Por Mateus Octávio

Quinta-feira à tarde, está chovendo. Um dia comum para mim. Nessa ocasião conheci um senhor. Era bem idoso, cabelos grisalhos, olhos esverdeados, gordo, e com o rosto bem abatido. Trajava uma bermuda que combinava com a boina bastante peculiar. Sua face me dizia que a vida o tinha moído sem clemência. Era de poucas palavras, apenas desenvolvia seu trabalho, fazia com muita dificuldade.

Reparei que, de minuto em minuto, ele parava e resfolegante cochichava baixinho consigo mesmo. A força da juventude já não se assemelha aos tempos vividos hoje. Contou muitas histórias de uma vida de peleja. Tudo já deve ter sido mais fácil, um jovem tem sonhos, muitos sonhos. É idealista, quer mudar o mundo, no entanto ele está lá: velho, cansado e irrealizado.

Depois de um curto período de conversa descobri que ele tinha sido operado recentemente. O médico havia lhe recomendado noventa dias de repouso, mas só se passaram quarenta. Sentia dores no local da cirurgia, já havia carregado muito peso. Em um dado momento da conversa ele me perguntou: “você é crente?” Respondi que sim. “Você tem que orar muito por nós” disse ele, olhando para o chão. Percebi nele um clamor. “Do jeito que as coisas andam, prefiro o inferno”, continuou dizendo. No limiar da velhice já estava morto.

Dirigiu igreja por muitos anos. Foi líder e envelheceu lá. Tem um filho que faz teologia, mas que parece não se importar com o pai. O altar eclesiástico não satisfez o seu apetite existencial. Nem mesmo a teologia de seu filho secou o seu suor.  Para muitos, só a fé, que um dia tudo se resolverá, serve de auxílio. Mas, e quando as promessas feitas no domingo à noite não se cumprem? E a tristeza que vai passar, a alegria que virá ao amanhecer, o choro que não passará de uma noite? E quando nada disso se resolve? Muitas promessas são feitas. Ainda é noite pra este senhor, só será dia quando todo o choro for enxugado. Uma religião que faz desejar o inferno, uma teologia que mata, é isso que lhe resta. Chega um tempo que os discursos não ajudam mais: se você tem fé então a mostre em obras, ressaltou o apóstolo Tiago.

Tive medo. Medo de que um dia toda essa revolução que me desancora acabe. Medo que eu envelheça e não sonhe mais. Tive medo de que ao ver aquele senhor eu estivesse diante do espelho. Tive medo por hoje. Medo de que a minha teologia não socorra o órfão e a viúva, pois essa é a verdadeira religião. Tive medo de que meu pai me veja como esse senhor vê o seu filho. Tive medo por muitos pais por aí que precisam de um filho que trate suas feridas e os ajude a não perder a esperança enquanto vivos. Tive medo por filhos sem pai que crescem antes do tempo e não aprendem a amar a vida.

Tive medo, pois pensei: “cadê a igreja? Ensina-se tanto como prosperar, ensinam-se tantas formulas para não ‘roubar a Deus’. Seremos mesmos conhecidos como discípulos de Jesus por causa do amor uns para com os outros?”. Entendi que não dando de beber ao cansado estou roubando a Deus. Tive medo ainda, que aquele senhor realizasse seu desejo.

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Mateus Octávio Alcantara de Souza tem 20 anos, é Bacharel em teologia e escreve no blog Meditações*

  1. De arrepiar esse texto – por mostrar a realidade que a gente pode encontrar a cada esquina.

    Há muitas pessoas aí preferindo o inferno – não só pela fé morta, mas por estarmos oferecendo uma vida tão pobre e restrita, que as pessoas preferem se “divertir” aqui do que esperar pelo “céu”.

  2. Boa tarde…
    Gostei muito deste artigo, simples, despretencioso, objetivo e incisivo e gostaria de sua autorização para posta-lo em meu blog.

    Desde já muito obrigado!
    David Ramos Campos

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