P10_08_09_15_GirassolPor Héber Negrão

Vimos no texto anterior que nosso serviço cristão deve acontecer como obediência ao mandamento bíblico e como uma expressão das bênçãos que Deus tem derramado sobre nós. Neste segundo texto quero mostrar que o serviço cristão não é apenas um pretexto para que o Evangelho seja pregado, mas uma expressão do mesmo.

Christopher Wright explica que o chamado para sermos luz do mundo deve ser evidenciado pelas nossas boas obras (Mt 5.14-16). O contexto de Mateus 5 é de testemunho de vida, e não de proclamação.

Não foi ‘para que eles possam ouvir seu testemunho impressionante’, mas para ‘que vejam as suas boas obras’. Eles de fato tinham uma mensagem para pregar — é claro que sim. As boas novas do reino de Deus devem ser compartilhadas. Mas quando Jesus fala sobre ‘luz’ ele está se referindo a vidas que são atraentes por serem cheias de bondade, misericórdia, amor, compaixão e justiça. 1

Portanto, uma vez que nossa vida foi iluminada pelo Evangelho de Cristo, ela deve refletir essa luz em ação, serviço, boas obras e tudo isso deve redundar em glórias a Deus. O Evangelho deve ser traduzido em ações, para a glória de Deus.

Qual deve ser, portanto, a nossa postura quando vivemos num contexto onde enfrentamos impedimentos para pregar verbalmente o Evangelho?

Lembro-me agora do texto de Paulo em sua segunda carta aos irmãos da igreja de Corinto. Ele diz que “para Deus somos o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo” (2 Co 2.15). Se observarmos atentamente o contexto vamos perceber que Paulo não teve “sossego em seu espírito” para pregar (‘querigma’) o evangelho em Trôade (v. 12, 13), preferindo seguir para a Macedônia. Ele continua o texto se regozijando porque através dele “exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento” (v. 14).

Mesmo impedido de anunciar verbalmente o Evangelho, Paulo vê a si mesmo como alguém que espalha a fragrância desse Evangelho pelo conhecimento que ele tem de Deus. Simon Kistemarker em seu comentário de 2ª Coríntios diz que:

O conhecimento de Deus não é meramente uma percepção intelectual de um ser divino. Inclui servir a Deus obedientemente e amá-lo de coração, mente e alma. A aplicação do verdadeiro conhecimento emite um perfume que nunca passa despercebido.2

É por causa do conhecimento que temos de Deus, por causa do nosso amor a Ele, que devemos nos dispor a servir aos outros. E o nosso serviço (‘diaconia’) precederá o ‘querigma’ (pregação verbal) como um perfume anuncia a chegada daquele que o usa. O serviço, portanto, é uma testemunha do Evangelho. E tanto o ‘querigma’ quanto a ‘diaconia’ são expressões reais do Evangelho de Cristo.

Gostaria de exemplificar este ponto mostrando as limitações que temos enfrentado no início do nosso ministério entre o povo Tembé. Começamos a trabalhar entre este povo há pouco mais de um ano e meio. Atualmente nossas atividades estão relacionadas a visitas nas aldeias e auxílios na cidade. Muitos indígenas saem de suas aldeias para tratar da saúde na cidade, e enquanto estão aqui, nós damos apoio em diversas áreas; ajudando a fazer compras, auxiliando nos serviços bancários, transportando-os em nossos carros de um lado para o outro da cidade, sempre que há necessidade. Além disso, temos feitos viagens regulares para a aldeia onde convivemos mais de perto com o povo, visitando-os em suas casas, assistindo suas festas, trocando alimentos, etc.

Por nenhum momento estamos esquecendo que nosso foco é a pregação do Evangelho, mas como fazer isso sem o conhecimento adequado da cultura e da língua do povo? Se pregarmos um evangelho alheio à sua realidade correremos o risco de gerar um sincretismo religioso. Nossa maior preocupação é que o Evangelho seja a resposta aos problemas daquela cultura. Mas para que isso aconteça, nós precisamos investir tempo para estudar e conhecer aquela cultura. Esse tipo de limitação é muito comum nos primeiros anos de qualquer ministério transcultural.

Para um observador desatento, no entanto, vai parecer que nestes últimos 18 meses temos simplesmente adiado a pregação do Evangelho e usado o serviço ao povo na cidade apenas como ferramenta de aproximação do povo e de fortalecimento de amizades. Como vimos acima, nosso desejo é que o serviço que temos prestado a eles sirva como um agradável aroma que anuncia a chegada de um Evangelho pleno e transformador.

Nem sempre é possível anunciar as verdades do evangelho imediatamente. Muitos contextos de atuação missionária mostram isso: países onde cristãos são perseguidos e onde há proibição clara para as Escrituras. No nosso caso, o impedimento imediato é a falta de compreensão da cultura para que o Evangelho seja contextualizado de maneira apropriada. Em todos esses lugares, porém, antes de proclamarmos o ‘querigma’, podemos servir (‘diaconia’). E o nosso serviço será como um testemunho do Evangelho.

Recentemente tivemos uma excelente oportunidade para servir os indígenas aqui na cidade. O órgão responsável pela saúde indígena teve algumas dificuldades com a empresa que terceiriza transporte dos enfermos. Eles ficaram sem carro para fazer o transporte para as aldeias e dentro da cidade. Nossa equipe missionária se colocou à disposição do responsável para fazer o transporte desses indígenas. Assim, ficamos por o período de uma semana levando em nossos carros os indígenas para o hospital, clínicas e até chegamos a fazer uma viagem para receber um indígena que vinha da aldeia com pressão alta. O que ouvimos dos Tembé durante a semana inteira foi: “se vocês não estivessem ajudando, nós estaríamos em uma situação muito difícil”.

Sem dúvida nenhuma, o Evangelho foi demonstrado de maneira prática durante esses dias. Eles perceberam isso. Você pode imaginar qual será a reação do povo tembé quando estivermos ensinando as Sagradas Escrituras. O serviço é o Evangelho posto em prática. Ele é sua expressão visível e quando o Evangelho não puder ser pregado, ele será demonstrado. Esperamos que esta experiência ajude os indígenas a compreenderem melhor o Evangelho quando este for pregado em um futuro bem próximo.

Notas:

  1. http://www.martureo.com.br/missao-integral-e-a-grande-comissao/
  2. KISTEMARKER, Simon. Comentário do Novo Testamento. Exposição de 2 Coríntios, p. 131.

• Héber Negrão é paraense, tem 33 anos, mestre em Etnomusicologia e casado com Sophia. Ambos são missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB) e da Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM). Residem em Paragominas (PA) e trabalham com o povo Tembé.

  1. Dr. Simon J. Kistemaker e não KISTEMARKER.
    Foi meu professor de Novo Testamento no RTS nos EUA. Um conservador afável de quatro costados, não era muito atualizado como Van Groningen, também da área de NT, este sim, mais atualizado.

  2. Bruna Bendelak

    Muito edificante! Que o Senhor Jesus continue nos usando e nos permitindo ser o bom perfume!!!! Deus abençoe teu ministério, querido Héber!

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