Assassinando a “garota de Ipanema”!
[Por Frederico Rocha]
Esses dias eu estava conversando com um amigo. Muitos o chamam de Søren Kierkegaard, mas ele prefere não se expôr, tem aversão a esse negócio de ser pop. Até mesmo recomenda tal sentimento, assim como um médico prescreve um remédio. Na verdade ele já morreu! Mas além de acreditar que ele está vivo, experimentei o quanto foi real dar ouvidos às suas palavras.
O espetacular nessa história é que nessa onda de experimentar, percebi que quem vive é a “garota de Ipanema” — e vive aqui dentro de mim (caramba!). Fiquei pensando em sexo, na incrível motivação que ele pode despertar em mim, e é isso que acontece quando experimento aquelas sensações. No ônibus, na praça, em casa, na rua, na sala de aula, ufa! Em todo o lugar lá está a “garota de Ipanema”, num doce balanço a caminho do mar. Mas o que aborrece é que ela vem e passa. No instante que eu a sinto ela desaparece. Até no fim do dia, quando estou esgotado, ela surge como uma imagem viva e subjuga o meu corpo, superando a necessidade fisiológica do sono. Exige atenção, e ao estender-lhe a mão ela se vai, fica um vazio.
Como o eu gostaria de escrever como poeta, mas além das minhas limitações, o meu amigo advertiu: “Não se iluda, o poeta é extraordinário, sensacional, mas enquanto poeta é cego em relação ao bombocado da realidade!”. Cheio de graça. Afinal desde quando a realidade é doce ou gostosa?
Então tomei uma decisão! Vou matá-la. “Matar quem?”. A “garota de Ipanema”, uai! “Opa, peraí! Mas e a Bossa Nova?”. Não tenho intenção de cometer etnocídio. Nem sou anoréxico cultural, mas não dá para ingerir veneno junto com a salada. Dá indigestão, em alguns casos leva até à morte. E você ouviu aquela música maravilhosa? Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e com João Gilberto e Caetano Veloso? Esse pessoal descreve vários dramas da vida, com elegância e celebração. Embora nós identificamos isso como Bossa Nova, não pode-se dizer que é obra de uma pessoa “extraordinária” ou de um grupo de pessoas de vidas efêmeras, como todos nós, simples mortais. Isso é cultura brasileira! Não dá pra fazer sem um país tropical, com flora, fauna, terra, mar e céu! Isso é dádiva, graça!
O verdadeiro problema é que quando estava decidido a assassinar a garota de Ipanema percebi que o “eu” também morreria. Aí o amor de si mesmo declarou guerra! Somente após a euforia da autoconfiança confessei que não havia vida suficiente em mim para matar meu ego poeta enigmático, que me confudia sublimando-se na garota de Ipanema.
Completamente desiludido, caí na real. Foi então que pude deixar Deus me ajudar. Oh! Como é bom! Poder assumir sua humanidade, fragilidade, dependência. Habitar harmonicamente a terra, com todas as possibilidades de tragédia que isso implica, sem tornar-se um ser desesperado.
Acredito que o instinto humano de se envolver em experiências de sexo com paixão é fundamentalmente saudável. Mas o fato é que quando o amor ideal romântico torna-se real, ele acaba! Uma pessoa te desperta uma sensação linda ou um tesão extraordinário, tal promessa de felicidade te faz cego de amor. Mas no exato instante que você a enxerga ela morre. Não é uma pessoa ideal, perfeita; ela existe, é real. Em termos mais xulos, depois que você goza acaba, em alguns casos surge até nojo e repulsa. Esse estado de paixão pode durar mais tempo. Mas no fim está fadado ao fracasso, o tempo o corrói sem culpa, a não ser que se torne algo maior do que ele mesmo. E isso só Deus pode fazer! Nem adianta tentar controlar, pois mesmo quando experimentar aquelas sensações não será mais do que um ser desesperado reprimindo suas angústias. Como aquela pessoa moderna que se apropria sei lá como do Kama Sutra, pratica umas aulas de yoga para então estuprar a si mesma.
Não estou negando a necessidade real, biológica, bela e verdadeira de você expressar corporalmente sua maculinidade ou feminilidade. É preciso afirmar a sexualidade em termos de genitália manuseada com ternura e sem vergonha. Mas o ponto crucial é que só Deus pode satisfazer plenamente os desejos humanos! Se você tentar satisfazer seus próprios desejos por conta própria será eternamente frustrado. Enquanto você não se comprometer com o dever de amar a Deus acima de todas as coisas e o dever de amar o próximo como a si mesmo não será livre para se comprometer a amar ninguém, pois é escravo do amor de si mesmo, do egoísmo, das sensações passageiras e etéreas que vem e passam a cada instante. Como a pessoa que no voto de casamento prometeu amar o amado na tristeza e na alegria sem o enxergar de verdade. Fez a promessa para o seu ideal romântico. Com o passar do tempo cai na real, mas continua enamorada com o seu ego poeta, até podê-lo projetar em outra pessoa que em algum momento aparenta se encaixar nesse ideal. Ela não ama ninguém, ama a si mesma desesperamente!
A eterna diferença que Deus faz é que o sexo, por mais humano, terreno, passageiro e efêmero que continue sendo, quando feito coerentemente com o mandamento de Deus não somente revelará o anseio do homem por Deus como irá também repercutir na eternidade. Pois não é mais o fim da união de duas pessoas, mas é um meio para que você se una em verdade com a outra pessoa. Enxergando, tocando, sentindo, amando, comprometendo-se realmente com a outra pessoa, realizando-se sexualmente no casamento como ser humano, à imagem e semelhança de Deus!
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Frederico: etimologicamente vem do alemão. Significa aquele que promove a paz. Tenho 29 anos. Sou cristão, brasileiríssimo e belorizontino, graças a Deus!
Nota:
Este artigo foi publicado originalmente, em 2010, na revista Livre #2. A revista (que você pode “folhear” abaixo) foi elaborada pela publicitária Ana Cláudia Nunes, na época, estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A “Livre” foi um projeto experimental de conclusão do curso.
Dica! Conheça também a nova edição de Macho e Fêmea os Criou – celebrando a sexualidade, do psicólogo Carlos “Catito” Grzybowski.
Lua
Muito bom esse artigo!