Entrevista com um psicólogo em missão realizada por Sônia Couto

 

Davi* tem 31 anos, é psicólogo cristão e trabalha em um centro de acolhimento a refugiados em um país da Eurásia. Em fase de transição para outro projeto em uma região diferente, ele compartilha a seguir sua experiência nesses últimos anos e como a aplicação da ludoterapia tem sido útil no tratamento de traumas psicológicos de crianças refugiadas.

Recorte do livro “O melhor lugar da Terra”, de Rubinho Pirola. W4 Editora.

 

1. Desde que chegou ao país, você tem servido em um centro de refugiados. Há quanto tempo esse centro existe? Como ele foi criado?

Esse centro existe há cerca de quatro anos. Foi criado quando três casais de organizações diferentes viram a necessidade de expandir ações com refugiados de forma integral, buscando um trabalho mais relacional e próximo com as pessoas que estão como refugiadas na cidade onde servimos. 

 

2. Com as recentes ondas de migração, desde que você chegou, o número de refugiados aumentou, diminuiu ou se manteve estável?

O número aumentou. Desde o ano passado, muitos afegãos têm chegado ao país. Neste ano, ucranianos também têm chegado. No momento, existe um forte movimento antiimigração e a expectativa é que muitos sejam enviados de volta para os seus países. Isso faz com que as estatísticas se alterem novamente. Porém, esse é um assunto que sempre traz desafios e mudanças constantes por aqui.

 

3. Como é sua rotina no centro de refugiados?

Após dois anos, estou encerrando meu tempo aqui para seguir para um novo campo e desafio. Estive mais envolvido em duas rodadas do projeto de ludoterapia (terapia do brincar) nas sessões no centro comunitário, no planejamento dessas atividades e em reuniões com a equipe. Estive envolvido em atividades gerais como doações de roupas e jogos em grupo. Fiz parte de uma equipe de projetos socioeducacionais com crianças e de outro com adolescentes, com atividades três vezes por semana. Também tive encontros em parques com alguns dos refugiados que fazem parte do centro para um tempo de conversar e compartilhar vidas. 

 

4. A sua formação o instrumentalizou, em vários aspectos, para servir as pessoas em situação de vulnerabilidade física e emocional. Olhando para sua trajetória pessoal, onde você está agora era onde sonhava estar? Como foi crescendo em você o desejo de servir ao Reino com sua profissão?

Eu me lembro que, quando estudava psicologia e durante os estágios, pensava em como isso poderia ser eficaz no serviço aos refugiados. Olhando para a minha trajetória pessoal, é possível ver que estar no campo faz parte de onde eu gostaria de estar e entendi como chamado. Porém, em termos de desenvolver projetos terapêuticos, estou em um processo. Trabalhar diretamente com a ludoterapia foi um importante passo para isso. Quero continuar desenvolvendo atividades semelhantes, e também em grupo, para suporte comunitário aos que passam por traumas.

O desejo de servir ao Reino com a minha profissão foi o de perceber meios de como a psicologia pode ser eficaz no trabalho com refugiados. Isso para mim é uma forma de glorificar ao Senhor, mas também de sinalizar o reino de forma integral a eles.

 

5. Você compartilhou seu envolvimento com um projeto de ludoterapia. Como esse projeto começou?

Percebi que algumas crianças do centro tinham sofrido diferentes tipos de abuso em um mesmo período de tempo/experiência dentro de suas realidades. Elas precisavam de algo mais focado como um apoio social e emocional. A partir disso, me debrucei na escrita de uma proposta de projeto para o meu líder. Depois de algum tempo de encontros, formação de equipe e diagnóstico de execução, realizamos o projeto-piloto por alguns meses. Ele foi bem-sucedido e isso fez com que fosse possível ter outra rodada de ludoterapia com outra criança.

 

6. Como a ludoterapia pode ajudar as crianças a lidarem com situações de trauma?

O brincar por si só é um instrumento terapêutico que ajuda a criança a lidar com o trauma. A ludoterapia também pode ajudar nesse sentido por oferecer um espaço seguro em que a criança pode se expressar, processar os desafios das emoções e experiências que tem enfrentado, desenvolver habilidades e inteligência emocional, construir autoconfiança e autoestima. 

 

7. Quais são os atuais desafios desse projeto?

Encontrar profissionais nessa área e voluntários que ajudem como intérpretes em diferentes línguas durante as sessões.

 

8. Segundo a ACNUR, mais da metade da população de refugiados é formada por crianças. Como a igreja brasileira pode unir esforços para proteger crianças e adolescentes que estão sob risco de várias formas de abuso, violência, separação de seus responsáveis, tráfico ou recrutamento militar?

A forma mais eficaz de começar é conscientizando e educando a igreja, chamando e encorajando os membros para orarem por esse assunto tão importante. Em seguida, fazendo conexões para que seus membros possam participar de treinamentos e cursos sobre proteção da criança. Outra forma é apoiar de forma integral os obreiros que trabalham com crianças em situação de vulnerabilidade. Por último, caso a igreja decida ter um ministério ou atividades com crianças que sofrem abusos e traumas devido às experiências de imigração, ela deve: 1) certificar-se de que os voluntários sejam bem treinados; 2) contar com profissionais capacitados e experientes na equipe para o cuidado ideal de forma emocional, social, física e espiritual das crianças; 3) garantir que a proteção da criança seja a prioridade.

 

(*) Por razões de segurança, foi adotado um pseudônimo.

 

Nota:

A ludoterapia é a psicoterapia voltada para o tratamento psicológico de crianças. A principal ferramenta dessa abordagem é a brincadeira. É pelo ato de brincar que o psicólogo tem acesso ao mundo interior da criança e consegue ajudá-la a superar os desafios que a afligem. Fonte: vittude.com/blog/ludoterapia/

 

Saiba mais:

» Fluxo migratório de refugiados: ameaça ou oportunidade?
» Programa infantil alcança crianças no Irã

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *