Mero Cristianismo

A Teologia da Missão e a Linguagem da Transformação

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Em 2005 um grupo de amigos se reuniu para  discutir novos rumos para a reflexão evangélica sobre Cristianismo e Cultura e, particularmente, sobre as limitações e possibilidades da teologia da missão integral. Desses encontros surgiu o livro “Cosmovisão Cristã e Transformação”, publicado pela editora Ultimato em 2006. A este livro se seguiu outro pela mesma editora, intitulado “Fé Cristã e Cultura Contemporânea”, e uma série de iniciativas de tradução de autores reformacionais, palestras gravadas e artigos. O último desdobramento literário desse movimento foi o indispensável livro do filósofo e teólogo goiano Pedro Lucas Dulci, “Ortodoxia Integral”, que impulsionou novas reflexões no  movimento.

As reflexões tem nos levado recentemente a um ponto de inflexão, na medida em que  nos perguntamos: é o projeto historicamente denominado “Teologia da Missão Integral” ainda fértil e adequado para responder aos desafios da hipermodernidade e às necessidades da igreja evangélica brasileira no século XXI ou estaríamos no meio de uma crise paradigmática “Khuneana” que pode nos levar à ruptura e a um novo paradigma de teologia pública? Os próximos anos ou meses dirão; mas as atitudes dos representantes do paradigma atual sugerem que ele está irrecuperavelmente calcificado; seus atos e palavras mostrarão a verdade no futuro próximo.

Neste artigo vamos problematizar o uso da linguagem da transformação no contexto da missão integral. As respostas são apenas parciais. Na reflexão sobre o assunto, descobrimos que a própria tradição neocalvinista compartilha de alguns dos erros agora visíveis no discurso popular sobre a missão integral, embora não do mesmo modo, sugerindo que a mera substituição da teologia de missão integral pelo neocalvinismo holandês seria insuficiente para articular uma teologia pública radicalmente evangélica no contexto do século XXI. (mais…)

A Regra da Fé

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Em um mundo no qual o mote “viver sem regras” vende filmes, livros de auto ajuda e produtos de alta tecnologia, a ideia de uma “regra de fé” não soa muito bem. Até mesmo em contextos religiosos o discurso sobre uma espiritualidade “sem regras” dá uma sensação de liberdade, de frescor, de algo orgânico e vital.

Mas a vida tem regras; está cheia delas. De leis matemáticas à legislação de trânsito, da biologia humana, que insiste em seguir as mesmas leis sem nenhum interesse especial pelos anseios libertários da cultura hipermoderna à linguagem de programação oculta por trás de uma tela retina de alta tecnologia na qual até uma criança escreve com o dedo. Alguns desses processos são bem mecânicos e intencionais; outros são orgânicos e automáticos; mas as regras estão lá, e não podem ser ignoradas sem que os processos que dela dependem sejam destruídos. E no campo da fé não é diferente. (mais…)

O Triplo Conhecimento

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“Qual é o seu único consolo, na vida e na morte?”

O meu único consolo é meu fiel Salvador Jesus Cristo […].

“O que você deve saber para viver e morrer neste consolo?”

Primeiro: como são grandes os meus pecados e a minha miséria

Segundo: como sou salvo de meus pecados e de minha miséria

Terceiro: como devo ser grato a Deus por tal salvação.

Muitos “Saberes”

A segunda pergunta do catecismo de Heidelberg é uma pergunta sobre o que se deve saber.

Há no mundo da experiência humana uma variedade de tipos de conhecimento, e não devemos confundi-los. É um erro fundamentalista recorrente a sugestão de que o conhecimento religioso é o único conhecimento certo, desqualificando outras formas de saber, como o senso comum e a ciência. E é um erro grave, também, tentar formatar todos os saberes em termos cientificistas, como muitos já tentaram no século passado e continuam tentando hoje.

Em termos mais simples: eu erro se tento colocar o conhecimento da minha esposa na mesma categoria do conhecimento de objetos físicos ou do conhecimento do teorema de Pitágoras. Considere, por exemplo, um buraco na areia. Se eu lhe disser que há uma antiga e rara moeda de ouro lá dentro (e houver!) você enfiará a mão com entusiasmo. Mas não terá tanto entusiasmo se descobrir que lá há uma cobra muito rara; ou ao menos, não enfiará a mão ali. Porque a natureza do objeto altera o modo de aproximação. (mais…)

O Chão que me Sustenta

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“- Qual é o seu único conforto, na vida e na morte?”

“- O meu único conforto é meu fiel Salvador Jesus Cristo.”

Com estas palavras abre-se o catecismo de Heidelberg, que em janeiro completou 450 anos e é reconhecidamente um dos mais importantes símbolos confessionais do protestantismo. Não apenas seu caráter Cristocêntrico, como também seu profundo sentido espiritual revelam-se ao longo de todo o primeiro artigo:

“- A Ele pertenço, em corpo e alma, na vida e na morte, e não pertenço a mim mesmo. Com seu precioso sangue Ele pagou por todos os meus pecados e me libertou de todo o domínio do diabo. Agora Ele me protege de tal maneira que, sem a vontade do meu Pai do céu, não perderei nem um fio de cabelo. Além disto, tudo coopera para o meu bem. Por isso, pelo Espírito Santo, Ele também me garante a vida eterna e me torna disposto a viver para Ele, daqui em diante, de todo o coração.”

Captura a minha atenção, nesse primeiro artigo do catecismo, a conexão imediata entre a doutrina e a existência. O texto não fala de algo abstrato, puramente teológico, mas de algo dramático, duma questão de vida e morte. O que pode ser tão amplo que abarque a vida e também a morte? E não apenas amplo mas também urgente, já que a vida está o tempo inteiro à beira da morte? (mais…)

Extra Nos (“fora de nós”)

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Em “Surpreendido pela Alegria”, C.S. Lewis apresenta sua longa jornada em direção à fé no que poderíamos descrever como um trabalho divino de extração – “Fui, como dizem, ‘arrancado de dentro de mim mesmo'”, segundo as suas palavras. As experiências com a “alegria”, que tiravam o seu sossego e o forçavam a olhar para além de si mesmo, seriam nada menos que o insistente chamado divino. Lewis precisou até mesmo de uma conversão intelectual para finalmente olhar para fora de sua alma (mais…)

O Amante, o Amado e o Amor: Deus, segundo o Cristianismo

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No âmago do cristianismo está o conhecimento de Deus. No âmago do cristianismo está o anúncio de que Deus veio até nós, e está conosco. É assim que a igreja primitiva compreendeu a revelação de Jesus Cristo, conforme a antiga profecia de Isaías:

Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel. (Is 7.14)

Emanuel, “Deus conosco”. O Deus Cristão é outro, ou no mínimo mais do que o deus dos filósofos, por dar a si mesmo na revelação. Pois a revelação bíblica não é a revelação de uma determinada quantidade de informações, ou mesmo de informações a respeito de Deus, mas é a revelação de Deus, dele próprio em sua concretude e factualidade, como um supremo Sujeito e um supremo Objeto (não além da relação sujeito-objeto, como o quer Tillich) que se apresenta ao homem e que é um fato final, incontornável, inabsorvível para o pensamento teórico. Inabsorvível para a ciência e a filosofia, mas nem por isso sem significado (como se fosse o fato-bruto-sem-significado dos teólogos Kantianos) mas um fato que é ao mesmo tempo cheio de significado em si mesmo, e que por isso comunica veracidade ao discurso humano; um fato que não é completamente inefável, ainda que não seja completamente dizível.

Como é esse Deus Cristão? Quem é ele? (mais…)

Todo mundo é crente. Até quem não é…

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“Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra.

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos Céus, está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir julgar os vivos e mortos.

Creio no Espírito Santo, na santa Igreja católica (ou universal), na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, e na vida eterna.”

 

O “Credo” Apostólico, que remonta aos primeiros séculos do cristianismo, começa (obviamente) com o verbo “crer”, como observa quase toda introdução que se escreve a ele. É claro que o Credo é antes de tudo uma confissão a respeito da fé, mas nada podemos falar do ato da Confissão sem antes considerar a natureza da crença.

Sob certo ângulo, é verdade que ocupar-se demasiado do “crer” enquanto verbo, ação e posicionamento do homem pode nos tirar completamente do foco, uma vez que o Credo jamais foi a celebração ou anúncio de uma condição subjetiva do indivíduo; pelo contrário, ele está completamente absorvido pelo objeto da crença, exatamente como o estado de crer é um estado voltado para fora, extático, intencional, tanto que enquanto falamos do interior da crença, não temos consciência de sua força ou estrutura, e sim de seu interesse.

E talvez pudéssemos nos mover diretamente para isso que é o nosso interesse comum, não fosse “a crença” em geral e “a crença religiosa”, em particular, uma questão tão controversa no mundo de hoje. E na verdade a natureza do ato de fé é realmente algo confuso na cabeça dos próprios cristãos. De modo que não há como seguir sem tocar no assunto. (mais…)

A Mensagem do Credo Apostólico!

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Caros leitores,

a partir dessa semana iniciamos uma exposição sobre a fé cristã que passará pelos principais “símbolos de fé” do cristianismo: o Credo Apostólico, a Oração do Senhor e os Dez Mandamentos.

O primeiro deles é o Credo, que apresenta a síntese mais antiga em amplamente aceita da visão cristã de Deus. Mas antes de considerar o seu conteúdo vamos conversar um pouquinho sobre a natureza da fé; esse será o tema dos primeiras postagens. E assim que clarearmos esse assunto prosseguiremos para os temas centrais da teologia cristã!

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