como bem exemplifica a resolução da narrativa. Sua parceira de viagem é mais uma mulher que serve apenas de suporte para sua ascensão na história e, apesar de muitíssimo mais preparada que ele, já que o protagonista vivia há anos sem pilotar e sem exercer a profissão de engenheiro, é ele quem a conduz e a ensina a encarar de maneira correta a missão.
Prefigurando e perpetuando a velha história da indústria do cinema: “Razão versus Emoção”, sendo que a versão contemporânea do herói, majoritariamente homem e branco, é razão salpicada de emoção. Nos anos 40 e 50 o homem de fato desprezava a força da emoção, encarnada na mulher, corria atrás de seus objetivos resolvendo os conflitos da narrativa, e voltava à mulher como troféu de suas conquistas. Hoje, essa configuração não é mais possível, de tal forma que é preciso temperá-la para que as coisas continuem a ser exatamente como eram.
Cabe aqui um parênteses. É certo que o mote do filme, a famosa, cansativa e já batida “força do amor” é quem vence. Mesmo assim, tal conceito abstrato é minorado na narrativa, não exercendo real mudança nem conflito profundo no personagem principal. Ao final, entendemos que passando por cima de todos os afetos e conflitos internos, foi preciso uma atitude racional e fria para salvar a equipe, mesmo que balizada pelo amor. O amor é ferramenta, pretexto para continuarmos a fazer/ser quem sempre somos. Não há mudança afinal, o amor é só mais uma razão para justificarmos nossas mesmas atitudes e posições. Alguém aqui pensou nos conflitos contemporâneos em que os Estados Unidos envolveram-se nos últimos 20 anos?
Os personagens são fracos e muito, muito superficiais. A narrativa, apesar das teorias intrincadas, é batida e incrivelmente simplista. O espírito do filme é o mesmo que o de 40 anos atrás em Hollywood. Talvez “Interstelar” seja um triunfo visual, científico. Mas é a mesma história de sempre, a mesma fórmula que nos atrai.
O que mais me intriga é o sucesso de tais fórmulas arrojadas e, ao mesmo tempo, simplistas. Somos fascinados pelas luzes, pelas explicações que nos fascinam, pelas novidades, pelo último livro de tal autor com Phd em alguma universidade americana de prestígio, prometendo descontruir as filosofias contemporâneas e os desvios da igreja moderna. Queremos sempre uma luz que ilumine todas as áreas da vida de maneira uniforme e poderosa, de tal forma que possamos entendê-la e subjugar o que se coloca em nossa frente: dominar, reduzir a realidade às nossas ideias. Nós adoramos “deuses de palavras”, adornamos Deus de ideias e conceitos que o fazem rir. Amamos coisas explicáveis, domináveis e facilmente rotuladas.
O que me estarrece é a manutenção desses ídolos em ambos os ambientes tradicional e pentecostal, a vontade de permanecer seguro e protegido por ideias ditas corretas, verdadeiras, puras e legítimas. Substituímos assim a complexidade e o perigo da vida pelos ídolos. O que seria de Jacó, rebatizado como o que luta com Deus, se tivesse se apegado ao seu próprio ídolo de certeza?
Ídolos que nos escravizam, que nos fazem servos de sua luz e desejosos de suas respostas. Paulo advertiu contra tais ídolos, dizendo, como na carta aos Gálatas, que todo aquele que se submete a tais ídolos de palavras desprezam a obra de Cristo. Pois o que parecia justiça e verdade, no fundo era a mesma escravidão na qual os judaizantes desejavam manter os gentios recém-convertidos. A circuncisão, e a consequente vivência debaixo da Lei, era uma segurança fenomenal, a certeza de pertencimento ao povo de Deus. Certeza, pertencimento, segurança: o que mais o homem deseja? Reduzir a confiança de uma caminhada audaciosa por uma marca de certeza. Pura escravidão travestida de novidade, uma belíssima destruição em potencial.
O Nazareno, ao contrário, era um imprevisível que não tinha onde recostar sua cabeça. Para Nicodemus — e para nós — Ele continua sendo um mistério que deve ser seguido, pois nos conquista afetiva, racional e espiritualmente. Ele diz palavras que entendemos em princípio, mas que logo após se transformam em mistérios insondáveis. Suas palavras são segurança e abrigo, mas ainda estão nEle, e não podem ser possessas por ninguém. Ele continua um mistério profundo, e nós, um complexo indecifrável, frágil como os vasos de barro, valiosos como o tesouro que carregamos. E para o paradoxo da vida, a única resposta é a vida, nada a mais.
— Gabriel Brisola tem 24 anos, é formado em jornalismo e fotógrafo.
João Aguiar
Gostaria que obervasse a defesa da inexistência de Deus no filme, pois no fim o homem do futuro é que salva o homem do passado através do desenvolvimento tecnológico! Vejo a negação de Deus cada vez mais forte em Hollywood!