Por José Carlos Brito

Flor do Mandacaru (Rogério Avelino)

Sou natural de São Paulo e há 10 anos moro no nordeste, onde desenvolvo projetos missionários e de desenvolvimento comunitário. Trabalho diretamente no sertão há 5 anos. Geralmente, quando recebemos equipes que vem nos apoiar a curto prazo ou quando viajo para divulgar o trabalho que estamos realizando, uma pergunta sempre surge nas rodas de conversa: “Em meio à seca severa, tanta pobreza e injustiça, existe esperança para o Sertão?”.

Sei que para os cristãos mais fervorosos, questionar isso seria uma prova de pouca fé. Claro que existe esperança, nosso Deus é o Deus do impossível! Mas para quem convive com a realidade das mazelas do semiárido, por vezes, a percepção que tenho é que o problema não é “Deus ser o Deus do impossível”, e sim, nossa justiça que é comparada a um trapo de imundice!

Comecemos com a realidade sertaneja que nos cerca hoje. De todos os 1.133 municípios que compõem o semiárido nordestino, nenhum tem a média nacional de IDHM1 brasileira, ou seja, todos os municípios do sertão estão abaixo da media nacional em relação ao desenvolvimento humano. Olhando de forma específica, o município onde moro, Betânia do Piauí, cerca de 80% da população está vulnerável à pobreza2, e cerca de 40% dos jovens acima de 18 anos são analfabetos3. Esse número não é tão alarmante quando constatamos que cerca de 50% dos analfabetos do Brasil estão no nordeste4.

Poderíamos levantar inúmeros dados constatando o abismo social que vive o sertão, mais como nosso assunto é esperança, a pergunta que fazemos é: o que está sendo feito para mudar esse quadro?

Há mais de uma década, iniciaram vários programas de distribuição de renda com o objetivo de beneficiar a população mais carente do nosso país. Sem dúvida, o sertanejo é um dos grupos que mais atende os requisitos para receber esses benefícios. Só em Betânia do Piauí, onde moro, 90% da população recebe o benefício do programa Bolsa Família5. Outro questionamento comum que chega até mim, é se esses programas realmente fazem bem as comunidades e se eles transformam a realidade do pobre, como é mostrado nas propagadas, minha resposta é um sonoro: sim e não.

Sim, porque historicamente a população do semiárido sempre foi explorada e colocada a margem da sociedade. Desde o tempo de Brasil Colônia, o nordeste é palco das mais terríveis explorações. No começo, pelos senhores de escravos, depois pelo coronelismo e agora por uma indústria da seca que impede que o sertanejo tenha acesso a um bem básico, sem se comprometer politica e socialmente com um grupo que comanda a distribuição de água. Conceder um benefício mensal para essa população, historicamente explorada, que garanta um rendimento para suprir suas necessidades na falta de emprego, é garantir o mínimo de dignidade e autonomia. Desta forma, recebe o dinheiro, que geralmente cai na mão da mulher e por sua vez, compra aonde quiser e o que quiser.

Mas a história não termina nesse ponto e chegamos no “Não”. Tais iniciativas não são suficientes para reparar os anos de exploração e descaso com o sertanejo. Garantir uma renda média de duzentos e cinquenta e cinco reais por família6 não faz com que o sertanejo saia das garras da pobreza, aliás, a história tem mostrado que apenas “dar” um rendimento mensal não tem transformado essas comunidades carentes, ao contrário, tem criado uma geração de dependentes do benefício governamental.

Diante disso, algumas pessoas podem questionar: qual seria a saída? Em um lugar com tanta escassez, tão seco, o que poderia ser feito para mudar tal realidade? Na verdade o semiárido nordestino é o mais chuvoso do planeta7, se comparado com Israel, onde chove a metade do que chove no sertão. Porém, em Israel não se ouve falar que a população está precisando de carro pipa ou que estão passando fome.

A diferença entre esses dois lugares é algo chamado investimento! Atualmente, não existe projetos em longo prazo para mudar a realidade do sertão. Não existe projeto em longo prazo de combate a seca ou de combate à miséria, ao analfabetismo. O que existe são pequenas ações que simplesmente jogam uma “mão de cal” quando se precisa uma reforma completa.

O sertão nordestino é carente de pessoas, organizações e governos que pensem em longo prazo. É carente de ações que gerem um sertão diferente e frutífero hoje e amanhã. Programas de distribuição de renda que tirem a população da situação atual, e não que garantam somente uma pequena mesada para ajuda emergencial, que não provoca mudança nem transformação de pensamento – ao contrário, em longo prazo, geram conformismo e atrofiam o pensamento empreendedor.

Tal desafio também precisa ser encarado em nossas igrejas e congregações, que, muitas vezes, só olham para o sertão após ver uma reportagem mostrando o chão rachado, aí têm a iniciativa de levar cestas básicas para atender uma emergência. O sertão não precisa de cestas básicas. O sertão não precisa de caminhões pipas. O sertão precisa de homens e mulheres que coloquem sua fé em ação e trabalhem para que futuras gerações possam ter condições de sair do círculo da pobreza que afetam essas comunidades.

Existe esperança para o Sertão? É claro que sim! Porque Deus é um Deus do impossível e porque no sertão há pessoas que, independente das injustiças e explorações, continuam crendo naquilo que ainda não viram e pela fé sabem que pode se tornar realidade.

Notas:
1 IBGE 2010
2 PNUD 2010
3 PNUD 2010
4 Lyra,Sergio. Cidades do Interior: Editora Ultimato, 2013
5 MDS (Ministério de Desenvolvimento Social de combate a fome) 2012
6 MDS (Ministério de Desenvolvimento Social de combate a fome) 2012
7 Expressão Sergipana, O sertão de Laercio Oliveira: Numa mão um copo d´água, na outra um punhal.

Foto: Flor do Mandacaru (Rogério Avelino, Caiçara/PB).

  1. Sou mineiro, mudei-me de livre espontânea vontade para o Nordeste, divorciei-me em Goiás e casei-me com uma potiguar. Estou aqui há exatos 18 anos e 8 meses. Minha experiência é um pouco diferente da sua. Nestes mais de 18 anos vi o Nordeste mudar para melhor. O que estraga essa região:
    1. Governos que sabem que é fácil levar água para a maioria da população. Não fazem: se o fizerem, perdem o cabresto dos votos. É preciso politicamente ‘escravizar’ o nordestino, aqui do RN e na PB. Não falta água no Nordeste, falta política de captação e distribuição que o político quer ver o diabo mas não a solução.

    2. O que estraga o Nordeste é o bolsa família. Entenda-me, o bolsa família faz enorme falta se deixar de ser pago. Acontece que com ele vem o domínio e o controle sobre quem recebe. É a migalha oferecida para manter a ‘escravidão’.

    3. Os grandes centros, refiro-me, no caso do RN, Natal e Mossoró, gera-se muita riqueza. mas a distribuição é lamentável. O paternalismo não deixa o empreendedor vingar. Quem tem algum recurso faz o que famílias estão há décadas fazendo: mudam para as cidades, educam os filhos e vêem aí um futuro promissor. Há um nível de pobreza no Nordeste que não tem solução como não tem solução as grandes periferias de BH, SP e outras. É da natureza mesmo.

    4. A visão evangélica, tradicional, atrapalha muito esta parte do país. Pensa-se muito aqui, quem vem do sul, o que se pode fazer para resolver o problema da pobreza, mas poucos evangélicos investem em coisas permanentes, em instituições que catapultam famílias, escola, por exemplo. Pode-se queixar enormemente da igreja católica, de seu domínio sobre a mente do nordestino ‘idólatra’, mas as melhores instituições de ensino estão nas mãos deles. Protestante prefere fundar igreja, fazer poço para armazenar água no sertão, criar comunidades, colocar dinheiro precioso em obras emergenciais.

    O futuro do Nordeste está nas suas cidades, e não no seu interior.

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