Expor ou não expor, eis a questão.

Por volta do dia 25 de maio, Dia Nacional da Adoção, as redes sociais demonstraram muita efervescência em torno de um evento organizado em Cuiabá que ficou conhecido como “Adoção na Passarela”. Os organizadores, a Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT) promoveram um desfile cujos modelos eram adolescentes (a partir de 12 anos) à espera da adoção. Participaram também crianças mais novas já adotadas. Isto aconteceu nas dependências do Shopping Pantanal em Cuiabá. A plateia era composta por adultos desejosos de promover a adoção tardia. Várias organizações sociais expressaram repúdio à estratégia dos organizadores alegando que crianças não podem ser expostas como mercadoria, em algo que se assemelha aos desfiles de animais de estimação.

A BBC News Brasil reportou a reação dos organizadores:

“Por meio de nota, a OAB-MT e a Ampara afirmaram que repudiam qualquer tipo de distorção do evento que possa associá-lo a ‘períodos sombrios da nossa história’. Segundo as entidades, em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes durante a ação.

Ainda de acordo com as entidades, nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento. ‘Todos eles expressaram alegria com a possibilidade de participar de um momento como esse. A ação deu a eles a oportunidade de, em um mundo que os trata como se invisíveis fossem, integrar uma convivência social’, diz a nota.”

Duas organizações parceiras da Rede Mãos Dadas se posicionaram formalmente:

Exército de Salvação: Mais do que um ato jurídico, a adoção é um ato de amor e de generosidade. É uma escolha do coração. Portanto, está além de uma questão estética. Tem a ver com a Ética e a Moral

Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária (MNPCFC): A estratégia utilizada pelo evento chocou a comunidade que, expressou em notas o repúdio à ação vexatória pela exibição e disponibilização de crianças e adolescentes, para uma plateia de adultos, visando serem selecionadas por sua condição de adotável, em um espaço público do consumo típico do mercado da moda e da passarela, palco da estética da aparência. Por conseguinte, a exposição permite que eles passem a serem percebidos como objetos, por si mesmos e pelos outros, além de mercantilizar um processo que não deve, jamais, estar relacionado à ideia de aquisição.

O assunto chegou a ser discutido pelo CONANDA. Veja posicionamentos abaixo.

Expor ou não expor, eis a questão. Será?

Ao visitar missionários da JOCUM em Recife, percorrendo os locais da cidade onde há uma maior concentração da população de rua, e conversando com pessoas envolvidas nas questões ligadas ao direito da criança ao convívio familiar, ficou para mim está inquietação: será que a questão maior é mesmo a exposição? Vi crianças e adolescentes abertas ao aliciamento, viciadas em cheirar cola, expostas a situações vexatórias, dormindo, trabalhando, tomando banho, comendo, enfim, vivendo ao ar livre. Em Recife, a população que passa grande parte de seu tempo na rua já chega até a terceira geração. É muito difícil nos colocarmos na pele de uma criança cujos pais e avós perambulam de um lado para o outro buscando o que comer. O que é exposição para eles? E que relação têm com a invisibilidade?

O grande problema, a meu ver, é a morosidade num sistema extremamente burocrático que prefere institucionalizar as crianças mais velhas, mantendo-as longe dos olhos e também do coração. Quem tem o poder de decisão? O Estado cujo principal ator é o poder judiciário. Quem tem pressa? A criança que raramente é vista, ouvida, visitada e atendida em seu anseio mais básico: uma família.

Mas nós temos também boas notícias. De acordo com os números constantes no Cadastro Nacional de Adoção, o número de pretendentes à adoção de crianças com idade acima de 5 anos subiu muito. Nos últimos oito anos, este aumento foi de 1.500 % – de 795 para 11.963!

Resolvemos então publicar vários relatos e opiniões de pessoas que dedicam suas vidas para que a criança tenha o seu direito à convivência familiar respeitado e garantido.

Começamos ouvindo a Tony Lewry, missionário inglês envolvido com a Reaviva, uma organização social cristã sediada em Olinda, PE. O foco de seu trabalho hoje é a implantação de um serviço de acolhimento familiar no município de Olinda como projeto piloto.

   Enquanto a poeira em torno da “Adoção na Passarela” assenta, me ponho a ponderar as fortes reações que as pessoas tiveram a nível nacional e internacional ao evento que esperava encontrar famílias para as 18 crianças expostas. O evento foi comparado a um mercado de escravos e preocupações sobre o efeito psicológico sobre as crianças foram levantadas.

Então o que eu acho? Eu colocaria esses adolescentes em exposição? Em um centro de consumo, bem posicionados entre os eletrônicos de última geração e um belo par de sapatos, perfeito para o casamento do próximo fim de semana? Eu acho que não o faria. Acho que uma ação assim passa uma mensagem dúbia sobre adoção aos futuros pais e aos adolescentes que precisam tão desesperadamente de uma família. Mas tendo dito isto, eu também não seria tão rápido em julgar.

Embora nos últimos anos tenhamos visto um aumento de futuros pais dispostos a adotar crianças mais velhas e até grupos de irmãos; há ainda uma defasagem no número de famílias dispostas a cuidar das crianças que estão na lista de adoção com mais idade, com problemas de saúde, com pele mais escura ou com irmãos. Na verdade, nesta lista existe atualmente mais de 5.000 crianças e adolescentes esperando por uma família adotiva que talvez nunca apareça.

Tendo trabalhado em abrigos nos últimos 8 anos, creio que o sistema está imensamente mal equipado e sub-financiado para atender a essas crianças da maneira que merecem. Muito mais poderia ser feito no âmbito comunitário para evitar o colapso das famílias. Muito mais poderia ser feito para reabilitar famílias que esperam ter seus filhos devolvidos a eles. Muito mais poderia ser feito para desenvolver a maneira como cuidamos das crianças no sistema de acolhimento e como as preparamos para retornar às suas famílias biológicas ou à espera de adoção.

Então, eu promoveria um desfile desses jovens em uma passarela expondo sua necessidade e fragilidade? Provavelmente não, mas seria ainda mais escandaloso recuar e não fazer nada. Só que este escândalo da inércia, por alguma razão desconhecida, não é digno de notícia.

Está claro nas páginas dos evangelhos que Jesus entregou sua vida pelos pobres e marginalizados, e ficou indignado quando as pessoas tentaram impedira sua aproximação com as crianças. Como seguidores de Cristo, estamos gastando nossas vidas pelos pobres e marginalizados de hoje? Ou estamos passando do outro lado para evitar enfrentar realidades duras?

Eu acredito que a Igreja tem que seguir os passos do Senhor, precisamos investir no desenvolvimento comunitário e na prevenção do colapso familiar. Devemos nos esforçar para ajudar a reabilitar e apoiar as famílias enquanto elas trabalham para que seus filhos voltem para casa. Devemos estar dispostos a abrir nossas casas para promover e adotar essas preciosas vidas que precisam desesperadamente experimentar o amor de Deus. Eu oro para que essas 18 crianças encontrem bons lares amorosos, eu também oro para que este escândalo da “Adoção na Passarela” leve a Igreja a agir, para mostrar mais do amor de Deus pelos pobres e marginalizados de nosso país.

 

 

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