Por Jénerson Alves

Machado de Assis (1839 – 1908)

Se estivesse vivo, o maior escritor brasileiro completaria 178 anos em junho. Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no dia 21 de junho de 1839, na cidade do Rio de Janeiro – que, na época, contava com cerca de 300 mil habitantes. Mais do que um hábil autor, Machado de Assis é exemplo de uma pessoa que deu a volta por cima. Filho de um pintor mulato e de uma lavadeira portuguesa, não realizou seus estudos regulares. Além das condições sociais, ele precisou enfrentar adversidades de ordem fisiológica, tendo em vista que era mulato, gago e epilético.

Porém, um dos fatos que mais chama a atenção em sua biografia é o amor vivenciado em seu matrimônio. Em 1869, casou-se com Carolina Xavier de Novais, com quem passou quase a vida inteira. Ela era portuguesa e quatro anos mais velha do que ele. O casal não teve filhos. Carolina faleceu em 1904, com 69 anos de idade. Devido à morte da esposa, Machado foi tomado por uma grande tristeza e saudade. Conta-se que ele manteve a casa do mesmo jeito que era quando ela estava viva. E fazia as refeições sempre com dois pratos à mesa. O escritor morreu em 1908, curiosamente também com 69 anos.

Do ponto de vista literário, Machado de Assis é a mais proeminente figura do Realismo – escola literária caracterizada pelo racionalismo e por uma análise descritiva dos problemas da vida. Uma das marcas do estilo de Machado é a ironia, entrecortada por um humor velado, como pode ser conferido em ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, publicado inicialmente em 1881. Ele consegue perscrutar a hipocrisia da elite carioca e, assim, adentra nos porões da existência humana, abordando assuntos intrínsecos a todos os homens.

Observando a vida e o legado do escritor, é possível fazer uma relação com um dos profetas menores do Antigo Testamento. No oitavo século antes de Cristo, o profeta Oseias apontava a hipocrisia do povo de Israel, que estava em declínio moral e espiritual. Ao contrário da sutileza dos textos machadianos, o livro bíblico apresenta um tom objetivo, em consonância com o fator profético da obra.

Assim como Machado de Assis amou Carolina intensamente, o profeta Oseias amou sua esposa, Gômer, de forma extraordinária. Tanto é que teólogos como Eugene Peterson chamam-no de “profeta do amor”. Como é de amplo conhecimento, Oseias tomou sua esposa de um ambiente de imoralidade e tornou-a a mãe de seus filhos. A relação de ambos é considerada uma metáfora da relação de Deus com Israel. Da mesma forma que Gômer traiu o profeta, o povo de Deus traiu o Senhor.

É impressionante, ainda, como esta situação pode ser aplicada aos dias atuais, sobretudo no contexto brasileiro. A máscara da hipocrisia esconde a face machucada de uma sociedade doente. As chagas de um povo massacrado pelo pecado – manifestado em suas mais variadas vertentes – gera nódoas irreversíveis, mas ocultadas por falsas liberdades. Envolvida em uma redoma de aparente prosperidade, a Igreja envereda pela infidelidade.

Diferentemente do que houve nos tempos do Velho Testamento, carecemos de vozes proféticas que se levantem, denunciando o pecado pelo seu nome, mas também ressaltando que o anseio do Senhor é salvar, não condenar. Afinal de contas, como Oseias não se envergonhou de mostrar seu amor pela esposa, não podemos esquecer que Deus amou o mundo e deu Seu único filho para que, ao crer nEle, todos tenham vida plena e eterna.

Para que aconteça uma verdadeira transformação no Brasil atual, talvez seja necessário que surjam “Oseias modernos”, emoldurando com amor divino a narrativa do tempo presente. Convém, então, orarmos com o mesmo sentimento de Machado de Assis, ao escrever o poema ‘Fé’:

No turvo mar da vida,
Onde aos parcéis do crime a alma naufraga,
A derradeira bússola nos seja,
Senhor, tua palavra.

• Jénerson Alves é jornalista, membro da Igreja Batista Emanuel em Caruaru (PE) e presidente da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel (ACLC).

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