Não me dê um relógio de presente
Um dia depois de outro dia é um dia assim como qualquer outro. O primeiro dia do ano ainda tem a característica de ser um dia, e, portanto, a propriedade de escapar de nós, assim como qualquer outro. Talvez a solução seja mesmo deixá-lo escapar, porque ninguém consegue ser feliz contando as horas, não é mesmo?
Eu, no caso, cansei de catalogar as partes do dia e decidi me rebelar contra essa coisa toda de controlar o tempo, e até jogaria o meu relógio fora, se eu tivesse um. Cansei, por demais, de ficar aflito a respeito das horas “desperdiçadas” e da sua ditadura programática do “me aproveite ou vou-me embora”, que nos ilude pra, de pouquinho em pouquinho, se esgueirar pelo canto da sala até ir embora de qualquer jeito. “Mas, você não tem resolução de ano novo?” é o que sempre me perguntam e eu nunca consegui bolar uma resposta criativa. Acabo sempre ficando entre o irresponsável que não consegue enxergar um palmo (leia-se, semestre) à sua frente, e o cético que não consegue acreditar em si mesmo o suficiente pra esperar alguma coisa do próprio futuro. E eu acabo me deixando passar assim mesmo, porque, ironicamente, seria um desperdício de tempo tentar convencer qualquer um de que o tempo não cabe na nossa mão, e eu não consigo trabalhar muito bem com as coisas que eu não prevejo. Mas eu estou aprendendo. E o que eu e você estamos tendo é uma conversa, não é mesmo? Das mais ociosas e “protelantes” possíveis, possivelmente sentados numa rede, e eu não estou tentando te convencer de nada.
Uma vez, quando criança, eu era fascinado com relógios. Nada tão intelectual ou culto do nível Hugo Cabrett, eu só adorava a ideia de ter uma máquina no meu pulso. Me lembro de pegar relógios quebrados do meu pai e ficar correndo pela casa enfrentando vilões imaginários e inclusive, já desmaiei de ansiedade quando me foi prometido de aniversário um daqueles relógios modernos, que acendiam a luzinha, só pra espatifá-lo no chão numa brincadeira de pique-pega. Talvez aí tenha começado a minha rebelião contra os relógios, e contra essa história toda de se desesperar por conta de uma coisa que vai passar, quer você queira, quer não.
Hoje em dia, eu tenho uma relação mais pacífica com relógios, e até consegui deixar pra trás uma boa parte do preconceito que eu tinha durante a adolescência com quem os usava, ostentando uma maquininha no pulso para controlar o tempo que vai passar de um jeito ou de outro. Mas essa coisa toda de “aonde você se vê daqui a seis meses” que a gente ouve nas ceias de virada de ano daquele tio chato que sempre pergunta das namoradinhas só fazem é deixar aflito quem, assim como eu, até tem boas intenções e direcionamentos pro ano seguinte, mas acabam não conseguindo passar do pontapé inicial (como mudar de apartamento ou trocar de carro).
Portanto, se você me perguntar quais são as minhas expectativas pra 2015, eu vou dar com os ombros, te dar um sorriso, e te convidar pra ir lá em casa sexta-feira, porque vão uns amigos pra lá pra tocar violão e jogar conversa fora, pra gente deixar essa história de controlar o tempo de lado, e fingir que aquele tempo ali nunca vai passar. Que aí talvez, ele nunca passe mesmo.
• Guilherme Scardini, 21 anos, é estudante de arquitetura na UFV (Universidade Federal de Viçosa) e músico.
Ivny
Não tinha lido esse texto. haha… é muito bom!