Por Eliceli Bonan

A África é minha grande inspiração missionária. Vejo um filme ou ouço sobre o continente e meu coração bate mais forte. Algo se agiganta em mim. Tenho vontade de sair correndo até estar naquelas terras. Meus amigos estiveram lá. Ouço suas histórias, vejo suas fotos. Inquieto-me. A África é minha grande inspiração humana. Os ideais de justiça tornam-se mais fortes quando sei daquelas condições. Revoluções acontecem no Egito, repercutem na Líbia e minha vontade é estar lá, não aqui. Quando meu tempo chegará?

Neste mês, separei alguns dias para estudar o livro de Neemias. Jerusalém era sua inspiração missionária. E sua inspiração humana, um povo miserável, rejeitado, esquecido, sem segurança alguma. Ouvir sobre Jerusalém fazia o coração de Neemias doer, fazia-o sentar-se para chorar e lamentar. Imagino-o falando com Deus de seus anseios, daquelas pessoas que não conhecia, mas que eram chamas em seu coração. A oração transforma-se em um plano: ir a Jerusalém e reconstruir seus muros. Que motivos tinha para deixar o conforto de servir vinho ao rei e lutar por uma terra onde sequer havia pisado? O que devo aprender com Neemias?

Várias vezes li seu livro pensando em objetivos espirituais: Deus me chamando para reconstruir o caminho até ele, reedificar corações destruídos, direcionar pessoas à salvação. Agora vejo que o trabalho de Neemias foi muito mais político do que espiritual. Isso me faz pensar em um evangelho integral, que não se preocupa apenas em restaurar a espiritualidade das pessoas. Deus quer, muito mais que salvar almas, salvar nossa sociedade e estabelecer seu reino aqui, um governo incorruptível.

Outro dia, vendo o filme Invictus, a história de Nelson Mandela, lembrei-me de Neemias. Dois homens, duas causas, motivações que foram além das próprias vidas e histórias que alcançam minha geração. Neste tempo, conhecerei homens como esses? E o que dizer de pessoas como William Wilbeforce, Martin Luther King, Madre Teresa, e uma infinidade de nomes? São vidas que me fazem pensar nos discípulos de João Batista perguntando a Jesus se ele era o Messias esperado, ou se deveriam esperar outro. Cristo responde que onde o reino de Deus é pregado, os pobres ouvem das boas novas, os coxos andam, os cegos veem, os muros são reconstruídos, as etnias se entendem, os rejeitados têm vez, a transformação acontece. Ou seja, se estamos realmente pregando o reino de Deus, o mundo ao nosso redor precisa mudar.

Philip Yancey, no livro Oração, diz que Cristo não tem outras mãos para usar na terra além das nossas. Andando por este Brasil, vejo como a igreja evangélica, historicamente, tem alcançado lugares em que nenhuma outra instituição civil ou religiosa ousa chegar. Em centenas de lugares, o evangelho é o braço do Estado impedindo que a situação torne-se pior. Vi nas ruas de Porto Velho jovens de 18 anos deixando o conforto de suas casas para conversar com moradores de rua, bêbados e drogados, convencendo-os a irem para casas de recuperação. Vi missionários católicos e evangélicos vivendo com tribos indígenas esquecidas no meio da floresta, lutando por terras que, de outra forma, seriam tomadas. Vi as escolas de malária no Norte cheias de meninas e meninos que deixam suas famílias e igrejas para salvar vidas entregues ao descaso e ao esquecimento entre os ribeirinhos. Vi remédios, comida, saneamento e energia elétrica chegando com os missionários aonde o governo não chega.

Ouvi relatos de amigos que estiveram em comunidades não pacificadas no Rio de Janeiro sobre traficantes que não se rendem diante da polícia, ou de uma arma, mas se rendem diante de “homens e mulheres de Deus”. Nas fotos, um culto realizado por jocumeiros numa rua fechada pelo traficante, que queria sua comunidade ouvindo sobre paz e amor. O sal precisa estar fora do saleiro. A luz tem de brilhar na escuridão.

E tudo isso me faz pensar em Neemias. Jerusalém movia o coração daquele homem. Os órfãos da Índia moviam Madre Teresa. A paz entre brancos e negros moveu Nelson Mandela. E cada um deles nos influencia, como numa reação em cadeia, um bem infinito num universo infinito. O que move os corações hoje?

Não sei quando pisarei na África, mas agora entendo: cada um tem a África que merece, cada um tem a Jerusalém que enxerga. Se não posso estar lá, preciso começar de algum lugar. Oro para que Deus me ajude a encontrar minha África. Oro para que me leve até ela. Oro para que você encontre a sua.

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Eliceli Katia Bonan, 25 anos, é jornalista e missionária de JOCUM.

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