Por Eliceli Bonan

Ela carrega uma enorme bolsa azul. Em seu chapéu, a foto do Padre Cícero colada com fita durex. O vestido é simples como a fala. À sombra de uma árvore, na praça dos Socorros, em Juazeiro do Norte (CE), come um pão com queijo manteiga. Depois desse, só restam mais três guardados na bolsa para comer até quarta-feira, quando voltará para casa, no sertão pernambucano. Maria tem 70 anos e está casada pela terceira vez, com um homem de 49. Se esse também morrer, garante, não ficará sozinha. Vai arrumar outro. Teve apenas uma filha, precisa de marido.

Viajou um dia inteiro num pau de arara para participar da Romaria de Finados. Já esteve em Juazeiro treze vezes, não porque tenha feito alguma promessa, mas pelo apreço que tem ao seu painho padim Ciço. Fala dele como sua razão de ser, o que define sua vida. “Venho pra romaria porque sou matuta”, diz, como para me explicar que acredita em Cícero porque é daqui e não poderia acreditar em outra coisa. “Eu entendo só de coisas simples, como as que o Ciço fala. Não entendo essa língua que vocês de longe vêm pra conversar”, esclarece.

idosos

Maria me conta de outros anos em que subiu a Serra do Horto, a alguns quilômetros do centro da cidade, num sol acima de 35 graus. Hoje não faz mais isso. Sobe com o ônibus. Para estar aqui, pagou R$ 25 pela cama de uma pousada próxima da praça dos Socorros, no centro de Juazeiro, mas não come no lugar. Pergunto o que irá comer quando acabarem os três pães. Ela não sabe. Terá fé no Padim Ciço, porque quando pensa nele não sente nem fome, nem sede, nem nada. Ofereço um segundo copo de água e ela aceita. Não gosta da água gelada que servimos, mas tem muita sede. Levanto para ir buscar a água e Maria tira o copo da minha mão. “Não precisa ir agora. Pode sentar e conversar mais. Eu não quero muito a água, não”.

Com duas palavras se define: bonita e corajosa. Confirmo o que diz. Reforço o quanto Deus a ama e a acha linda. Ela diz que o conhece, é muito amada pelo que está lá em cima. Aconselha-me a nunca ficar longe de Jesus, senão vou perder o rumo na vida. Se perder a fé, vou perder tudo. Fico ali até ela terminar seu almoço. Quando trago a água – dois copos, beija minhas mãos, emocionada. Para ela, sou uma santa enviada por Deus. Para mim, ela é o que me deixa mais perto d’Ele.

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Eliceli Katia Bonan, 25 anos, é jornalista e missionária de JOCUM.

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