Por Amanda Almeida

Rami Malek e Christian Slater estão para “Mr. Robot” (2015-, USA) assim como Edward Norton e Brad Pitt estão para “Clube da Luta” (1999). Talvez com um pouco mais de carisma e um pouco menos de paranoia. O seriado, que foi uma das melhores estreias do ano passado, levando o Globo de Ouro de melhor série dramática, tem vários elementos que remetem ao filme de David Fincher, baseado no livro de Chuck Palahniuk. Apesar de beber da mesma fonte, Sam Esmail, criador de “Mr. Robot”, conseguiu deixar sua própria marca.

MR. ROBOT -- "3xp10its.wmv" Episode 105 -- Pictured: (l-r) Christian Slater as Mr. Robot, Rami Malek as Elliot Alderson -- (Photo by: David Giesbrecht/USA Network)

Christian Slater e Rami Malek em “Mr. Robot” (2015).

Mesmo sendo um ícone da cultura pop, confesso que só assisti a “Clube da Luta” depois de ser fisgada por “Mr. Robot” e ver tanta gente comentando sobre os paralelos entre os dois. E é justamente por conta de tantas semelhanças temáticas e estruturais em contraste com abordagens bastante diferentes que este talvez seja o par perfeito para ilustrar como nesse campo das artes a grande questão para a audiência cristã não deve ser tanto sobre o que se fala, mas como se fala.

Na primeira temporada da série, as perguntas “O que é que te prende? Frente a isso, o que pode te libertar?”, guiam a narrativa. Para “Mr. Robot” a sociedade está presa às amarras do sistema econômico e a libertação viria da queda do maior representante dessa estrutura, o conglomerado Evil Corp (E-Corp para os íntimos), através das ações do F Society, um grupo de hackers liderado por Mr. Robot (Christian Slater), ao qual o protagonista Elliot (Rami Malek) se alia.

Tudo muito parecido com “Clube da Luta”, onde a libertação do protagonista “Jack” (Edward Norton), um jovem investigador de seguros insatisfeito, frustrado e sofrendo com uma crise de insônia, passa por frequentar grupos de autoajuda, ocupando seu tempo com a desgraça alheia, e chega à participação em um grupo secreto que se encontra para extravasar angústias e tensões através de violentos combates corporais e atos que desafiam os limites da sociedade, liderado pelo misterioso Tyler Durden (Brad Pitt).

Apesar de ser muito presente nos dois enredos a tensão gerada pelas ações dos grupos, os maiores conflitos estão nas mentes de Elliot e Jack. E o drama precisa de conflitos. É através dos testes e provocações quem vêm deles, e das subsequentes falhas ou superações, que o caráter dos personagens é revelado. Mas, como cristãos, como lidar com os conflitos como violência, assassinato, traição, orgulho e tantos outros que histórias como estas apresentam?

No verso 8 do capítulo 4, Paulo dá a seguinte orientação aos Filipenses: “Por último, meus irmãos, encham a mente de vocês com tudo o que é bom e merece elogios, isto é, tudo o que é verdadeiro, digno, correto, puro, agradável e decente”. Em um de seus livros, Steve Turner apresenta a ideia de que esse é um versículo que vem sendo erroneamente usado para dissuadir os cristãos das artes. Se hoje grande parte do que é produzido artisticamente lida com conflitos não tão dignos e nada puros, como pode um cristão ler, assistir, ouvir, ver algo assim?

“No entanto, [rechaçar esses conflitos] iria nos impedir de passar nossos olhos sobre a maior parte das descrições de impureza e atrocidade na Bíblia. A vida de Davi teria de ser lida em uma versão condensada. Poderíamos dar importância a Jó ou ao Apocalipse? Como poderíamos lidar com a negatividade em Eclesiastes?”[1], argumenta Turner.

Assim, repito: a grande questão para o consumidor cristão nas artes não é tanto sobre o que se fala, mas como se fala. Às vezes focamos tanto nos aspectos de instrução e historicidade da Bíblia, que perdemos de vista o fato de que ela também é literatura, também é arte. Quando lemos a história de Davi, nos deparamos com adultério, assassinato e diversos dramas familiares. A Bíblia não deixa de ser verdadeira, digna, correta, pura, agradável e decente por conta disso, porque todos esses conflitos presentes nela apontam para a redenção, para a obra de reconciliação que Deus quer realizar em nós.

Edward Norton e Brad Pitt em "Clube da Luta" (1999).

Edward Norton e Brad Pitt em “Clube da Luta” (1999).

“Clube da Luta” termina na concretização de um plano revolucionário. O fim da primeira temporada de “Mr. Robot” vai além, levantando a questão “ok, e agora?”. Os planos do Clube são um fim em si mesmo; não trazem a resolução dos problemas nem de seus próprios membros. Mas são vangloriados como se o estado de desesperança fosse a única saída com a qual devêssemos nos contentar.

Em “Mr. Robot”, mesmo com as correntes econômicas finalmente quebradas, ainda assim a sociedade não se vê livre. O problema então é mais profundo. E é justamente ao levar essa discussão para outros níveis que os conflitos apresentados se justificam. É quando os planos da F Society são bem sucedidos que as crises de Elliot atingem seu clímax. É aí que a narrativa pode apontar para o fato de que talvez o problema esteja em nós mesmos, enraizado em nossa natureza. E não é esse o primeiro passo para a redenção?

É claro que a leitura e a interpretação das obras, ainda mais em algo tão subjetivo quanto expressões artísticas, depende – e muito – da mente e do coração de quem está recebendo a mensagem. E, como cristãos, devemos saber discernir entre o que é saudável e de fato nos faz perceber cada vez mais a bondade, a verdade e a dignidade do caráter de Cristo, e o que apenas serve de combustível para nossos próprios conflitos e alimenta nossas tentações.

Turner também diz que “tornamo-nos mundanos não porque nos envolvemos com o mundo, mas porque permitimos que ele molde nosso pensamento”[2]. Então, mais do que nos preocupar com os conflitos e tensões apresentados nas obras (e em última instância isso também deve sim ser considerado), que nossa atenção esteja em como eles são apresentados. Apontam para destruição, desesperança e morte, ou para o alvo, para a redenção e para a vida?

[1] TURNER, Steve. Cristianismo Criativo – Uma visão para o cristianismo e as artes. São Paulo, W4Editora, 2006, p. 55.

[2] Idem, p. 58

• Amanda Almeida tem 23 anos e é recém-formada em Comunicação Social pela UFMG. Sua monografia tratou de jornalismo cultural, arte e cristianismo. Amanda escreve para o blog Ultimato Jovem sobre cinema.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *