A mulher que não se deu bem com médicos

E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de uma hemorragia e gastara tudo o que tinha com os médicos; mas ninguém pudera curá-la. Ela chegou por trás dele, tocou na borda de seu manto, e imediatamente cessou sua hemorragia. (Lucas 8:43,44)

É costume chamarmos de incômodo o fluxo menstrual, que não dura mais de três ou quatro dias. Que nome se daria para o meu caso – uma menstruação quase sem intervalos, mês após mês, por longos doze anos?

Nasci sadia e cresci sadia. Tive minha menarca aos 13 anos. O fluxo de sangue vinha certinho, de vinte e oito em vinte e oito dias. Até que, aos 25 anos, comecei a ter problemas. A menstruação tornou-se prolongada e, mal acabava uma, vinha a outra. Eu já era casada e isso afetava muito o meu relacionamento com meu marido. Nunca me apresentava a ele em condições satisfatórias. Além disso, tínhamos por norma não nos envolvermos fisicamente durante a menstruação, de acordo com a lei de Moisés: “não te chegarás à mulher, para lhe descobrir a nudez, durante a sua menstruação”. Eu me considerava uma mulher imunda, constantemente imunda, à vista da mesma lei: “Também a mulher, quando mandar o fluxo do seu sangue, por muitos dias fora do tempo da sua menstruação, ou quando tiver fluxo de sangue por mais tempo do que o costumado, todos os dias do fluxo será imunda, como dos dias da sua menstruação”.

Além dos aspectos higiênicos e cerimoniais, minha saúde estava em frangalhos. Sentia uma fraqueza terrível. Fui emagrecendo, até chegar a menos de quarenta quilos. Jamais me olhava ao espelho, para não ver o rosto sem cor, sem sangue, assustadoramente pálido. Comecei a sofrer de uma anemia profunda. Fiquei desnutrida – meu organismo não dava conta de renovar o sangue perdido. Percebi a vizinhança da morte.

Nas mãos dos médicos

Eu não era displicente com o meu estado de saúde. Meu marido e eu gastamos tudo quanto possuíamos com médicos.

Lembro-me daquelas cinco juntas de bois que vendemos para um homem rico de Jerusalém. Com elas arávamos o campo que tínhamos à beira do caminho que desce de Jerusalém a Jericó, na altura do lugar onde dois ou três salteadores atacaram um conhecido nosso, deixando-o semimorto. Pouco tempo depois, vendemos a propriedade também, com o propósito de procurar um centro maior, onde talvez eu pudesse me curar da hemorragia, que já durava oito anos.

Estivemos em Atenas por quase um ano. Tratei-me com vários médicos. Espantaram-se de que eu ainda estivesse viva. Um deles releu todos os setenta tratados de medicina e pesquisa científica da lavra de Hipócrates, que há mais de quatrocentos anos exerceu a medicina em Atenas e outras cidades gregas. Disseram-me o óbvio: que o meu problema era hormonal, provocado, talvez, por um tumor no útero ou no ovário. A solução seria a extirpação desse tumor, o que “nós ainda não fazemos”, confessaram os médicos. Deram-me um pouco de ópio para combater a dor das cólicas menstruais, que frequentemente me assediavam, algumas ervas para tomar e uma dieta de fígado de boi para fazer frente à anemia.

Do desânimo ao milagre

A viagem de volta a Jerusalém foi muito difícil. Primeiro, devido ao meu estado de fraqueza e à canseira da viagem em si, parte a pé, parte no lombo de um animal e parte de navio. Segundo, por causa da frustração de ter perdido tempo, dinheiro e esperança em Atenas. Cheguei a Jerusalém quase morta. Gastamos tudo quanto possuíamos com os médicos e nada aproveitamos. Pelo contrário, fiquei pior. Só Deus sabe qual foi o meu desânimo e o meu estado de espírito naqueles dias. Eu não podia imaginar que estava bem perto da cura, do milagre, da bênção do Todo-Poderoso.

Em Jerusalém havia um homem estranho que se dizia tanto Filho de Deus, como filho do homem. Ele pregava, ensinava e realizava curas e milagres. Era bondoso, amável, compreensivo e, ao mesmo tempo, tremendamente franco e duro com as pessoas fingidas. O que se dizia a seu respeito cada vez mais se divulgava, e grandes multidões afluíam para ouvi-lo e serem curadas de suas enfermidades. O nome dele era Jesus.

Conversei com meu marido sobre essa nova e sólida esperança que despontava para mim. Então tomei a mais sábia e a mais feliz de todas as minhas decisões. Apesar de extremamente fraca, enfiei-me na multidão e fui me aproximando de Jesus. Ele estava indo para a casa do chefe da sinagoga, cuja filha, de 12 anos, estava à morte. Logo que ele passou, fui atrás e, dominada por uma fé sem reserva de que seria curada, toquei-lhe na orla da veste. Naquele exato momento, se me estancou a hemorragia, que tinha a mesma idade da filha de Jairo, o chefe da sinagoga.

Pensei que Jesus não me notaria. Aconteceu exatamente o contrário. Ele parou e perguntou solenemente: “Quem me tocou?” Ninguém respondeu. E Jesus insistiu: “Alguém me tocou, porque senti que de mim saiu poder”. Não podendo mais me ocultar, me aproximei dele outra vez. Embora trêmula, prostrei-me diante dele e declarei, à vista de todo o povo, por que o havia tocado e como imediatamente o sangue deixou de escorrer. Então Jesus me disse: “Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz!”

Isso aconteceu há dez anos. Desde então, voltei a ter minhas menstruações regulares. Engordei, fiquei livre da anemia e deixei de ser uma mulher cerimonialmente imunda.

Texto originalmente publicado no livro Deixem Que Elas Mesmas Falem. Editora Ultimato.

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