A Regra da Fé
Em um mundo no qual o mote “viver sem regras” vende filmes, livros de auto ajuda e produtos de alta tecnologia, a ideia de uma “regra de fé” não soa muito bem. Até mesmo em contextos religiosos o discurso sobre uma espiritualidade “sem regras” dá uma sensação de liberdade, de frescor, de algo orgânico e vital.
Mas a vida tem regras; está cheia delas. De leis matemáticas à legislação de trânsito, da biologia humana, que insiste em seguir as mesmas leis sem nenhum interesse especial pelos anseios libertários da cultura hipermoderna à linguagem de programação oculta por trás de uma tela retina de alta tecnologia na qual até uma criança escreve com o dedo. Alguns desses processos são bem mecânicos e intencionais; outros são orgânicos e automáticos; mas as regras estão lá, e não podem ser ignoradas sem que os processos que dela dependem sejam destruídos. E no campo da fé não é diferente.
Uma Regra para a Fé
O ato de crer envolve regras; ele sempre nos coloca, por exemplo, em uma relação de dependência emocional em relação àquilo no que cremos, de modo que quando as expectativas de confiança são frustradas, a sensação de desamparo é profunda. Sempre envolve também um conteúdo noético, que pode ser traduzido em proposições e analisado racionalmente. Outro elemento indispensável da fé é a submissão: aquele que acredita na ciência, sem prejuízo do questionamento racional e do juízo investigativo, deposita confiança em revistas acadêmicas peer-reviewed, nos modelos e tradições dominantes em um campo de pesquisa, na autoridade dos grandes nomes do campo e, é claro, submete-se ao consenso de uma comunidade científica.
As Escrituras Cristãs são a “regra de fé e prática” para os Cristãos protestantes porque literalmente regulam o modo como a nossa confiança em Deus deve se expressar. Os cristãos entendem que a revelação de Deus deve governar o nosso modo de se aproximar dele por uma razão óbvia: nossa confiança em qualquer pessoa (e isso inclui a pessoa de Deus) se fundamenta naquilo que conhecemos sobre essa pessoa, e na palavra que ela nos dá. A confiança é uma resposta que ocorre dentro de um ato de comunicação pessoal, no qual o que ouvimos do outro passa a representar de forma suficiente tudo aquilo que não sabemos mas não temos como verificar. A face e a voz do outro se tornam para nós a evidência suficiente do que precisamos saber.
“As Escrituras Cristãs são a “regra de fé e prática” para os Cristãos protestantes porque literalmente regulam o modo como a nossa confiança em Deus deve se expressar”
Jesus e a Bíblia
A prática de considerar as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento como a própria “Palavra de Deus” é muito antiga e nos foi dada junto com a fé Cristã. Há uma abundância de exemplos de autores bíblicos tratando textos canônicos como a palavra de Deus, sendo que os mais importantes nos foram dados pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Para citar um exemplo: em Mt 19.5 Jesus cita Gn 2.24 como se fossem as palavras que o próprio Criador disse, muito embora, em Gênesis, elas pudessem ser interpretadas como palavras do redator humano. Na verdade Jesus estava reproduzindo uma crença corrente no judaísmo da época de que os textos canonizados (reconhecidos como Escritura inspirada por Deus) deveriam ser considerados a própria Palavra de Deus em linguagem humana.
Jesus nada fez para “corrigir” essa noção – como fez sem titubear com muitas outras ideias religiosas da época. Pelo contrário, ele a empregou amplamente e a ensinou aos seus discípulos, tornando inviável a sugestão de que ele havia meramente se “acomodado” às concepções da época. Ele afirmava que a Escritura “não pode falhar” (João 10.35) e, a despeito da sua pluralidade literária e histórica, tratava o seu testemunho de forma orgânica. Depois da ressurreição encontramos Jesus se encontrando com dois discípulos no caminho de Emaús e ensinando que tudo o que lhe aconteceu havia sido predito “na Lei, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24.44,45).
Para quem não sabe, essa expressão tripla era um modo de referir-se à totalidade dos textos do antigo testamento: a “lei” era o pentateuco; os “profetas”, os textos históricos que tratam dos períodos do ministério profético em Israel e em Judá, e a totalidade dos profetas “maiores” e “menores”; e os “Salmos” eram a senha para o terceiro bloco, também chamado de “escritos”, que incluía os Salmos, textos de sabedoria, alguns documentos históricos tardios e o profeta Daniel.
Ou seja: Jesus toma esses blocos de textos sagrados que compunham o “cânon” (do grego kanon, “medida” e, eventualmente, “regra”) mais aceito na época, colecionado sabe-se lá como e por quem (na verdade, temos uma boa ideia de como isso aconteceu!) e os trata organicamente, assumindo que eles apresentam um testemunho coerente a respeito dele mesmo, o Messias divino. E que esse tratamento não consistia de mera repetição servil da tradição religiosa, fica evidente pelo fato de que essa compreensão orgânica do Antigo Testamento só foi alcançada pelos discípulos depois da ressurreição. O Cristo ressurreto é quem abriu as Escrituras para os seus discípulos.
E os apóstolos realmente herdaram essa forma de ler a Bíblia, não apenas assumindo que o cânon fora de algum modo produzido por Deus para dar testemunho de Jesus, e que suas palavras seriam as palavras de Deus, mas também que seu tema central seria o próprio Jesus Cristo. Leia-se os Evangelhos, o livro dos Atos dos apóstolos, e suas cartas: essa atitude para com as Escrituras está lá, claramente visível.
E o Novo Testamento?
Depois de apontar esse fato – que o Antigo Testamento é a palavra de Deus, para nós, porque era a Palavra de Deus para Jesus Cristo – é comum ouvirmos perguntas sobre o Novo Testamento. Como fica a sua autoridade, já que Jesus validou apenas a Bíblia de sua época?
Para começar, precisamos ter em mente que o Antigo Testamento não se tornou Escritura Sagrada apenas depois de Jesus validá-lo; a Bíblia já era Bíblia quando Jesus a empregou. Não seria muito inteligente, portanto, ignorar o modo como Deus produziu a primeira parte do cânon, ao considerar o que pensamos sobre a segunda parte!
Sabemos que Deus usou profetas e escribas para receber a revelação e colocá-la na forma de livros. Além disso, usou a própria comunidade de fé para colecionar os livros sagrados, reconhecê-los, separando-os de textos espúrios, e transmiti-los. Jesus não validou apenas os textos, mas esse processo longo, comunitário e assistemático. A implicação teológica é clara: foi o próprio Deus quem controlou providencialmente esse processo.
Deus usou a própria comunidade de fé para colecionar os livros sagrados, reconhecê-los, separando-os de textos espúrios, e transmiti-los. Jesus não validou apenas os textos, mas esse processo longo, comunitário e assistemático.
Ocorre que a formação do Novo Testamento segue o mesmo padrão. O período do Novo Testamento caracteriza-se por ser um novo momento revelatório, com muitos profetas e apóstolos em intensa atividade. Os textos que eles produziram foram providencialmente colecionados, transmitidos e reconhecidos pela Igreja entre o século I e o século III. Em termos formais o processo foi semelhante. Se alguém acredita que Deus usou esse processo longo e assistemático para formar a primeira parte da Bíblia, não há porque recusá-lo no tocante à segunda.
Em segundo lugar, não podemos nos esquecer do caráter apostólico da Igreja primitiva. Jesus escolheu apóstolos e profetas porque ele realmente atuaria e falaria através deles, e eles atuariam e falariam em nome de Jesus, como se ele próprio estivesse presente. É claro então, que Jesus também validou o Novo Testamento; só que, dessa fez, ao invés de validá-lo depois, validou-o antes de sua redação, ao autorizar seus representantes e garantir-lhes a assistência especial do Espírito de Deus (Jo 16.13-15; Ef 3.1-6; 1Co 14.37). Ora, tanto a evidência interna dos textos neotestamentários quanto a evidência externa da igreja primitiva mostram que cada um dos documentos do Novo Testamento – os Evangelhos, os Atos, as Cartas e o Apocalipse – é produto da atividade evangelística, pedagógica e revelatória dos apóstolos e profetas de Jesus Cristo. Por meio deles, Jesus levou adiante a sua obra.
Mas acima de tudo está o fato de todos esses textos neotestamentários terem surgido sob o impacto do mais alto evento revelatório da história da salvação, a manifestação do próprio Verbo de Deus em carne, e terem no testemunho desse evento a sua mensagem central (Hb 1.1-4). É isso que lhes dá o caráter de Escritura: assim como Jesus mostrou que o Antigo Testamento dava testemunho dele, cada um desses textos do Novo Testamento dá testemunho de Jesus Cristo. O fato de todos estarem plenos do Evangelho de Jesus é o que os coloca lado a lado com as Escrituras judaicas. E assim temos uma obra completa: o Antigo Testamento anuncia a Jesus como promessa, e o Novo Testamento o anuncia como cumprimento. Mas ambos tem Jesus Cristo como o seu fundamento e sua mensagem central.
“…acima de tudo está o fato de todos esses textos neotestamentários terem surgido sob o impacto do mais alto evento revelatório da história da salvação…”
O Tema Central e os Limites do Cânon
É por isso também que dizemos que o cânon das Escrituras está “fechado”. Não são poucos os Cristãos que me perguntam se Deus não teria mais coisas para revelar, e porque o cânon foi fechado com os livros atuais. Isso não seria uma limitação da liberdade do Espírito?
Mas a compreensão da fonte da autoridade bíblica dá também a solução desse problema. Deus não vai revelar “mais coisas”, e provavelmente não teremos mais livros inspirados para serem postos no cânon, porque não há nada mais para ser revelado, qualitativamente falando. Pois a revelação não é feita de bites de informação. A revelação é algo qualitativamente supremo e definitivo; se o próprio Verbo de Deus se manifestou, e Deus, que antes usou profetas, agora nos falou pelo seu Filho (Hb 1.1-4), que outra revelação pode haver? O que pode “complementar” o evangelho da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus, ensinado por ele próprio e por seus apóstolos?
O cânon não está fechado porque Deus reteve novas informações, mas porque nenhuma informação jamais será maior do que o conhecimento de Deus o Pai, por meio de Jesus Cristo, o unigênito, no Espírito Santo.
Não há outra revelação depois dessa, a não ser a própria volta do Filho de Deus, a parousia. Não porque Deus queira reter alguma informação, mas porque nenhuma informação jamais será maior do que o conhecimento de Deus o Pai, por meio de Jesus Cristo, o unigênito, no Espírito Santo. Só uma coisa poderá ser “maior” do que isso: o momento de vermos face a face aquele que hoje vemos como por um espelho (1Co 13.10-12); mas mesmo então não será “outra” revelação, e sim a mesma, em toda a sua clareza e extensão, transformando e elevando o significado de todas as outras coisas que pensamos saber e da nossa história, a ponto de nos parecer que éramos crianças, e que jamais soubemos coisa alguma. Mas já temos esse saber hoje, de forma seminal; e é disso que as Escrituras testemunham: a respeito de Jesus, o Filho de Deus, e de nossa adoção por meio dele (Jo 5.39, 46, 47; Lc 24.44-48; At 18.24,28; Rm 1.1-4).
Toda a Escritura é Inspirada
As Escrituras não são a palavra de Deus apenas porque foram “eleitas” para tanto e incluídas em um cânon, e nem unicamente porque testificam de Jesus. Fica implícito no fato de Deus ter usado profetas, escribas e apóstolos, e de ele garantir a unidade orgânica do testemunho dos documentos bíblicos, que cada um dos livros da Escritura tem uma gênese especial. Não são livros comuns.
Em 2Tm 3.16 o apóstolo Paulo diz que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça”. Temos aqui dois fatos muito importantes sobre a Bíblia. O primeiro é a expressão “inspirada por Deus”, do grego theopneustia. Temos aqui a ideia de inspiração divina: Deus moveu homens para escrever, “soprou” neles significados divinos, de tal modo que as próprias palavras de Deus foram postas em linguagem humana. Uma ideia semelhante encontra-se em 2Pe 1.21: que as profecias bíblicas foram o resultado de um discurso humano movido pelo Espírito de Deus. Deus, então, causa atos de discurso; ele fala por meio da fala de um ser humano.
Há quem pense que Deus se revelou aos profetas e eles escreveram o que viram por sua própria conta, sem uma assistência divina especial. Contra isso, Pedro nos diz que o seu discurso foi movido pelo Espírito Santo. Mas ainda assim, há quem pense que os profetas e apóstolos falaram sob inspiração divina, mas a Bíblia seria um registro falível e secundário desses discursos. Nada disso faz justiça ao ensino bíblico sobre inspiração, no entanto. Paulo nos diz que não apenas os autores foram inspirados, mas a própria Escritura foi inspirada. A inspiração é uma qualidade do texto, e não apenas dos autores.
Quais textos tem essa qualidade? 1Tm 3.16 nos diz que seria “toda a Escritura”. Essa declaração de Paulo é muito esclarecedora. Ele não diz que “as Escrituras que são inspiradas” são úteis para o ensino, mas que “toda a Escritura é inspirada” e por isso útil para o ensino. O que ocorre é que o termo “Escritura” aqui tem um sentido técnico, equivalente a “Bíblia” ou “textos canônicos”. Paulo está dizendo que todo o texto que estiver no cânon deve ser considerado inspirado e por isso útil. Em outras palavras, ter sido canonizado e incluído no conjunto chamado “Escritura” é um marcador, para nós, de que o texto foi inspirado por Deus. Deus usou a canonização como meio para disponibilizar os textos que ele inspirou.
A Formação Cristã
Uma vez que se reconheça o caráter da Escritura como Palavra de Deus, nossa atitude em relação a ela precisa mudar. Tire-a da estante! Leia com cuidado, com frequência, e com vontade de compreender. Não apenas assuma que ela tem algo de essencial para lhe ensinar; ouça-a com reverência e com imaginação, como se fosse a voz do próprio Deus, no instante em que você lê – e na verdade, você descobrirá que ela é exatamente isso. Deus usa a sua Palavra para nos dar sabedoria e nos conduzir em sucesso (Js 1.7-8), para curar as nossas almas e abrir nosso coração para a vontade de Deus (Sl 19.7-11), e para nos educar para a vida no reino de Deus (2Tm 2.15; 3.14-17).
O texto do Sl 19 chama a minha atenção: a palavra do Senhor cura, ilumina o coração, orienta a vida, e alegra o coração (vs 8). Será que o leitor já pensou sobre isso? Que a alegria do Cristão dependa da meditação nas Escrituras? Quantos Cristãos sofrem com a tristeza não exatamente em razão dos dissabores da vida (que estão aí, em abundância), mas porque carecem de recursos para enfrentar esses mesmos dissabores. Será que o leitor já descobriu em sua Bíblia uma fonte de consolo e alegria?
Nada na igreja funciona sem a Bíblia. E se funcionar, já não é mais igreja; é outra coisa.
E quanto a 2Tm 2.15 e 3.16-17? É trágico que tantas igrejas evangélicas desprezem completamente o ensino sistemático e inteligente das Escrituras como estratégia básica de formação Cristã. No entanto ela é necessária não apenas para formar Cristãos, mas também para formar obreiros Cristãos. Assim, nada na igreja funciona sem a Bíblia. E se funcionar, já não é mais igreja; é outra coisa.
Mas de todos os textos, talvez 2Tm 3.15 seja o mais chocante: “as sagradas letras … podem tornar-te sábio para a salvação”. Tenho conversado com muitos líderes cristãos sobre a minha preocupação com o analfabetismo religioso dos cristãos médios, como os tenho encontrado por aí. Cresce a minha sensação de que muitos membros de igreja hoje nada sabem sobre Deus, sobre Jesus, e sobre o Espírito Santo. Antes eu tratava isso como um problema de subnutrição espiritual, ou de falha pedagógica, apenas. Mas trata-se de uma falha missiológica. Pois as Escrituras é que nos tornam sábios para a salvação. Sinto que muitos desses membros de igreja na verdade nem são Cristãos mesmo. E não são Cristãos por culpa do púlpito evangélico, que substituiu a Bíblia por mensagens moralistas ou motivacionais. Reaprender a “regra da fé” é uma questão de vida ou morte para os evangélicos de hoje.
Continua…
Ótimo texto.
Só para contribuir com possíveis leitores que, como eu, não saiba bem as referências das coisas na bíblia, no últimos parágrafos as referências corretas são 2 Tm. 2.15 e 3:16-17, não é?
Grato!
Exatamente. Obrigado pela correção Marco! Já mudei lá!
Eu também, ao contrário dos críticos, – do discurso dos ateus, dos agnósticos, dos liberais modernos que dizem que a Bíblia só pode ser considerada como regra de fé, mas nunca de prática e que adotam outros tipos de revelações, simplesmente para enlanguescer a autoridade bíblica – creio na Bíblia como sendo a palavra revelada e escrita pela inspiração Divina do Gênesis ao Apocalipse e como a rainha de todas as revelações possíveis, sendo que todas as demais estão subordinadas à Sua palavra. A Bíblia me apresenta Deus em Jesus e como devo me relacionar com Ele e isso me basta.
Fazendo agora um giro, olho agora para a igreja católica e analiso seu desempenho no intuito de cair na graça do povo. A bem da verdade, ela já tem esse prestígio, não estou dizendo em termos de autoridade conseguida na capacidade da influência. Mas qual é a natureza desse prestígio? São suas marcas do bem e do mal bem imprimidas na sociedade universal em sua trajetória. Alguém diria, mas são estigmas negativos, de períodos sombrios, mas e daí? Qual instituição apresenta uma resposta a essa busca humana pelo mito? Qual instituição pode ser tão mística como ela?
Aoesar de reconhecer a importância de sua natureza e missão, dispenso aqui o discurso das igrejas consideradas reformadas, muito menos as pentecostais das quais faço parte, que estão ocupadas em outras tarefas e a disputa de território atrapalhou muito; acredito que não tenha sido nem tanto a fragmentação, mas a desunidade (sic) e disputa por território. Não nego que haja uma tentativa de apresentar essa narrativa mística de que a igreja é portadora, porém é fraca e errada.
Retomando a questão da igreja católica, lembra do giro narcísico que trataste em um artigo? Pois, bem, acredito que a IC esteja tentando esse “giro”, mas será preciso esperar mais um pouco para saber se vai ao mesmo sentido do que foi tratado lá ou se no sentido contrário, que seria o certo. O processo, porém e lento.
O “giro” contrário seria uma percepção na palavra, um novo insight provocando uma reforma em sua teologia. Uma reforma sem cisão. Abrindo mão de sua teologia dogmática, que ainda domina sua práxis eclesiástica, dando um caráter mais bíblico. Em tese seria o mesmo movimento da Reforma; um rompimento consigo mesmo sem a tão temida divisão, reaproveitando sua “unidade” (braços longos que abraça a tudo que nasce dentro de seus muros eclesiológicos) onde reside sua força, diferentemente das igrejas reformadas que, segundo alguns estudiosos, já nasceram assim, divididas em suas lideranças.
Caro Guilherme,
Creio na Bíblia como escritura inspirada e como regra de fé e prática para minha vida.
Mas tenho minhas dúvidas se quando Paulo fala que “toda Escritura é inspirada… etc…” ele está se referindo a si mesmo… Parece-me que não e que a referência é ao AT.
Isso obviamente não muda minha opinião sobre a inspiração dos escritos do próprio Paulo. Apenas me questiono se essa fala dele é um argumento legítimo em prol do NT.
Um grande abraço
Felipe
Oi Felipe,
sem dúvida, Paulo está se referindo ao AT quando fala sobre a “Escritura”. Mas meu argumento, ao citar esse texto, não era o de validar o NT! Meu argumento para validar o NT envolve: (1) o reconhecimento, por Jesus, do resultado de um processo de canonização que não pode ser sistematizado, e que continuou depois dele, envolvendo uma aceitação “católica” dos textos por parte da comunidade de fé; (2) a apostolicidade, que implica autoridade representativa para agir e falar em nome de Cristo, e (3) a unidade dos documentos em torno do testemunho de Jesus Cristo como revelador de Deus.
Pois bem: citei o texto referido apenas para dizer que Paulo trata o que é canônico como inspirado, nessa ordem. Então, uma vez que se considerem outros textos como “Escritura”, i.é., canônicos, então torna-se plausível considerá-los também inspirados no mesmo sentido. Naturalmente esse não seria um julgamento mecânico; as considerações acima precisariam ser feitas em relação a cada documento, e os sinais internos de que eles se assemelham na estrutura aos textos do AT precisariam ser identificados também. Mas na verdade todo esse trabalho já foi feito pela igreja cristã 😀
Sei que parece “viajar na maionese”, mas é uma tentativa de se entender o momento.
Se a sociedade é mutante e a história dela é cíclica , a igreja vai no mesmo embalo, só que com liberdade de girar num sentido ou noutro, compreendeu? no mesmo sentido da secularização a dogmática , que sempre ditou sua práxis eclesial não consegue se sutentar, sendo assim restar girar no outro sentido, e para mim é aqui que a história se repete.
É uma viagem, é , e longa que quase não se percebe, dado o processo.
Claro que não estou ignorando que tudo é uma tentativa de se ajustar , de ser aceita, enfim… mas o que está acontecendo na verdade é justamente isso. Como eu disse , ainda é cedo para se precisar em qual sentido exatamente esse giro acontece.
Estou com aqueles que apostam numa apostasia nas neopentecostais, mas na frente; demora. A as almas serão dividida entre as igrejas católica e históricas e nesse caso ganha mais quem “consertar a rede” e aqui eu associo o meu pensamento ao seu texto que fala da regra de fé que é a Bíblia.
Em creio nas possibilidades, por exemplo de a Católica “girar” no sentido das escrituras e sofrer uma reforma. Penso que a própria conjuntura atual faz sentir essa necessidade. Não sei como mas, de certa forma, percebo essas sinalizações.
Mas fique calmo, não é profético é apenas uma tentativa de entender antecipando a repetição da história sem medir proporções.
A teologia aqui é de rua, e do bate papo na esquina, portanto, não precisa considerar,
Grato.
Caro Guilherme
“O Tema Central e os Limites do Cânon”
Do que falei, é utópico, ideal e todo visionário, dependendo do alcance de sua visão, é conceituado como partidário do idealismo, da utopia. Essa é conclusão de uma análise honesta quando estudamos o contexto histórico de Jesus de Nazaré ( não o Jesus histórico) o metafísico, o Cristo da história.
Acredito que todos nós precisamos urgentemente crer nessas possibilidades em torno da igreja sendo visonários enquanto agurdamos a escatologia.
Qual é a base de minha afirmação disso?
Deixo por um momento a “Sitz im Leben Jesu” e parto junto com eles para a “Sitz im Lebem der Urkirche” equipado assim vou com Lucas no processo de “desescatologizar” trabalhado por Hans Conzelmann, porque o Reino que “já mas ainda não” precisa ser sinalizado até que a escatologia aconteça em toda a sua plenitude. E, Enquanto desenvolvemos este processo, as possibilidades estão abertas.
Não considero que isso seja um desvio de pensamento, ou uma viagem na maionese, não… são apenas possibilidades. Sou um observador e tento ir concluindo, porém sem pontificar nada. Não conhecemos todo o futuro , mas Jesus nos falou da importância dos sinais, e é importante que se considere tanto os de fora da igreja quanto os de dentro.
Lucas se ocupou de desenvolver uma teologia que pudesse firmar a igreja em vista da demora na parousia. O pensamento Lucano relete sim esse trabalho. Acontece que a parousias ainda não aconteceu, e passado o dia da previsão do fim do mundo, a previsão mais aproximada disso seria, se pudéssemos considerar , a do fisico Isaac Newton que estabelece uma data pra 2060, não estou preocupado em datas nem números, mas de todos esses profetas que estão zanzando por aí eu paostaria nele se não houvesse a opção de não escolha.
O que quero dizer é que se , supostamente, Newton estivesse certo, até 2006, do jeito que as mudanças são rápidas ( e isso aqui , eu já considero um sinal, lembra lá? é como quem vai dar a luz, frequência e tempo – a quem diga, mas esses sinais ditos sempre estiveram aí – não esqueça de considerar a frequência deles – dores maiores em intervalos menores de tempo.
Então , sendo assim, não é razoável assumir uma postura , enquanto espera? e essa postura inclui para mim, todas as possibilidades.
Encerro assim minha particpação e agradeço a paciência e o espaço.
muito interessante e opotuno.Parabens Sr. Guilherme. obrigado pelo espaço.
Só para elucidar uma passagem do seu texto.
“aquele que acredita na ciência submete-se alegremente ao que é publicado em revistas acadêmicas peer-reviewed, aos modelos dominantes em um campo de pesquisa e, é claro, ao eixos consensuais de uma comunidade científica.”
Quem acredita na ciência não “submete-se” ao que é publicado em revistas acadêmicas. A ciência se curva à realidade e a experiência somente. Se uma pessoa duvida de alguma coisa afirmada por um determinado artigo pode ela mesma fazer a experiência em algum laboratório e confirmar ou não a validade de uma experiência.
Abraços cordiais.
Caro Jonas,
de fato eu fui com muita sede ao pote! 😀
A intenção do parágrafo era destacar que a atividade científica envolve um elemento de confiança pessoal e uma vinculação comunitária que excede o juízo individual – como, por exemplo, quando resultados publicados revistas especializadas são tomados como válidos, mesmo quando não se possa repetir pessoalmente todos os experimentos e resultados informados à comunidade pelos meios publicamente confiáveis, mas sabe-se que foram reproduzidos por outros pesquisadores. Sem dúvida o pesquisador que duvida pode – e deve – refazer experimentos para checar as coisas, mas o pesquisador não pode fazer isso com todos os detalhes teóricos e com todas as demonstrações empíricas que fundam sua disciplina; na verdade, nem mesmo de todos os que compõem o seu campo especial de pesquisa, em boa parte dos casos. E quanto à declaração “A ciência se curva à realidade e à experiência somente”, eu diria que isso é no mínimo questionável. Ao menos não é o que a sociologia da ciência (e sociologia também é uma ciência, a seu modo, não é?) diz sobre o avanço da ciência, quando toma a ciência como objeto. Se incluírmos aqui a história e a filosofia da ciência, então o quadro fica mais completo. E eu sou polanyiano demais para aceitar essa declaração!
Mesmo assim, “submete-se alegremente” foi mesmo demais. Acabei caricaturando a ciência, eliminando o elemento do questionamento racional em nome do elemento fiducial da ciência; vou modificar essa expressão no post. Um abraço e obrigado pela ajuda!
Guilherme
Prezado Guilherme,
Desculpe por ter ocupado muito espaço e não ter referenciado seu texto,
Sei que não há mais tempo, mas deixo aqui que parte do que citei consta na Teologia do Novo Testamento de George Eldon Ladd, a partir daí é que elaborei meus inventos.
O termo “Sitz im Lebem der Urkirche” segundo o autor foi apenas um tentativa que não passou, como não tenho compromisso acadêmico sinto-me na liberdade e adoto essa ideia
Desculpe,
na verdade é o termo ” desescatoligizar” de Hans Conzelmann e não o “Sitz im Lebem der Urkirche” que é uma outra história, mas que amarrei em minha elaboração. Porém, os dois constam na obra que citei. É lixo? podeser , mas não pra mim.