Ariano Suassuna e sua flauta mágica
Por Duda Martins
“Eu estudei piano. Sabia tocar uma balada ou outra, mas as minhas mãos não eram apropriadas, são muito pequenas”. Minha primeira entrevista com Ariano aconteceu de forma inusitada no dia 2 de junho de 2010. Na época, recebemos um release sobre sua nova aula-espetáculo que tinha pianistas pernambucanos como mote. A minha editora Diana Moura me chamou num canto e disse: “Sei que vai ser muito difícil, mas tente, pelo menos por telefone, uma fala dele sobre essa aula-espetáculo. Ariano era o secretário de Cultura de Pernambuco e eu: estagiária.
Perto de fechar o caderno consegui falar com Samarone (o assessor) que me perguntou, despretenciosamente, se eu não queria bater um papo com Ariano na casa dele! (!!!) Passei algumas das horas mais incríveis da minha vida na presença daquele homem que tanto me inspirou e me inspira até hoje. Falamos de piano e teatro (o que mais eu poderia querer?), rimos bastante. “Viajo pelo interior. Você imagina ter que levar um piano pra cada lugar que eu for. Ia ficar complicado”.
Ele era tão simples que me deu seus livros para folhear e me mostrou seus vídeos. A animação era como se estivesse recebendo uma nobre visita em casa. Imagina só? Nem sabia o meu nome. Mas o dele eu sabia: generosidade. Dona Zélia (esposa) me ofereceu bolo e café. Eu aceitei. Não ousaria recusar nada que viesse daquele momento mágico.
Dramaturgo, romancista, poeta, professor e, portanto, ator. Segundo ele mesmo, todo professor tem um pouco de ator. Entre tantos predicados o que me entusiasmava mesmo em Ariano era o seu caráter e sua postura enquanto figura pública. A coerência/coragem dos seus discursos sempre me impressionou. Em uma de suas aulas-espetáculos contava sobre um programa que enaltecia Cazuza e sua célebre frase: “meus heróis morreram de overdose”.
“Eu tenho a maior compaixão por Cazuza, coitado, morreu dilacerado daquela idade, jovem. Mas sobre essa frase dele, essas coisas estão passando aí, e ninguém protesta. Aí eu resolvi protestar! Porque o meu herói morreu crucificado entre dois ladrões”. PÁ! (Isso foi um tapa na minha cara.) E não satisfeito, ainda completou: “É preciso que a gente reafirme esses valores sem ter medo de ser considerado arcaico”.
Como artista, sempre imprimiu elementos da sua fé nas suas obras. “O Auto da Compadecida” é o mais famoso, mas “A Pedra do Reino”; “O santo e a porca”; “A pena e a lei”; “Farsa da boa preguiça”; todas elas professavam de alguma forma a sua crença. Ariano era católico, filho de pai católico e mãe protestante. Mas acima de tudo era um cristão corajoso. Não tinha medo de se posicionar. Não tinha medo de utilizar a sua arte como expressão da sua essência.
Naquela casa localizada no Poço da Panela, um pequeno bairro do Recife, o que vi foi um grande sujeito, de voz rouca e fraca, mas firmes convicções. Um cabra da peste que reciclou a arte popular brasileira e tocou uma flauta mágica, ressuscitando as minhas esperanças em um mundo mais Armorial.
• Duda Martins, 26 anos, é jornalista em Recife (PE).
Sérgio Lima
Duda, parabéns pela lucidez em retratar o Menestrel Ariano. Quando li as suas palavras escritas, parecia que estava vendo aquele nordestino obstinado pela verdade sem nunca ter receio de dizer o que pensa. Valeu pela janela aberta para o passado, apesar de não ser fácil achar um outro Ariano em nossos dias.
Edson
Prezada Duda, obrigado por fazer ressoar a voz de Suassuna e um pouco de sua sina.
Héber Negrão
Sensacional Duda. Que experiência incrível.
Excelente texto, mto bom de ler!!!
Parabéns!
Mateus Octávio
Muito bom, Duda! Eu também sou um grande admirador do mestre, homem e artista, Ariano. Nordestino como ele. Pena que não o conheci, desisti de ir vê-lo na bienal em Brasília esse ano. Mesmo sem o conhecer sua brasilidade me contagiou. Obrigado pelo texto e que bom que és uma admiradora dele também. Isso diz muito sobre você!
Stanley Oliveira
Belíssimo texto, parabéns e muito obrigado por partilhá-lo conosco!
Bom, estou de volta à PE depois de 24 anos e, um dos meus desejos era conhecer o mestre Ariano Suassuna pessoalmente, quem saber ter um momento semelhante ao que vc teve, mas não deu..Resta conhecer mais e divulgar sua obra cheia de brasilidade como disse o Mateus Octávio no comentário anterior. Mais uma vez obrigado!
Jacqueline Schalm
Momentos marcantes são vividos de forma tão singela que deixam marcas inesquecíveis! Ótimo texto, foi possível sentir sua satisfação… Louvo ao Deus Criador que molda cada pessoa com dons e talentos únicos! Obrigada por partilhar suas impressões conosco, leitores!
pedro antonio cordeiro mendonça
Excelente texto Duda, Ariano Suassuna é PATRIMÔNIO DA NAÇÃO BRASILEIRA, e, nos ORGULHA DE SER NORDESTI NO, VIVA ARIANO SUASSUNA, parabens DUDA.
Lucas Maia
Texto emocionante. Muito bom interagir com uma experiência dessas, ser confrontado pela a atitude desse homem.
Duda Martins, escreva mais vezes por aqui!